Governo Lula fecha o ano sancionando ataques ao salário mínimo, abono salarial e BPC. Entenda
Pacote de ajuste não foi desidratado, mas atinge os mais pobres e vulneráveis em prol dos bilionários capitalistas
O presidente Lula fechou a última semana de 2025 sancionando, nesta sexta-feira, 27, o pacote de ajuste fiscal elaborado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que prevê uma série de ataques a fim de sustentar o arcabouço fiscal, começando pelo salário mínimo, e se estendendo a benefícios sociais básicos, como o abono salarial e o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Ao contrário do discurso de setores da burguesia e do mercado, e do que é propagado pela imprensa, não se trata de um pacote “desidratado”, mas de profundos ataques à classe trabalhadora, principalmente os setores mais vulneráveis, a fim de beneficiar os bilionários capitalistas.
Após a tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, veja como ficaram cada ponto tratado no pacote.
Rebaixamento do reajuste do salário mínimo
Principal medida do pacote de ajuste, o governo alterou a regra de reajuste do piso salarial. Pela regra atual, a recomposição é calculada somando o crescimento do PIB de dois anos antes e a inflação (no caso, o INPC).
Pela nova regra, impõe-se um teto sobre esse reajuste, enquadrando o salário mínimo no mesmo teto que rege o arcabouço fiscal em todo o orçamento: de 0,6% a 2,5% de aumento real. Para exemplificar, 2022 fechou com um aumento de 3,2% do PIB. Tirando a inflação, esse deveria ser o aumento do mínimo em 2025. Pela nova regra, será de 2,5%.
Pela regra atual, que já é bastante insuficiente e mantém um salário mínimo de fome, o salário mínimo subiria de R$1.412 para R$1.528 em 2025. Com a nova regra do governo, aprovada pelo Congresso Nacional, o mínimo irá para R$1.518. Lembrando que, segundo o Dieese, para cumprir a sua função constitucional, o piso salarial deveria ser de R$6.959,31 (em novembro).
Pode parecer pouco R$10 a menos por mês, mas no decorrer do ano, isso vai representar um confisco de R$130 para cada um dos 28 milhões de aposentados e pensionistas que recebem pelo piso, quase 70% dos beneficiários do INSS. Uma “economia” que representa 1/3 do que se espera deixar de gastar até 2030: dos R$327 bilhões a menos de gastos, R$110 bilhões virão do INSS e dos benefícios sociais.
Isso porque o rebaixamento da política de reajuste do salário mínimo atinge tudo o que é atrelado a ele: das aposentadorias aos benefícios como Bolsa Família, BPC, etc. Além de exercer uma pressão para jogar para baixo os salários da própria iniciativa privada, formal e informal.
BPC (Benefício de Prestação Continuada)
O BPC é um direito que, atualmente, garante a sobrevivência de 5,7 milhões de pessoas. Destes, 3,12 milhões de idosos que não puderam contribuir ao INSS, dado ao caráter de alta informalidade e precarização do mercado de trabalho no país; e 2,68 milhões de pessoas com deficiência.
Esse foi o ponto que mais causou polêmica por justamente atingir a população mais vulnerável.
Tem direito ao benefício idosos com 65 anos ou mais cuja renda familiar por pessoa não ultrapasse 1/4 do salário mínimo, além de pessoas com deficiência.
O projeto do governo previa uma dura restrição ao BPC que, na prática, jogaria milhões de idosos e pessoas com deficiência na mais absoluta miséria.
Pelo projeto do governo, entrariam no cálculo da renda per capta familiar a renda de irmãos, filhos e enteados solteiros, casados, ou viúvos, ou seja, praticamente todos que dividissem um mesmo teto. Além disso, passaria a contar como renda familiar até mesmo o ex-cônjuge separado (mas que não estivesse divorciado no papel), mesmo que não morasse na mesma residência.
O ataque mais perverso, porém, do projeto do governo em relação ao BPC era o que retirava da dedução da renda familiar qualquer outro benefício que um outro residente pudesse ter. Por exemplo, uma família composta por um idoso e uma pessoa PCD em que ambos recebessem o benefício, perderia metade da renda.
Além disso, o projeto enviado pelo governo excluía o benefício a pessoas PCD’s de grau 3, considerado “leve”, termo, aliás, amplamente problematizado, já que qualquer grau de deficiência requer algum nível de suporte. O ataque mobilizou PCD’s, familiares, principalmente mães de filhos PCD’s, e até mesmo o influencer Ivan Baron, que sofre de paralisia cerebral e que representou os PCD’s na subida da rampa na posse de Lula, criticou a medida.
A pressão e a mobilização, principalmente nas redes sociais, forçou a uma negociação no Senado, em que o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA) acordou o veto a esses pontos em troca da aprovação do pacote como um todo.
Permaneceram, porém, novas exigências, como o recadastramento biométrico e a obrigatoriedade da inclusão nos cadastros do código de Classificação Internacional de Doenças (CID), assinado por um médico. Medidas burocráticas com o objetivo de dificultar ao máximo a concessão do benefício, sob a falsa justificativa de “combater fraudes”.
Apesar da “desidratação” dos ataques apresentados pelo governo, é falsa a ideia de que o BPC saiu incólume desse pacote. Primeiro, que o próprio benefício será afetado pela redução do reajuste do salário mínimo. Segundo, que os novos critérios dificultam ainda mais a concessão do benefício.
Por último, só para se ter uma ideia de proporção: o governo esperava “economizar” R$ 2 bilhões em dois anos com esse derretimento de um benefício essencial aos setores mais pobres e vulneráveis. Agora, só a elevação em 1 ponto da taxa de juros, defendida e votada de forma unânime, incluindo o indicado de Lula para substituir Campos Neto na Presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, representa R$50 bilhões/ano a mais em gastos do orçamento para remunerar banqueiros e megafundos financeiros internacionais através da dívida pública.
Abono salarial
Outro ataque sancionado por Lula se refere ao abono do PIS/PASEP, benefício equivalente a um salário mínimo destinado a quem recebe até dois mínimos ao mês. Uma espécie de 14º salário na prática.
Pelo projeto do governo, esse valor será desvinculado dos reajustes do salário mínimo, congelando no valor dos dois mínimos em 2023, equivalente a R$2.640, e, a partir daí, só reajustado pela inflação. A ideia é que, até 2035, o benefício fique restrito a quem recebe só até um salário mínimo e meio.
E a taxação dos ricos e o combate aos supersalários?
Quando Haddad foi à TV anunciar o pacote de ajuste fiscal, incluiu a promessa da isenção do Imposto de Renda a quem ganhasse até R$5 mil, e a elevação do imposto para quem recebesse mais de R$60 mil por mês. Foi uma forma de jogar fumaça sobre os ataques ao salário mínimo e os benefícios sociais, estratégia elaborada a partir de pesquisas internas de opinião para reduzir o impacto dos ataques aos mais pobres.
A questão é que a mudança do IR é apenas uma promessa para 2026 e nem foi citado nas PECs e PLs que compuseram o pacote de cortes de gastos. E acabou sendo um tiro que saiu pela culatra, pois foi usado pelo mercado para um massivo ataque especulativo que jogou o dólar na estratosfera a fim de pressionar o governo por ainda mais ataques.Lembrando que Haddad já anunciou uma nova rodada de ajustes já para 2025.
Já a promessa de combater os chamados supersalários, aqueles que excedem os R$ 44 mil recebidos pelos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), nada foi feito. Ficou para uma futura lei ordinária, e enquanto isso tudo permanece como está. É o famoso “na volta a gente compra”.
Tudo isso mostra e comprova que o pacote de cortes de gastos teve como único objetivo o confisco do salário mínimo, aposentadorias e direitos sociais nos próximos anos para continuar garantindo a remuneração dos banqueiros e megainvestidores internacionais. Um conjunto de medidas com forte embate no Congresso Nacional, liberação de R$7,7 bilhões em emendas, desavenças com o mercado, mas que, ao final, todos se uniram para aprová-lo.
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