FGTS: Governo deve mais de R$ 720 bilhões aos trabalhadores
Letícia Lima, de Itajubá (MG)
Mais de 70 milhões de trabalhadores têm sido lesados pelos sucessivos governos, que corrigem as contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) abaixo da inflação, usando a TR (que hoje está em 0,32%) + 3% ao ano. Segundo estimativa do Instituto do Fundo de Garantia (IFGT), essa regra, usada desde 1999, gerou uma perda de 88,3% em relação ao poder de compra, totalizando R$ 720 bilhões.
Isso significa que se comparado com a inflação medida pelo IPCA, um trabalhador que recebeu o salário mínimo perdeu R$ 1.896,00 nos últimos dez anos. Se recebeu um salário de R$ 3.000,00, teve perda de R$ 4.370,00; e para um salário de R$ 10.000,00, o rombo é de R$ 14.566,00.[1]
Mas, afinal, para onde foi esse dinheiro? Seu valor monetário é relativo, é uma comparação de valores. A taxa Selic, que regula os juros da nossa economia, por exemplo, está em 13,75% ao ano, e um empréstimo bancário feito pelo trabalhador tem juros anuais em média de 43,5%[2]. Assim, o valor que representa a riqueza gerada pelo trabalhador, quando não reajustado, vai sendo desvalorizado. Em resumo, o que não é recomposto ao FGTS acaba sendo absorvido pelos bancos e pelo mercado financeiro. É um verdadeiro roubo do dinheiro do trabalhador.
Ação judicial pede a inconstitucionalidade da atual TR e a reposição da inflação
Depois de adiado por três vezes, o julgamento da ação ADI5090 ajuizada em 2014 teve início no último dia 20 de abril, com o voto dos ministros Luís Roberto Barroso (relator) e André Mendonça.
Barroso propôs que a correção não seja inferior à caderneta de poupança, que está em 6,17%. Nesse caso, haveria uma diferença de R$ 1.400,00 para um trabalhador que contribuiu com 8% de um salário mínimo.
Contudo, apesar de os dois votos questionarem a atual taxa de reposição, nada está garantido, pois os ministros não foram categóricos sobre qual taxa será adotada, e a caderneta de poupança é insuficiente para resgatar as perdas da inflação.
Pior, Barroso foi contra a aplicação da reposição retroativa, quer dizer, tudo aquilo que o trabalhador já foi lesado nos últimos 24 anos ficaria por isso mesmo.
A votação dos demais nove ministros seguirá a partir do próximo dia 27 de abril. Para repor o poder de compra do salário do trabalhador, as contas do FGTS deveriam ser reajustadas, no mínimo, conforme a inflação. Por isso, é fundamental a mobilização e pressão sob o julgamento. A CSP Conlutas realizará uma campanha nas bases, exigindo a reposição completa e com retroativo.
Para Lula, o mercado vem em primeiro lugar, e os trabalhadores podem esperar
Um dia antes do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), o governo pediu a extinção da ação, com base no argumento de que os beneficiados já tiveram possibilidade de retirar valores do FGTS com as leis 13.446/2017 e 13.932/2019. Aprovadas por Temer e Bolsonaro, essas leis, na verdade, subvertem a própria finalidade do FGTS, que foi criado em substituição à estabilidade no emprego e serviria para momentos emergenciais, como desemprego, aposentadoria ou doença grave.
O governo ainda alega que o pagamento do retroativo pode quebrar a Caixa Econômica. Nada mais falso! Até agora ele foi utilizado pelo banco em benefício de empresários e empreiteiros, que lucraram muito com empréstimos a juros baixos com o FGTS, como é o projeto Minha Casa, Minha Vida.
Além disso, a desculpa esfarrapada de que o processo pode “quebrar os cofres públicos” só demonstra que o governo usa dois pesos e duas medidas, pois quando se trata dos banqueiros e grandes empresários, os cofres públicos estão sempre abertos. O arcabouço fiscal proposto para manter o pagamento dos juros da dívida prevê uma arrecadação extra de mais R$ 150 bilhões. Afinal, por que não priorizar que esse dinheiro pague o rombo no FGTS? Ou por que não taxar os super-ricos para cobrir o que foi roubado dos trabalhadores?
Afinal, quem sai ganhando com esse roubo?
Desde sua criação em 1966, o FGTS tem sido constantemente saqueado por leis que desfalcam o fundo e desresponsabilizam as empresas. As MPs de Bolsonaro que precarizavam os contratos durante a pandemia e a famigerada carteira verde e amarela, por exemplo, permitiam que as empresas recolhessem apenas 2% ao FGTS.
Além disso, há uma lista gigantesca de empresas que atrasam ou não fazem o repasse, apesar de descontarem obrigatoriamente 8% do holerite dos trabalhadores todo mês. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda, a dívida das empresas totaliza R$ 27,8 bilhões. Entre as caloteiras estão a Vale, que deve R$ 105 milhões; as universidades Cândido Mendes, R$ 132 milhões, e Gama Filho, R$ 130 milhões; além da TV Manchete, R$ 107 milhões. E ainda empresas que declararam falência, como a Viação Rio Grandense, que deve R$ 820 milhões, e a Vasp, R$ 160 milhões. Enquanto isso, empreiteiras como MRV, Cury, Direcional e Tenda lucraram bilhões com a construção de moradias populares através de empréstimos do FGTS.
Quais são as perspectivas do julgamento
Depois de finalizados os votos dos 11 ministros do STF, o governo tem margem de manobra para enrolar ainda mais o pagamento. Poderá lançar embargos de declaração e sobre a modulação dos efeitos.
Veja o que está em discussão:
- A) A inconstitucionalidade da TR:
Se considerada inconstitucional, daria direito a todos os trabalhadores, independentemente de terem ou não processo ajuizado, ao valor do FGTS corrigido. Nada mais justo! Porém o STF pode apenas mudar a taxa de reajuste.
- B) Definição da nova taxa de correção:
Caberá definir qual taxa balizará a reposição do fundo, se os índices que medem a inflação, como INPC ou IPCA, ou outra taxa como a da caderneta de poupança.
- C) Qual extensão da decisão:
Cabe modular a decisão, isto é, definir qual período deverá ser contemplado na recomposição das perdas: se desde 1999, quando foi instituída a atual taxa, no período da ação (1999 a 2013) ou apenas a partir da decisão, sem reposição retroativa.
- D) Quem terá direito:
Apenas os trabalhadores que entraram com a ação ou todos os 70 milhões com contas no FGTS.
[1] Cálculos do economista Michael Viriato, da Folha de S. Paulo.
[2] Dados do Banco Central referentes a janeiro deste ano.