Nacional

Faltou o óbvio Sr Soranz: demita-se!

PSTU Rio de Janeiro

19 de dezembro de 2024
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Secretário de Saúde do Rio, Daniel Soranz

A morte de José Augusto Mota Silva, de 32 anos, enquanto esperava atendimento na UPA Cidade de Deus, no passado dia 13 de dezembro, incendiou, como seria de esperar, uma onda de revolta na população. O secretário de Saúde do município, Daniel Soranz, rapidamente deu uma resposta: estão todos demitidos! Sem antes apurar responsabilidades, sem apurar se houve erro ou negligência, são todos culpados até que se prove o contrário. No entanto, os maiores responsáveis pela situação a que chegou o atendimento nas UPAS do município não estavam de plantão e, pelo visto, vão continuar incólumes nos seus cargos, o presidente da Riosaúde Roberto Rangel, o secretário de Saúde Daniel Soranz e Eduardo Paes.

O que ocorreu na sexta-feira 13 de dezembro?

Segundo informações dadas pela Secretaria de Saúde “(…) dados do sistema mostram que a classificação de risco foi feita às 20h30 e, poucos minutos depois, foi acionada a equipe médica devido ao paciente encontrar-se desacordado.”….

Antes de avançarmos é importante explicar como funciona o fluxo de atendimento na UPA: o paciente faz a ficha na admissão, aguarda a classificação de risco, a enfermagem classifica a gravidade do paciente de acordo com protocolo de Manchester: Vermelho: Emergencial, para pacientes com risco de morte ou em condições de extrema gravidade, têm que ser atendidos imediatamente. Laranja: Muito urgente, devem ser atendidos no máximo em 15min. Amarelo: Urgente, para pacientes que podem correr risco, devem ser atendidos em 30min. Verde: Pouco urgente, devem ser atendidos em até 60min e Azul: Não urgente. Pacientes muito graves podem ir imediatamente para as salas internas da UPA: sala vermelha ou amarela, muitas vezes sem sequer fazer ficha de admissão.

O paciente em questão foi classificado e dirigiu-se à sala de espera para aguardar atendimento médico, não há informações sobre se foi adequadamente classificado e aguardou mais tempo de atendimento do que deveria, ou se a classificação de risco foi errada e ele foi classificado como sendo menos grave do que era, ou, menos provável mas não impossível, que no momento da classificação de risco os dados colhidos não demonstravam gravidade real e a sua situação se agravou subitamente depois.

Essa última situação é a que ninguém acredita por uma simples razão, a população está cansada de ser mal atendida nas UPAS e Emergências Hospitalares, de ver os seus familiares se agravarem e muitas vezes faleceram porque o atendimento prestado não foi de qualidade. Mas a questão que fica é de quem é a responsabilidade pelo mau atendimento? Dos profissionais que estão na linha de frente ou dos gestores, administradores e governantes que sufocam a saúde pública com orçamentos cada vez mais minguados?

José Augusto Mota Silva foi encontrado morto enquanto esperava atendimento

Erro ou negligência?

Deve haver uma investigação exaustiva e transparente sobre se houve erro ou negligência no atendimento ao Sr. José Augusto. E, se bem entendemos que todos estejam mais dispostos a acreditar que tenha sido negligência, há a possibilidade de ter sido um erro. Somos humanos, errar é parte da nossa existência, o problema é que para quem trabalha na saúde um erro pode ser fatal. E por isso mesmo os profissionais de saúde deveriam trabalhar em condições que minimizem ao máximo a possibilidade de haver um erro. O problema é que é justamente o contrário, para quem trabalha na saúde pública e particularmente nas urgências porta aberta como as UPAS as condições de trabalho são cada vez mais degradantes.

A enfermagem faz turnos de 24h seguidas, o que por si só já é absurdamente desgastante. Lembrando que em UPAS como a da Cidade de Deus chegam a ser atendidos 200-300 pessoas durante um plantão diurno (12h), pelo que ao final de 12h dificilmente um profissional que está na triagem, por exemplo, está em pleno domínio das suas capacidades. Como se não bastasse, o município sequer paga o piso. Para poderem se sustentar, muitos enfermeiros e técnicos de enfermagem acumulam 2 ou mesmo 3 empregos, o que gera um grau de esgotamento e uma possibilidade de erro exponencialmente maiores. Não por acaso, a enfermagem está em greve há vários meses na Riosaúde, e obviamente Soranz e Paes não demonstraram nenhuma disposição, até agora, de cumprir o mínimo necessário para garantir condições dignas de trabalho à enfermagem!

A situação dos médicos é melhor, claro, mas não é necessariamente boa. Não há reajuste de salário há pelo menos 8 anos. O atendimento nas unidades de emergência é extremamente desgastante, são centenas de atendimentos por dia, muitos deles que poderiam ser feitos nas clínicas de família, mas não são porque a sobrecarga das clínicas e a falta de profissionais é maior que a das UPAS. E ao mesmo tempo pacientes muito graves que não conseguem transferência para leito hospitalar e demandam muito dos parcos recursos das UPAs.

E se tiver sido negligência?

Em todas as áreas há profissionais bons e ruins, dedicados e negligentes e na saúde não é diferente. E sim pode ter havido negligência no atendimento ao Sr José Augusto.

O problema é que a demissão de 20 funcionários que estavam de plantão nesse dia não resolve o problema de fundo. A contratação de profissionais não é por concurso público, mas por um processo seletivo simples, sem grandes averiguações da adequação do candidato à vaga, e quem trabalha nas UPAs da Riosaúde não é avaliado pela qualidade do atendimento. Todos os parâmetros de avaliação são quantitativos. Os médicos têm que bater a meta do tempo de atendimento independentemente do número de profissionais que estão no plantão e do número de pessoas que há para atender. Na maioria absoluta das vezes, a quantidade de médicos, enfermeiros e técnicos é muito inferior à necessária para atender com qualidade todos os pacientes que buscam atendimento. E não só não há nenhuma intenção da Riosaúde de contratar mais profissionais como recentemente diminuiu o número de médicos por plantão.

Para que mais ninguém morra esperando….

…esperando SAMU, esperando atendimento, esperando um leito hospitalar, esperando uma CTI, esperando um exame de alta complexidade, esperando uma cirurgia, esperando uma quimioterapia. Porque no Rio e no Brasil milhares morrem esperando.

É sim necessário apurar o que ocorreu no passado dia 13, averiguar se houve negligência e aplicar as devidas punições. Independentemente disso, os principais responsáveis pelo que ocorreu não são os profissionais da linha de frente, são os gestores da Riosaúde que aceitam coordenar uma empresa que não garante condições dignas de atendimento à população, é o secretário de saúde Daniel Soranz e o prefeito Eduardo Paes que mantém um sistema de saúde privatizado e sucateado que garante lucros exorbitantes a inúmeras empresas privadas à custa da saúde da população. A responsabilidade é também do Governo Federal que consecutivamente corta gastos na saúde para garantir o sacrossanto pagamento dos juros da dívida pública aos banqueiros.

É preciso parar de encher os cofres dos banqueiros e investir de fato na saúde pública. Mas não só, é necessário taxar os bilionários, as grandes fortunas, as grandes propriedades fundiárias e prediais.

E por fim, é um absurdo que ao mesmo tempo que milhares morrem sem acesso a cuidados de saúde, existam bilionários que lucrem com “o negócio da saúde”. As grandes redes hospitalares privadas, como a rede D’Or, os planos de saúde, têm que ser expropriados, e administrados pelos trabalhadores da saúde e os seus usuários.