Esta coluna não deveria existir

Quando me pediram para escrever para o novo portal Opinião Socialista, confesso que me questionei se teria condições de fazer isso. A temática proposta é a da segurança pública e encarceramento na periferia, com centro em São Paulo e, particularmente, onde atuo e vivo hoje: o bairro da Brasilândia, Zona Norte da capital.

Lamentavelmente, o braço armado do Estado, sob o comando de governos de todas as colorações políticas e níveis, não cessa de reafirmar diariamente seu viés burguês e racista. E há muita gente boa escrevendo sobre esses temas Brasil afora, denunciando, reportando, analisando esta realidade sob diferentes enfoques.

O que justifica este espaço, então? Creio que é o sentido estratégico.

Talvez em nenhum outro campo o Estado revele tanto sua natureza real, quanto nos temas que nos tocam aqui. E é na atitude teórico-prática perante o aparato estatal que se dividem, no final, as propostas de mudança do país. Buscar em vão melhorar o que já existe ou, renunciando aos acordos com os assassinos do nosso povo, tomar a via da transformação radical? É sempre disso que se trata.

Em um país profundamente desigual e racista, a classe dominante precisa manter forte controle social. Enquanto a minoria rica e branca tiver a caneta e o gatilho nas mãos, chacinas e prisões de negros e indígenas inocentes são questão de tempo.

Lélia Gonzales equacionou bem isso. “A sistemática repressão policial, dado o seu caráter racista […] tem por objetivo próximo a imposição de uma submissão psicológica através do medo. A longo prazo, o que se pretende é o impedimento de qualquer forma de unidade e organização do grupo dominado mediante a utilização de todos os meios que perpetuem sua divisão interna. Enquanto isso o discurso dominante justifica a atuação desse aparelho repressivo falando em ordem e segurança sociais. A partir daí, o sistema se beneficia com a manutenção de tais condições, na medida em que, desse modo, conserva à sua disposição a mão de obra mais barata possível“.

Lutar contra a violência policial, o encarceramento em massa, o racismo que conecta o enquadro e a condenação de inocentes, precisa ser parte da agenda de luta contra o capitalismo. É no trabalho coletivo de superar o sistema que vamos encontrar o caminho para uma vida justa, segura e digna.

Esta coluna não deveria existir porque nenhuma mãe deveria chorar pelo seu filho preso ou morto pelos poderosos. Mas, enquanto esta realidade for imposta ao nosso povo, estaremos aqui dando nossa contribuição à luta.

No próximo sábado (28) completam-se 9 meses de um caso que exemplifica bem porque a justiça dos ricos é o massacre dos trabalhadores. Em janeiro de 2023, Lucas Mirtzrael e Samuel Mohamed foram presos no Jd. Elisa Maria, região da Brasilândia. A despeito das irregularidades da ação da PM e de terem provas de que passaram o dia em casa, eles foram condenados e, no momento, suas famílias aguardam a resposta dos recursos feitos pelos advogados. Junto com o comitê Brasilândia Nossas Vidas Importam, foram feitas várias ações nesses meses, sendo um dos protestos criminalizado pela rede Record e pela PMSP. Queremos marcar a data para que essa injustiça não caia no esquecimento. Liberdade para Lucas e Samuel!