Nacional

Enquanto critica bilionários, governo corta benefícios sociais e dá bilhões às grandes empresas e ao agronegócio

Diego Cruz

11 de julho de 2024
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Lula e Alckmin no lançamento do Plano Safra: R$ 400 bi ao agronegócio Foto Vice-Presidência da República

As recentes declarações de Lula criticando a desigualdade, o acúmulo de riquezas dos bilionários e em defesa dos gastos sociais poderiam fazer crer que o governo, tocado por obra e graça do Espírito Santo, deu um cavalo de pau em sua política econômica e resolveu reverter o que fez até agora, como o regime de austeridade e arrocho representado pelo novo Arcabouço Fiscal. Mas, na prática, a história é outra.

Ao mesmo tempo em que, no G20, o governo defende a taxação dos super-ricos, sabendo que mesmo isso tem chances mínimas de ir a frente, aqui no Brasil faz uma reforma Tributária que recai integralmente sobre o consumo, atingindo as famílias mais pobres. Da mesma forma que, enquanto Lula afirma em entrevistas que não vai mexer na previdência ou na saúde e educação, o governo anuncia um corte de R$26 bilhões em gastos sociais, mais especificamente em benefícios do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Não para por aí. Em junho, Lula afirmou estar “perplexo” com o volume de isenções e subsídios fiscais aos ricos. “A gente discutindo corte de R$ 10 bilhões, R$ 12 bilhões, R$ 15 bilhões aqui e de repente você descobre que tem R$ 546 bilhões de benefício fiscal para os ricos deste país. Como é que é possível?”, declarou à rádio CBN. Pois bem, duas semanas depois, anunciou um Plano Safra de R$ 400 bilhões ao agronegócio, um valor recorde concedido aos grandes produtores rurais.

Divisão de tarefas

O governo Lula segue com sua tática do policial mal e do bonzinho. Uma divisão de tarefas que deixa o papel de fazer um discurso contra os bilionários e a desigualdade ao presidente, muito provavelmente baseado em pesquisas internas de opinião pública, e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, a responsabilidade de anunciar a política efetivamente implementada na prática: cortes sociais e ajuste fiscal em favor dos bilionários.

Vejamos, Haddad e Tebet indicaram a intenção do governo acabar com o mínimo constitucional da saúde e educação. Hoje, o piso que a Constituição estabelece para a saúde é de 15% do orçamento, e 18% para a educação. O problema é que essa regra bate de frente com o Arcabouço Fiscal do governo, que impõe um limite de 0,6% a 2,5% de aumento nos gastos públicos, atrelado à elevação da arrecadação e à meta fiscal. Isso significa que, ou cai o arcabouço, ou cai a vinculação da saúde e educação.

A desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que o governo não se mexeu para derrotar no Congresso Nacional, e a concessão de ainda mais subsídios, pressiona o governo a avançar no ajuste fiscal, a exemplo dos 0% de reajuste ao funcionalismo federal. Para isso, o governo busca aqui e ali, uns trocados para compensar as bondades aos grandes empresários, e, ao mesmo tempo, manter o Arcabouço Fiscal exigido pelos banqueiros e o mercado. Uns trocados em cima dos pobres, como os cortes nos benefícios previdenciários e a taxação da importação das blusinhas de até 50 dólares.

Mercado exige mais

Porém, os banqueiros e o mercado exigem mais. E o governo está sempre atento e disposto a atender. Haddad se reuniu com grandes banqueiros em junho, incluindo o CEO do Santander, para tratar do arcabouço. Segundo relatos à imprensa, o ministro se comprometeu a fazer três coisas: cumprir a meta fiscal, cortar o que for necessário para atingi-lo, e não mudar, em hipótese nenhuma, o Arcabouço Fiscal.

Coincidentemente, a mesma resolução divulgada após a reunião da equipe econômica com Lula, divulgada a fim de acalmar os mercados e dissipar qualquer dúvida de que Haddad estaria desgastado, ou que o governo flexibilizaria o teto de gastos. “A primeira coisa que o presidente determinou é: cumpra-se o Arcabouço Fiscal“, declarou Haddad, reforçando que Lula deu sinal verde para que o teto de gastos seja “preservado a todo custo”. 

No próximo dia 22, quando será divulgado o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas Primárias (o levantamento de que pé está o ajuste realizado pelo governo para cumprir a meta de déficit zero), espera-se que o governo anuncie uma nova leva de cortes. Especula-se algo em torno de R$10 bilhões.

Os banqueiros e o mercado, no entanto, querem ainda mais. Como afirmou o economista-chefe da consultoria MB Associados, um vassalo do sistema financeiro, ao jornal Folha de S. Paulo, “o grosso do ajuste necessário terá que passar em algum momento por ajustes nos gastos de educação, saúde e previdência“.

O problema do governo Lula, porém, não se deve ao fato de que atenderia pouco o mercado, ou, como repete grande parte da imprensa e a ultradireita, gastaria muito com áreas sociais. Pelo contrário, o real problema do país é que, sob o governo Lula, os super-ricos continuam mamando no orçamento, explorando os trabalhadores, entregando o país e mandando os lucros para fora. Enquanto isso, a maioria da população convive com a precarização, uma renda arrochada, serviços públicos como saúde e educação são cada vez mais sucateados. Apesar de dizer que não vai atender os bilionários ou os capitalistas, Lula segue, na prática, governando o capitalismo e fazendo tudo o que a burguesia quer.

Na prática, a história é outra

O QUE LULA DISSE

“O Brasil está impulsionando a proposta de taxação dos super-ricos nos debates do G20. Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de três mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso representa a soma dos PIBs (Produtos Internos Brutos) do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido”

O QUE O GOVERNO FAZ

Além de não taxar os super-ricos, fez uma reforma Tributária que incide sobre o consumo, prejudicando as famílias mais pobres. Também impõe cortes sociais, mantém os subsídios e isenções bilionárias às grandes empresas e acabou de conceder um Plano Safra de R$ 400 bilhões aos bilionários do agronegócio. 

O QUE LULA DISSE

“Eu vou dizer em alto e bom som: a gente não vai fazer ajuste em cima dos pobres. Achar que nós temos que piorar a saúde e piorar a educação para melhorar… Isso é feito há 500 anos no Brasil. Há 500 anos, o povo pobre não participava do Orçamento”.

 

O QUE O GOVERNO FAZ

Segundo o próprio Haddad, Lula determinou que o Arcabouço Fiscal “seja preservado a todo custo”. Nesta linha, o governo determinou um corte de R$ 26 bilhões sobre benefícios do INSS e sociais, como o BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Lula x Campos Neto

Enfrentar o Banco Central de verdade, não só nas palavras

Foto Marcelo Camargo Agência Brasil

As últimas semanas foram marcadas pelo aumento de tom de Lula e integrantes do governo contra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Num momento em que o BC decide manter a taxa de juros em 10,5%, a segunda maior do mundo e que faz do país um verdadeiro paraíso para o lucro fácil e rápido de megaespeculadores internacionais, Campos Neto não esconde suas preferências políticas, marcando presença em “homenagem” da Assembleia Legislativa de São Paulo e jantar com o governador de São Paulo, o também bolsonarista Tarcísio de Freitas. Campos Neto, aliás, chegou a dizer que ocuparia um ministério num eventual mandato presidencial de Tarcísio.

O presidente do BC é sim um bolsonarista, e a independência do banco foi a institucionalização do domínio direto do mercado financeiro sobre a política monetária do país. O que Lula não diz, porém, é que o governo nada faz para mudar isso. No último dia 19 de junho, quando o Comitê de Política Monetária (Copom), decidiu manter essa taxa de juros absurda que só remunera banqueiros, essa decisão foi aprovada por unanimidade, inclusive pelos 4 dos 8 diretores indicados por Lula. Vale lembrar que cada ponto da taxa de juros representa R$ 42 bilhões/ano a mais para os banqueiros via pagamento de juros da dívida.

Uma das desculpas utilizadas foi que o emprego aumentou mais do que esperado, logo, os juros deveriam servir para dar uma freada na economia. O que, evidentemente, não é verdade, já que o desemprego real, e a informalidade, permanecem altos. Isso serve para mostrar como o Estado e a sua política econômica funcionam para garantir os interesses dos banqueiros, mesmo que para isso tenha que jogar contra o emprego, mesmo a própria lei de autonomia do BC afirmar que, além da inflação, o objetivo do banco é “fomentar o pleno emprego”.

O governo poderia, através do Conselho Monetário Nacional, no qual tem ampla maioria dos membros, alterar a meta de inflação dos atuais 3% para um número maior. O que isso mudaria? O papel do BC, oficialmente, é o de garantir o cumprimento da meta de inflação definida pelo governo. Com uma meta maior, não haveria justificativa para manter os juros na estratosfera. Mas isso desagradaria o mercado, então o governo sequer cogita.

Mais do que isso, caso Lula realmente tivesse interesse, poderia simplesmente pedir a destituição de Campos Neto no Senado, o que também está na própria lei de autonomia do BC. Mas, isso, tampouco parece provável.

As escaramuças entre Lula e Campos Neto, assim, são mais pontuais do que propriamente sobre a política econômica que o governo leva adiante. Claro que Lula não quer os juros lá em cima, pois isso atrapalha a perspectiva de reeleição. Porém, tampouco o governo está disposto a enfrentar os banqueiros. Ao contrário, cada vez mais mostra sua disposição em governar para eles, mesmo que para isso tenha que atacar a saúde, a educação e os aposentados.