Internacional

Em defesa da Palestina, estudantes dos EUA ocupam universidades e se enfrentam com a repressão

Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

24 de abril de 2024
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Foto @itstandsforhighquality / Instagram

Desde o final da semana passada, uma poderosa onda de mobilizações está sacudindo algumas das principais instituições de ensino superior nos Estados Unidos, em protesto contra o genocídio em curso na Palestina, que já ceifou a vida de mais de 34 mil pessoas, e na defesa tanto do imediato cessar fogo quanto da suspensão de todos e quaisquer acordos e investimentos que beneficiem o Estado sionista de Israel.

Na maioria das instituições, a luta tem se dado através de acampamentos nas dependências das universidades e faculdades, em alguns casos com ocupações de prédios, num movimento nacional, articulado por uma entidade chamada “Estudantes por Justiça na Palestina”, com seções ao redor do país.

Como reflexo de sua política pró-Israel, mascarada, hoje, por declarações “contrárias” às atrocidades e crimes contra a humanidade praticados pelo Estado sionista (motivadas pela disputa eleitoral e não por uma súbita compaixão humanitária ou pelo reconhecimento de sua cumplicidade com o genocídio), o governo Biden e o Partido Democrata têm respondido com forte repressão, usando, inclusive, um argumento que faz coro com Trump, os Republicamos e a extrema direita: o movimento seria uma expressão de antissemitismo.

Neste cenário, apesar do apoio de estudantes judeus pró-Palestina que também estão engajados nos acampamentos, os protestos também têm se chocado com a comunidade judaica sionista dentro dos campi universitários, que, assim como Netanyahu, se faz de “vítima”, ao mesmo tempo em que se calam completamente diante do assassinato de mulheres e crianças, do bombardeio de hospitais e comboios humanitários e da imposição de bloqueios que já levaram pelo menos 30 crianças a morrerem de fome.

Contudo, apesar da repressão e da falsificação da realidade, o movimento não só tem se mantido como está em plena expansão, principalmente depois de centenas de estudantes terem sido presos nos últimos dias e vários outros terem sido punidos com suspensões e até expulsões de suas universidades.

Não por acaso, diante das proporções do movimento e, também, da repressão, setores da imprensa dos EUA têm resgatado imagens de 1968, durante os protestos contra a Guerra do Vietnã, até mesmo porque desde então policiais não haviam sido convocados pelas próprias reitorias para atuar dentro das universidades.

Acampamentos e ocupações desafiam repressão tanto de Democratas quanto de Republicanos

Os acampamentos nas universidades são o capítulo mais recente na crescente onda de protestos em defesa do povo palestino nos EUA, que já tomaram a forma de bloqueios de pontes, estações de trem e até aeroportos, além de constantes marchas exigindo o fim do genocídio em Gaza e o imediato cessar fogo.

Apesar dos estudantes terem sido parte deste processo, agora, além da dimensão do movimento, também chama a atenção o fato de que as mobilizações estejam ocorrendo em algumas das mais prestigiadas universidades do país e, em muitas delas, através de ocupações.

O primeiro acampamento, com bloqueio do acesso à reitoria, foi instalado há três semanas na Universidade de Vanderbilt (no Tennesse, no Sul dos EUA, governado pelo Partido Republicano), onde a mobilização continua, apesar da forte repressão, incluindo a expulsão de três estudantes.

Podem prender os estudantes sob falsos pretextos, podem suspendê-los do campus, podem tentar silenciar os movimentos, mas nunca serão bem sucedidos, porque o acampamento continua se expandindo, do lado de fora do Kirkland Hall [reitoria] há mais de 500 horas. Nós estamos no 26º dia de um protesto contínuo”, declarou Jack Petocz, um dos coordenadores da comunidade LGBTI+ do campus e que, agora, se encontra dentre os expulsos da universidade.

Já no estado de Nova York, governado pela Democrata Kathy Hochul, os acampamentos começaram a ser erguidos na semana passada, principalmente em instituições como a Universidade de Columbia e a NYU (universidade estadual).

A Universidade de Columbia acabou se transformando no principal estopim dos protestos, depois que, na quinta, dia 18, a reitoria convocou as forças policiais para reprimir os estudantes; algo que não acontecia desde 1968 (durante os protestos contra a Guerra do Vietnã). A ação resultou na prisão de 113 estudantes e, no dia 22 (data que coincidiu com a Páscoa judaica), numa tentativa de conter o movimento, a reitoria anunciou que as aulas serão híbridas (e majoritariamente online, como a reitoria havia tentado impor inicialmente) até o final do semestre, em maio.

Além disso, todos os participantes do protesto estão formalmente suspensos, com restrições de acesso à alimentação, à moradia e de circulação pelo campus, fatos que, segundo os próprios estudantes de outras universidades, serviram como um rastilho de pólvora que acabou detonando a revolta ao redor do país.

Na Universidade de Nova York (NYU), onde centenas estão acampados, a dimensão do protesto também pode ser medida pelo grau da repressão. Também no dia 22, mais de 100 estudantes foram presos, depois que a reitoria autorizou a entrada da polícia estadual, o que, aliás, só serviu para acirrar os ânimos.

A invasão policial ocorreu no exato momento em que os estudantes muçulmanos realizavam suas orações e resultou num confronto, com disparos de gás lacrimogêneo, que também foi veementemente repudiado por inúmeros professores que tentaram impedir a agressão aos estudantes fazendo um “cordão” ao redor do acampamento.

Logo depois, um número significativo de docentes assinou uma nota publicada nas redes sociais protestando contra o fato da administração da universidade ter autorizado a “prisão de seus próprios estudantes, professores, funcionários e qualquer pessoa que se atreva a solidarizar-se com a Palestina”.

Convocada por um manifesto intitulado “Em solidariedade com os palestinos que enfrentam mais de 75 anos de ocupação e 198 dias de genocídio em curso, nós, na NYU, nos recusamos a permanecer cúmplices”, o protesto exige, além do cessar fogo imediato, que universidade rompa as relações com a Universidade de Tel Aviv, suspenda os investimentos em Israel e, inclusive, feche o campus da NYU existente na capital do Estado sionista.

“Ivy League” também se levanta em defesa do povo das oliveiras

A história não tem sido diferente em outras renomadas universidades do país, conhecidas como “Ivy League” (literalmente “Liga da Hera”, em referência às trepadeiras que decoram os centenários muros destas instituições). Exemplos disto são Yale (no estado de Connecticut, governado por Democratas), Harvard e o MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (estado cuja governadora é do Partido Democrata).

Em Yale, também no dia 22, 60 manifestantes (dos cerca de 600 que estavam acampados) foram detidos, o que resultou em um protesto que bloqueou as principais vias de acesso ao campus, em demonstrações de apoio pelo corpo docente e na consequente intensificação da exigência para que a universidade suspenda os investimentos no Estado sionista.

Em Harvard, ainda na semana passada, numa tentativa de se antecipar a uma maior adesão aos protestos e, também, de conter demonstrações de apoio (leia abaixo), a reitoria suspendeu as aulas e fechou o acesso ao público. Além disso, também suspendeu as atividades do Comitê de Solidariedade à Palestina, formado por estudantes.

O fato é que estamos diante de um processo nacional e radicalizado de mobilizações estudantis. Protestos que também já foram registrados em várias instituições da Califórnia, como Berkeley e a Politécnica de Humbold, e em instituições localizadas em estados como Michigan, Maryland, New Jersey, Washington, Missouri, Carolina do Norte, Novo México, Pensilvânia e Minnesota.

Além disso, em várias faculdades e universidades, as entidades estudantis estão organizando referendos sobre o “desinvestimento” em negócios relacionados a Israel. Na Smith College (uma faculdade exclusiva para mulheres, com cerca de 2,5 mil estudantes, em Massachusetts), por exemplo, 89,77% votaram pela imediata suspensão de todos os acordos. Na Universidade de Columbia, o desinvestimento foi apoiado por 75% dos votantes.

Já na Universidade de Cornell, também membro da “Ivy League”, um referendo resultou na vitória da exigência de que a universidade se posicione pelo imediato cessar fogo e rompa acordos com 10 empresas bélicas israelenses que se utilizam de pesquisas e produções da instituição.

O descaramento de Biden e a importância de solidariedade aos estudantes em luta

No domingo, o presidente Joe Biden foi obrigado a emitir uma nota sobre os acampamentos. E sua declaração não poderia ter sido mais infame. “Nos últimos dias, temos visto assédio e apelos à violência contra judeus. Este antissemitismo flagrante é repreensível, perigoso e não tem lugar, de forma alguma, nos campi universitários, ou em qualquer lugar do nosso país”, afirmou o candidato do Partido Democrata à reeleição.

Declarações semelhantes, cuja veracidade é desmentida pela significativa presença de judeus pró-Palestina em todas as mobilizações, foram dadas pela governadora e o prefeito de Nova York, ambos do mesmo partido de Biden. A governadora Kathy Huchol, ao mesmo tempo que, hipocritamente, exaltou o direito ao protesto, defendeu que os estudantes judeus têm “o direito de estudar um ambiente livre de assédio ou violência”. Já o prefeito Eric Adams (um negro, lamentavelmente) foi ainda mais longe, ao emitir uma nota, no dia 22, dizendo-se “horrorizado e enojado com o antissemitismo que está sendo expelido [como um vômito] no campus da Universidade de Columbia e nas suas imediações”.

Enquanto isso, os Republicanos, com Trump à frente, como era de se esperar, estão vociferando contra os estudantes, acusando-os de “antipatrióticos”, agentes do terrorismo, comunistas ou qualquer outra bobagem semelhante.

No meio disto, evidentemente, está a campanha eleitoral em curso, o que coloca particularmente Biden, já bastante questionado, na corda bamba. Uma recente pesquisa realizada pelo “Pew Research Center” revelou que o grupo populacional dos EUA mais simpático à Palestina é o de jovens entre 18 e 29 anos, com 33% de apoio (contra 14% simpáticos a Israel). Particularmente dentre os que declaram possível voto em Biden, a diferença é ainda mais: 47% são pró-Palestina e apenas 7% defendem o Estado sionista de Israel.

Obrigado a lidar com esta situação, o Partido Democrata teme que as mobilizações se ampliem. O que, contudo, é a tendência apontada pelo movimento, inclusive porque, agora, também incluí a exigência do fim da repressão e restituição de todos os direitos dos estudantes perseguidos e punidos.

Além disso, tanto Republicanos quanto Democratas tremem só em pensar na possibilidade de que o movimento estudantil atraia outros setores da sociedade, o que, de fato, já tem acontecido, a começar pelas entidades sindicais de várias categorias e organizações políticas que têm enviado representantes para os acampamentos e ocupações, o que pode fazer com o grito de “Palestina livre, do rio ao mar! Cessar fogo, já” ecoe para além dos muros das universidades.

Direto dos Estados Unidos

Luana, militante do Rebeldia: Juventude da Revolução Socialista e do PSTU, encontra-se atualmente nos Estados Unidos, onde tem acompanhado as mobilizações juntamente com a militância de nossa seção-irmã, o “Workers’ Voice / La Voz de los Trabajadores”, também simpatizante da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI).

Opinião – Como você avalia o movimento em curso nas universidades norte-americanas e a importância delas no atual estágio da luta em defesa da Palestina?

Luana – Tenho visto que existe um sentimento pró-Palestina muito forte no país. Isso, por exemplo, é um dos motivos da popularidade de Biden, nesse momento, estar baixíssima. O processo de luta em defesa da Palestina e contra esse genocídio já vem acontecendo desde o ano passado. Muitos movimentos de jovens, de judeus, de árabes, de trabalhadores estão se reunindo nas ruas em vários cantos do país. Por exemplo, em novembro, houve uma grandiosa marcha, com cerca de 300 mil pessoas, na capital federal, em Washington DC. E percebo que o movimento tem tentado se inspirar em uma vitoriosa luta que aconteceu no EUA, contra a Guerra do Vietnã, no final dos anos 1960, que foi forte ao ponto de ser determinante, juntamente com as lutas da classe trabalhadora, para a derrota norte-americana. Agora, as mobilizações que começaram com acampamentos e ocupações de universidades, também estão conquistando extrema unidade com os trabalhadores, principalmente depois da violenta repressão nos últimos dias. E, diante disto, também é empolgante ver a resposta que vem sendo dada, com a massificação do movimento, a radicalização de suas ações e, principalmente, a criação de condições para uma unidade concreta entre a juventude e os trabalhadores desse país contra genocídio e por uma Palestina livre, do rio ao mar!

Opinião – Como militante da Rebeldia, fale um pouco sobre a importância da participação da juventude nesta luta.

Luana – A juventude historicamente foi ponta de lança em muitas lutas importantes e vitoriosas no mundo. No Brasil, vimos isso na luta contra a ditadura, o mesmo ocorreu em 2013 e, agora, com uma greve forte e importante pra defender a Educação pública e os direitos dos homens e mulheres que trabalham, lecionam ou estudam, lutando contra os ataques e cortes do governo Lula. Mas não é só no Brasil que a juventude cumpre esse papel. Foi assim na Revolução Chilena; na luta pela legalização do aborto, na Argentina; no “Maio de 1968”, na França; nas lutas pelos direitos civis, contra o racismo, o machismo e LGBTIfobia, tanto no passado quanto no presente. Então, a força que o movimento estudantil, a juventude em geral, pode detonar, principalmente quando se unifica com a classe trabalhadora, é imensa. Pode derrubar governos e ditaduras. Pode impulsionar revoluções. Hoje, em relação à Palestina, o que tenho visto aqui é inspirador. E tenho certeza que a única forma de derrotar esse genocídio e dar fim ao Estado racista e sionista de Israel é promovendo mobilizações como as que estão acontecendo aqui, unificando a juventude e todos os demais setores oprimidos e explorados. E em escala internacional. Será assim que conseguiremos, com a força de nossa classe, defender nossos irmãos e irmãs palestinos! E, preciso dizer, fico muito orgulhosa em ver que as mesmas bandeiras da revolução socialista que levantei com os companheiros e companheiras do PSTU e do Rebeldia, aí no Brasil, também estão nas mãos de estudantes e trabalhadores aqui, no coração do imperialismo.