El Salvador: Quem é Nayib Bukele?
Publicado no Portal da LIT-QI
Como esperado, em 4 de fevereiro, Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador. No auge de sua popularidade, o candidato presidencial obteve 85% dos votos. O partido do regime, Nuevas Ideas, conquistou 54 das 60 cadeiras da Assembleia Legislativa.
Por outro lado, a oposição burguesa fragmentada sofreu um verdadeiro golpe. A Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), outrora representante da direita tradicional, que governou o país de 1989 a 2009, obteve duas cadeiras. A Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), que governou o país de 2009 a 2019, recebeu tamanha punição eleitoral que ficou de fora da Assembléia.
Assim, Bukele, autodenominado como “o ditador mais legal do mundo”, poderia, a priori, governar até 2028, com confortável superioridade parlamentar. Sem dúvida, essa é uma má notícia para o movimento de massas e para a esquerda salvadorenha e latino-americana. Mas o importante agora é entender o processo e sua dinâmica.
Em 3 de março, foram realizadas eleições municipais, após os municípios serem reduzidos de 262 para 44, em uma clara manobra para concentrar mais controle e poder territorial. Bukele, mais uma vez se antecipando ao próprio Tribunal Eleitoral, anunciou uma vitória esmagadora na qual, supostamente, o Nuevas Ideas e seus partidos satélites venceram em 43 dos 44 municípios do país [1].
Bukele conseguiu concorrer à presidência – apesar de que até seis artigos da Constituição salvadorenha proibiam a reeleição consecutiva – por meio de uma decisão controversa da Sala Constitucional, um órgão controlado por ele, que permitiu que ele concorresse desde que estivesse licenciado do cargo seis meses antes.
É verdade que, no contexto de um crescente endurecimento do regime, o Estado controlou as eleições e, segundo denúncias, o processo eleitoral não passou de uma fraude [2]. Deve-se considerar que este é um governo que converteu o regime democrático burguês, com todas as suas limitações, para um regime bonapartista-ditatorial, embora formalmente mantenha as eleições. Desde 2019, promoveu manobras para alterar e subjugar definitivamente o Sistema Judiciário, o Parlamento e as Forças Armadas. Agora, estas instituições têm um caráter bonapartista. Algo semelhante ao que aconteceu na Turquia e na Hungria e ao que Milei pretende ou Bolsonaro tentou fazer em sua época.
Por outro lado, também está claro que Bukele, apesar de suas medidas repressivas e da deriva ditatorial iniciada em 2019, conta com um apoio popular significativo ou, pelo menos, há uma boa margem de tolerância por parte de amplos setores das massas.
A popularidade do “modelo” Bukele, repressivo e de “tolerância zero” em relação às gangues, transcende as fronteiras da América Central. Não é de surpreender que os principais expoentes mundiais da extrema direita o elogiem e o apresentem como um exemplo do que deve ser feito em relação ao crime e à “preservação da ordem” em nossos países. Bukele, o presidente millenial, é uma sensação em muitos países. O presidente do Equador, Daniel Noboa, anunciou a criação de duas mega-prisões. Diversos políticos no Peru, Chile, Argentina, entre outros países, fizeram campanha assegurando que seguiriam seus passos. Na época, Trump sempre o apoiou e o incentivou. Entre os chefes de Estado ou ministros que o admiram estão Milei e Bullrich, o presidente paraguaio Santiago Peña e, é claro, a família Bolsonaro no Brasil.
Mas ele não tem apenas o apoio da extrema direita, mas também dos chamados governos “progressistas”, como o de Honduras, Xiomara Castro, e o da Guatemala, Bernardo Arévalo.
Em um contexto de crise econômica, política e social, incerteza geral, aumento da inflação, desemprego e, consequentemente, insegurança nas ruas, não é raro ouvir: “precisamos de um Bukele”.
Para o público não-salvadorenho, pode ser útil abordar algumas questões: quem é Nayib Bukele e quais foram as medidas que explicam sua ascensão? Que contradições ele enfrentará em seu segundo mandato?
O filho de um burguês que se integrou à FMLN
Bukele nasceu em 1981, em um “berço de ouro”. Ele é filho do rico e influente empresário Armando Bukele Kattán, de ascendência palestina, proprietário de indústrias têxteis, empresas comerciais, farmacêuticas, de publicidade e da mídia.
Bukele Kattán construiu sua fortuna por meio de uma parceria com o Estado, no qual desfrutou de uma série de privilégios, como isenções fiscais sobre a importação de máquinas e matérias-primas, concedidas por distintas autoridades locais na década de 1970.
Nayib estudou na Escuela Panamericana, onde se formou em 1999. É uma escola bilíngue, exclusiva para os ricos, onde ele começou a criar laços com os atuais nomes fortes do regime.
Antes de ingressar na política, Nayib Bukele ocupou cargos de gerência nas empresas de seu pai, principalmente em agências de publicidade e em uma empresa de fabricação de passaportes. Ele também foi presidente da distribuidora da Yamaha Motors no país.
Um fato que pode ser surpreendente agora é que, durante muito tempo, ele fez negócios com a FMLN considerada a principal força de esquerda, da qual ele mais tarde se tornaria um dos candidatos. Por exemplo, as empresas de publicidade de sua família foram responsáveis pela propaganda política da FMLN por 12 anos. Em 2004, por meio dos contatos de seu pai, o jovem Bukele foi contratado para fazer a campanha publicitária da candidatura presidencial de Schafik Hándal, conhecido como “Comandante Simón”, um líder histórico do Partido Comunista de El Salvador e da própria FMLN.
Em 2011, Bukele se afiliou a FMLN e foi eleito, por esta sigla, prefeito de Nuevo Cuscatlán (2012-2015). No período seguinte, se fortaleceu e foi eleito prefeito da capital San Salvador (2015-2018), também em nome de uma coalizão liderada pela a FMLN.
Em 2017, no entanto, após uma série de conflitos internos, Bukele forçou sua expulsão do partido pelo Tribunal de Ética da FMLN. Vale ressaltar que, como prefeito do município da capital, o ambicioso político se movimentava em busca de protagonismo e espaços próprios, inclusive ao criticar os líderes de seu partido.
Tanto a conservadora ARENA, que governou o país por 20 anos, quanto a FMLN, que governou por uma década, foram amplamente desacreditadas aos olhos das massas. Embora Bukele tenha cogitado ser o candidato presidencial da FMLN em 2017, ele pode ter percebido esse desgaste e abriu caminho questionando abertamente os presidentes da FMLN, Mauricio Funes e Salvador Sánchez Cerén, este último no cargo.
Em outubro de 2017, no contexto de uma direita global incentivada pela presidência de Trump, ele anunciou a formação do movimento Nuevas Ideas com um discurso “antissistema”: “colocar para fora os partidos tradicionais de suas posições” e “mudar o sistema político do qual estamos todos fartos”, entre outros slogans. Como não lhe foi permitido concorrer pelo Nuevas Ideas, ele registrou sua candidatura pelo partido Gran Alianza por la Unidad Nacional (GANA), um partido pequeno e altamente questionado da direita tradicional.
Presidente em 2019
Em fevereiro de 2019, ele foi eleito presidente com 53% dos votos, eliminando a necessidade de um segundo turno. A ARENA obteve 32% dos votos, enquanto a FMLN, castigada, obteve apenas 14,4% do eleitorado. Esse resultado, apresentado como histórico, marcou uma ruptura com a situação política desde a assinatura dos Acordos de Paz em 1992.
Em maio de 2019, mostrando formas não convencionais, ele começou a nomear seus futuros ministros por meio de sua conta no Twitter, alegando estar procurando pessoas sem um “passado sombrio” e evitando a “reciclagem de funcionários públicos”. O perfil “anticorrupção” que pretendia retratar, embora cínico, era evidente.
Ele começou seu governo anunciando uma reaproximação com os EUA. Entre outras medidas, acabou com a Secretaria de Ação Social e outros projetos emblemáticos da FMLN, cortando orçamentos em áreas como mulheres, jovens e outras ligadas ao bem-estar. Demitiu, via Twitter, cerca de 3.000 funcionários públicos do governo anterior, incluindo parentes do ex-presidente e da liderança da FMLN. Ao mesmo tempo, incorreu em casos claros de nepotismo, nomeando seu meio-irmão e seu tio para cargos importantes.
No entanto, o curso político e o perfil que agora o distingue se tornaram evidentes em 2020.
Em 9 de fevereiro de 2020, Bukele invadiu a sessão da Assembleia Legislativa cercado por militares. Os parlamentares haviam negado um empréstimo de US$ 109 milhões para fortalecer a polícia e combater as gangues. Bukele sentou-se na cadeira do presidente da Assembleia, fez uma oração e convocou uma “insurreição popular”. A oposição denunciou a tentativa de intimidação e a qualificou esta postura de “autogolpe”. Nem mesmo durante a ditadura anterior, o exército entrou no parlamento. No entanto, pesquisas posteriores mostraram que a popularidade de Bukele havia crescido.
Nas eleições legislativas de fevereiro de 2021, o partido Nuevas Ideas finalmente conquistou a maioria na Assembleia Legislativa. Em maio, se aliou a três outros partidos conservadores para obter o controle de dois terços da legislatura de 2021-2024. A oposição foi reduzida a 20 deputados de um total de 60 cadeiras.
“Guerra contra gangues”
Em 2019, Bukele anunciou o “Plano de Controle Territorial”, um esquema repressivo em grande escala. Logo depois, segundo ele, a taxa de homicídios intencionais de El Salvador havia caído de 52 assassinatos por 100.000 habitantes em 2018 – a mais alta do mundo na época – para 36 em 2019.
Em seu primeiro ano no cargo, como era sabido, existia um pacto entre o governo e as gangues. Esses grupos criminosos, muito poderosos econômica e militarmente são um verdadeiro flagelo para a população. Os pagamentos de extorsão representavam 3% do PIB e o custo anual da violência, 16%, uma cifra enorme.
Em março de 2022, esse pacto foi rompido e o país sofreu uma onda de assassinatos e violência nas ruas. O dia 26 de março foi o dia mais mortal da história salvadorenha desde o fim da guerra civil, com 62 assassinatos.
Em 27 de março, a pedido de Bukele, a Assembleia Legislativa, controlada pelo governo, aprovou o estado de exceção, que elimina uma série de liberdades democráticas e individuais e concede poderes discricionários às forças repressivas. Desde então, o estado de exceção foi prorrogado 23 vezes. Bukele, então declarou oficialmente “guerra às gangues”, as “maras”, especialmente Mara Salvatrucha, Mara Barrio 18 e Mara Mao Mao [3].
Em abril de 2020, Bukele autoriza o uso de “força letal”. Por sua vez, a Assembleia Legislativa procedeu à reforma do Código Penal e Processual Penal para criminalizar os membros de gangues com penas de até 20 anos de prisão e, para os líderes de gangues, entre 40 e 45 anos.
Nos últimos dois anos, o regime adquiriu contornos cada vez mais ditatoriais. Na prática, a violência das gangues foi substituída pela violência permanente e traiçoeira do Estado. Em outras palavras, foi imposto o terrorismo de Estado.
No âmbito da “guerra contra as gangues”, mais de 75.000 supostos membros de gangues foram presos, quase todos sem qualquer respeito ao devido processo legal ou às liberdades individuais básicas. A polícia e o exército rondam pelas ruas, usando e abusando de poderes especiais. Bukele, no entanto, se gaba de que a “margem de erro” das prisões é de 1%. Atualmente, El Salvador tem a maior taxa de encarceramento do mundo.
Organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, denunciaram abusos durante o regime de exceção.
Elas documentaram torturas, detenções arbitrárias – um menino com síndrome de Down – bem como quase 220 mortes suspeitas sob custódia. Advogados e parentes de prisioneiros relatam que não têm contato com eles e que são submetidos a julgamentos secretos.
Há um ano, foi inaugurado o Centro de Confinamento de Terrorismo de El Salvador (CECOT), uma mega-prisão de segurança máxima, o orgulho de Bukele, que abriga um número grande, mas desconhecido, de supostos “terroristas”.
Nenhuma luz solar entra no local. Os prisioneiros saem de suas celas por apenas 30 minutos por dia, algemados. Eles não podem receber visitas ou telefonemas. Há dois banheiros por pavilhão. As sentenças podem chegar a 700 anos. A propaganda da ditadura recorre constantemente a imagens do CECOT, como cenas impressionantes de centenas de prisioneiros sentados com as mãos na cabeça raspada em sinal de submissão à ordem estabelecida.
O ataque ditatorial é total. Como denuncia a Plataforma da Classe Trabalhadora (PCT), seção da LIT-QI no país: “…o papel do exército na vida cotidiana é cada vez mais presente e a perseguição e criminalização dos dissidentes é real, com saldo de dezenas de dirigentes sociais, sindicais e populares presos, e inclusive alguns que perderam a vida nas mãos do Estado” [4].
A “guerra contra as gangues”, em um primeiro momento, apresenta resultados aparentemente positivos. O governo sustenta, sem permitir acesso a detalhes ou verificação rigorosa, que a taxa de homicídios caiu de 38 assassinatos por 100.000 habitantes em 2019 para 2,4 por 100.000 em 2023. De um dos países mais violentos do mundo, há uma melhora momentânea na sensação de segurança da população. E essa é a base de sua popularidade.
Ao mesmo tempo, a ditadura está tentando mudar a imagem de El Salvador ao sediar grandes eventos, como Miss Universo ou um amistoso entre sua seleção nacional e o Inter Miami, clube de Lionel Messi, que foi fotografado apertando a mão do ditador. Por outro lado, o fluxo de turistas internacionais aumentou em 40%.
No entanto, a “guerra contra as gangues” levanta muitas questões: qual é o verdadeiro alcance dessa política de segurança, que se tornou a vitrine do governo, e quanto tempo durará a aparente “lua de mel” de amplos setores das massas com Bukele?
Uma política com pernas curtas
Além do discurso conservador, a experiência em muitos países mostrou que as políticas bombásticas de “mão firme” contra o crime comum ou organizado, que se baseiam unicamente em operações policiais ou militares ostensivas, milhares de prisões etc., fracassam mais cedo ou mais tarde.
A supressão dos direitos humanos e das garantias individuais, além do encarceramento em massa, pode melhorar o clima de insegurança urbana em um primeiro momento, mas é incapaz de resolver o problema subjacente.
A razão disso é que a delinquência comum e as gangues organizadas, neste caso as “maras”, são produto e crescem no contexto da pobreza, do desemprego, do embrutecimento e da absoluta falta de perspectivas de uma vida melhor, especialmente para os jovens.
As maras e as gangues, que extorquem e intimidam a classe trabalhadora, são o resultado da deterioração do tecido social, do empobrecimento de milhões de pessoas sob o capitalismo periférico em nossos países. Esse é o terreno fértil para a lumpenização de enormes contingentes da sociedade, dos quais se alimentam os cartéis e as gangues dedicadas ao tráfico de drogas, armas, sequestros, tráfico de pessoas, extorsão etc. Em muitos casos, os jovens recrutados pelas gangues sentem que não têm nada a perder; pelo contrário, arriscam suas vidas na ilusão de poder melhorar um pouco suas vidas e as de suas famílias.
Uma prova da decomposição social no país é o número impactante de emigrantes. De acordo com dados da ONU, El Salvador tem 1.599.058 emigrantes, o que representa 25,41% de sua população [5]. Desse contingente, 88% estão indo para os EUA. Entre maio e outubro de 2023, os EUA detiveram 98 migrantes de El Salvador por dia [6]. Esse êxodo, por outro lado, também se reflete em remessas, entre 300 e 500 dólares, que são indispensáveis para muitas famílias.
Se aos problemas históricos acrescentarmos a inflação, o desemprego, o desenraizamento interno devido ao extrativismo, e o externo devido à migração, e a justa decepção das massas com as instituições da democracia burguesa combinada com a traição da FMLN e de outros partidos ditos de esquerda, não é difícil entender, em primeiro lugar, o poder das maras e, em segundo lugar, que amplos setores das massas simpatizam com a “mão de ferro” de um Bukele. O slogan “todos são iguais” e a ausência de uma alternativa organizada, enraizada na classe trabalhadora, abre espaço para o ceticismo e o apoio aos supostos “salvadores da pátria”.
Sem dúvida, a popularidade de Bukele não durará para sempre. Ela pode desmoronar tão rapidamente quanto cresceu, a medida que as expectativas da sociedade vão além da segurança nas ruas, uma espécie de cortina de fumaça, e reapareça com força as penúrias socioeconômicas. Bukele, como outros governantes latino-americanos, está sentado sobre um vulcão, por enquanto, aparentemente adormecido.
De fato, as pesquisas mostram que, se em 2019 a principal preocupação popular era a insegurança e o crime de gangues, em 2023 a preocupação é a economia (70%), o desemprego e o alto custo de vida. De acordo com uma pesquisa recente do Instituto Universitário de Opinião Pública da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas (UCA), a delinquencia (4,6%) e o regime de exceção (1%) já são considerados, nesse novo cenário, problemas secundários. O humor das massas pode mudar.
Em 2023, o crescimento de El Salvador, de acordo com o FMI, foi de 2,2%, o mais baixo da América Central. O país, com 6,3 milhões de habitantes, tem quase 900.000 pessoas em situação de “emergência” alimentar, ou seja, o país está à beira da fome.
A pobreza é de cerca de 29% e a pobreza extrema é de 9% da população local [7]. Em 2023, um relatório oficial do Ministério da Saúde revelou que 213 pessoas haviam morrido de desnutrição severa e moderada nos últimos quatro anos em El Salvador.
O custo de vida corrói os baixos salários. O salário-mínimo de pouco mais de US$ 300 não cobre o custo de uma cesta básica de US$ 450 ou mais. O dinheiro não é suficiente. E isso para aqueles que têm direito a um salário. Segundo a ONU, a informalidade atinge cerca de 70% da classe trabalhadora, ou seja, milhões não têm salário fixo, segurança social e previdência social. Por outro lado, no escasso setor formal, 60% dos contribuintes salvadorenhos não completam as contribuições para as suas pensões [8].
De acordo com a Pesquisa Domiciliar e de Propósitos Múltiplos (EHPM), realizada pelo Banco Central de Reservas (BCR) em 2022, 38% dos salvadorenhos em idade ativa não estão procurando trabalho ou estão desempregados. Além disso, a taxa de desemprego entre os jovens com idade entre 16 e 24 anos chegou a 11,8% [9].
Esse contexto dramático não apenas explica o recrutamento de jovens pelas gangues, mas também deixa claro que, sem resolver os problemas estruturais e históricos da economia e da sociedade salvadorenha, não haverá “mão de ferro” ou “messias” que traga dias melhores para a classe trabalhadora.
A base para o surgimento e a proliferação de gangues e outras expressões do crime organizado é a própria natureza do capitalismo, no caso de El Salvador, periférico e dependente.
Não é possível acabar com esse flagelo com um golpe de caneta ou apenas com a repressão estatal. A história apresenta exemplos de como o tipo de “modelo” de Bukele, ou o “bandido bom é bandido morto” da ultradireita brasileira, fracassou no México e no Brasil. No Brasil, as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora militarizaram as favelas do Rio de Janeiro desde 2008, inspiradas no combate do Estado contra o tráfico de drogas na Colômbia, matando jovens negros e pobres e impondo, de fato, um estado de sítio à população. Em um primeiro momento, as mortes diminuíram. Mas, em médio prazo, sem qualquer solução para os graves problemas sociais, a violência urbana e as ações de antigas e novas facções do tráfico ganharam força.
Bukele prendeu 2% da população em menos de dois anos. Isso pode ser compensador em termos de marketing eleitoral, mas é uma política com limites claros. Sem combater a pauperização da sociedade, vale a pena perguntar até onde ele pretende ir, quantos mais ele prenderá, quantos mais o Estado matará? Não há prisões suficientes para esconder os males sociais gerados por um sistema explorador, injusto, desumanizador e corrupto como o capitalismo.
Como afirma o PCT: “Bukele representa uma burguesia interessada em saquear e esgotar os recursos do Estado usufruindo deles, sem ter o menor interesse em melhorar a qualidade de vida e combater a pobreza que aflige tantos salvadorenhos” [10]. Nesse sentido, a classe trabalhadora não pode depositar nenhuma confiança nele e em suas políticas repressivas, ditatoriais em relação aos pobres, mas submissas ao imperialismo.
A oposição também não é alternativa: “Tanto a ARENA quanto a FMLN são culpadas pelo que está acontecendo hoje com o desmantelamento da democracia que o regime ditatorial empreendeu e, são os progenitores da monstruosidade que é hoje Bukele [11].
A classe trabalhadora deve confiar apenas em suas próprias forças, organização e métodos.
A situação não é fácil: a alternativa da classe trabalhadora, socialista e revolucionária, o justo desgaste dos partidos tradicionais dará origem a experimentos nefastos como o de Bukele: “O povo tentou diferentes opções nos últimos 40 anos e não viu seus problemas resolvidos. No entanto, atualmente não há alternativa para o povo salvadorenho, por isso é necessário o surgimento de uma opção dos trabalhadores e do povo, que não deve esquecer que só o trabalhador salva o trabalhador, que só o povo salva o povo, e que só devemos confiar em nossas próprias forças, é urgente que construamos nosso próprio instrumento político” [12].
Em El Salvador, onde prevalece uma ditadura, é necessário combinar as tarefas democráticas, começando com o slogan “Abaixo a ditadura Bukele!”, com a explicação paciente da necessidade de que as atuais ou potenciais mobilizações operárias, camponesas e populares, não se detenham, mas que avancem até superarmos este sistema e este regime, ou seja, até que a classe trabalhadora tome o poder e construa o socialismo, em escala nacional e internacional. Essa deve ser a visão estratégica de cada luta, por mais específica que seja.
A luta contra a ditadura, o governo corrupto e repressivo, o estado de exceção, os abusos dos militares e da polícia, a fraude eleitoral, bem como a fome, o desemprego, a decomposição social que alimenta as gangues e potencializa a emigração, deve estar a serviço da política de classe, com uma perspectiva revolucionária e dirigida contra o capitalismo periférico dependente do imperialismo que impera em El Salvador e na América Latina. Para isso, a construção e o fortalecimento do partido trotskista revolucionário é uma condição indispensável. Vamos construir esta ferramenta!
Notas:
[1] El Salvador: ¡Este 3M votamos nulo! – Liga Internacional de los Trabajadores (litci.org)
[3] As maras em El Salvador são um subproduto da guerra e do fim da guerra. Foram os membros de gangues deportados de Los Angeles, EUA, que criaram as maras em meio a uma sociedade destruída e com a implementação total da privatização em seu auge. Elas floresceram nesse ambiente. Soma-se a isso a onda migratória que deixou milhares de jovens sem pais, mães ou alguém para cuidar deles.
[5] El Salvador – Emigrantes totales 2020 | Datosmacro.com (expansion.com)
[7] A pobreza extrema aumenta em El Salvador – Prensa Latina
[8] Crece el empleo informal en Latinoamérica | El Economista
[11] Idem