Educação

Educação no Brasil: Professores sem aulas, empregos e salários, e alunos sem professores

Paula Falcão

6 de março de 2024
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Manifestação de professores em SP Foto Lucas/CSP-Conlutas

Professores e professoras sem empregos e salários. Alunos e alunas sem professores. E professores sem disciplinas para ministrar. Esses são exemplos da situação da Educação pública no Brasil.

O Novo Ensino Médio (NEM) impôs à juventude das escolas públicas a diminuição da carga horária de disciplinas fundamentais, como Biologia, Física, Química, Sociologia e Filosofia. Em alguns estados, até as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa tiveram redução de carga horária.

É a negação de parcela importante do conhecimento científico produzido pela humanidade. No lugar dessas disciplinas, a oferta de generalidades, em disciplinas como “O que rola por aí?”, “Projeto de Vida”, “Ação! Está em suas mãos”, dentre outras.

A precária situação dos professores

Diante desse cenário de imposição pedagógica e curricular, através do NEM e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os professores, professoras e o conjunto dos profissionais da Educação têm suas condições de trabalho precarizadas e sua situação econômica deteriorada.

Pela primeira vez, nas escolas estaduais em todo país, o número de professores com contratos temporários superou o número daqueles e daquelas concursados. É o que mostram os dados do “Censo Escolar 2023”, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Esses professores temporários recebem salários menores e não possuem os mesmos direitos trabalhistas. O exemplo é a chamada “Categoria ‘O’”, no estado de São Paulo. Dezenas de milhares de professores e professoras não sabiam se teriam seu emprego garantido em 2024, muitos deles sequer tinham recebido corretamente seus vencimentos ao final do ano passado.

A situação dos funcionários de escola pelo país afora também é desesperadora. Em alguns lugares, esses trabalhadores e trabalhadoras chegam a receber menos que o salário mínimo.

Em janeiro, Lula sancionou uma lei que estabelece diretrizes para valorizar os profissionais das escolas públicas da Educação Básica. No entanto, o que estamos assistindo é o aumento da contratação temporária e das terceirizações no interior das escolas, não garantindo a esses profissionais estabilidade no emprego e seus direitos trabalhistas.

Revogação já

O Novo Ensino Médio

Após o imbróglio entre governo e o Congresso Nacional sobre as alterações no NEM, no último ano, o Ministro da Educação Camilo Santana prometeu melhorar o diálogo com os congressistas e que a aprovação das alterações no NEM seria prioridade neste primeiro semestre.

O mais provável é que essa pauta seja votada na Câmara dos Deputados ainda no mês de março. O que Camilo Santana e o governo Lula vão fazer é priorizar as negociações com os grandes grupos empresariais da Educação e seus representantes, em detrimento da indignação da juventude e dos profissionais do setor, que clamam pela revogação do NEM.

Enquanto os jovens têm seu acesso ao conhecimento restringido e os profissionais da Educação precisam se desdobrar para organizar aulas de disciplinas que não foram formados para ministrar, o Ministro da Educação abre as portas para o processo de privatização.

Os dados do Inep são reveladores, a rede privada passou de 14% das matrículas, em 2010; para 19,9%, em 2022. Houve uma diminuição no número de matrículas na rede pública, de 2022 para 2023, de 1,3%; enquanto, no mesmo período, houve um aumento de quase 5% na rede privada.

Privatização do Ensino

O Governo Lula e os grupos empresariais da Educação

A relação de Lula com os grandes grupos empresariais da Educação não é novidade. Acontece desde as primeiras gestões petistas, com a presença dos representantes desses grupos no governo. Agora, a história se repete.

Basta observarmos que o empresário Jorge Paulo Lemann, um dos bilionários do país (e o mesmo envolvido no escândalo de fraude das Lojas Americanas), ocupa, através de sua ONG MegaEdu, cargos nos ministérios da Educação e das Comunicações, tendo a capacidade de influenciar no destino de um montante superior a R$ 6 bilhões do orçamento público, referentes à implementação de Internet nas escolas.

Fazendo da Educação uma mercadoria

Os grandes grupos empresariais da Educação, como Kroton, Yduqs, Ser Educacional, Ânima ou BAHEMA, são todos de Sociedade Anônima (SA), listados nas Bolsas de Valores. Fundos de investimentos como a BlackRock, o maior fundo de investimentos do mundo e que faz a gestão de recursos que passam de US$ 10 trilhões de dólares (o que corresponde a cinco vezes o Produto Interno Bruto brasileiro) investem nesses grupos educacionais e são os responsáveis pela orientação dos seus negócios através da intervenção nos conselhos de administração desses grupos.

E são esses grupos que ditam as políticas públicas para a Educação no país, através de negociações e lobbies em reuniões de portas fechadas nos ministérios e gabinetes do Congresso. Políticas como o NEM e a BNCC, que determinam os conteúdos pedagógicos, os currículos, os materiais didáticos, dentre outros aspectos, são orientadas por esses grupos empresariais da Educação.

Não é por acaso, também, que as editoras que elaboram os materiais didáticos e literários comprados e distribuídos pelos programas governamentais para as escolas da rede pública do país sejam igualmente ligadas aos grandes grupos empresariais da Educação.

Parcelas significativas dos profissionais da educação e da juventude já perceberam que esses grupos empresariais são responsáveis pela situação da Educação no país. Isso ficou nítido na Conferência Nacional da Educação, no final de janeiro, onde os participantes entoaram a palavra de ordem “Fora Lemann”, quando o ministro Camilo Santana fez uso da palavra.

Em nossa opinião, a luta por educação pública, gratuita e de qualidade precisa se enfrentar com esses grupos empresariais e com os governos que abrem espaços para eles. E este é o caso do governo Lula.

Enquanto negocia com esses grupos, o governo nega as justas reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras em Educação e da juventude. Nesse momento, por exemplo, nega o reajuste aos servidores federais. A proposta de greve já apareceu em plenária do congresso do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES). A luta é um caminho necessário!

Ataques continuam

A ultradireita bolsonarista e a Educação

Escola cívico-militar Foto Chico Bezerra PJG

Durante o governo Bolsonaro, os profissionais da Educação e a juventude sofreram com os ataques. Responderam também com as mobilizações, em 2019, que ficaram conhecidas como o “Tsunami da Educação”. A derrota eleitoral de Bolsonaro foi um alívio para toda classe e foi assim que grande parte dos profissionais de Educação e da juventude também a encararam.

No entanto, Lula, ao governar prioritariamente para os grandes empresários e não atender as reivindicações da nossa classe, vai gerando uma desmoralização dos trabalhadores e trabalhadoras e da juventude. Essa política de conciliação de classes vai abrindo espaço para novo fortalecimento da ultradireita.

Quando Lula vai a um evento e elogia o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ele não está dividindo a direita, está fragilizando os profissionais de Educação, os trabalhadores da CPTM (trens) e Sabesp (água e saneamento) que lutam contra a privatização em andamento no estado. Fragiliza os professores e professoras da “Categoria ‘O’”, que não possuem estabilidade no emprego. Fortalece a ultradireita.

A ultradireita tentou traduzir seu projeto de ditadura para Educação. Tentou emplacar o famigerado projeto “Escola Sem Partido”, ainda que não tenha conseguido, e propagou o feroz combate ao que chama de “ideologias de gênero”.

Fez o Programa das Escolas Cívico-Militares (Pecim), que colocava militares da reserva para gerir escolas públicas, abrigando parte de sua base política e perseguindo os movimentos da juventude e dos profissionais da Educação. Lula, corretamente, revogou o projeto; mas, não foi a fundo para enfrentar os governadores e prefeitos bolsonaristas que bancaram as escolas que já tinham aderido ao programa.

Ao não enfrentar consequentemente essa ultradireita bolsonarista, eles acabam se fortalecendo. No estado do Rio de Janeiro, a presidência da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do estado (Alerj) está com o deputado bolsonarista Alan Lopes (PL). Esse deputado vem usando o cargo para perseguir profissionais da Educação, aplicando o projeto “escola sem partido” na prática.

Além disso, atua no sentido de restringir as liberdades democráticas. É o caso de um projeto de lei de sua autoria que praticamente impede eleições para Diretor de Escola, conquistadas com muita luta da juventude no movimento de ocupação de escolas e da greve dos profissionais da Educação, em 2016.

Programa

Uma Educação a serviço dos trabalhadores e da juventude pobre

Para garantir uma educação de qualidade é necessário enfrentar os grandes grupos empresariais da Educação e sua sanha por lucros. É necessário enfrentar a política de conciliação de classes que beneficia esses grupos. Assim como é fundamental nos mantermos alertas, para enfrentar as intenções golpistas da ultradireita bolsonarista.

Devemos lutar contra quaisquer tentativas de ataques às poucas liberdades democráticas que a classe trabalhadora tem no capitalismo. Usando o exemplo das eleições de diretores de escola, a luta por esse direito é essencial. No entanto, precisamos avançar na compreensão de quem deve governar o país e o mundo. Devemos eleger os diretores de escolas e ter o direito de retirá-los do cargo se ele não aplicarem o que foi decidido pela comunidade escolar.

Deve ser assim, também, com a Secretaria de Educação da nossa cidade ou estado. Deve ser assim, também, com o Ministro da Educação. Quem deve eleger e elaborar as políticas educacionais são os profissionais de educação e a juventude, junto com os trabalhadores e trabalhadoras que necessitam acesso ao conhecimento e à Ciência e não com os grupos empresariais da Educação, que lucram com isso. E deve ser assim, também, no conjunto da sociedade.

*Paula Falcão é professora de rede pública no município do Rio de Janeiro