É necessário um novo tsunami da educação para barrar os mecanismos de privatização do ensino público
Direção Estadual do PSTU — Rio Grande do Sul
Nestas duas últimas semanas estiveram em evidência fatos que, embora distintos, têm como pano de fundo, o processo de privatização que atravessa a educação pública, em todas as esferas .
No dia 25 de setembro, foi veiculado pela imprensa o acordo firmado entre o Ministério da Educação (MEC) do governo Lula e a MegaEdu, uma organização não governamental (ONG) financiada pelo grupo ligado por Jorge Lemann, um dos homens mais ricos do Brasil. Esse acordo coloca a MegaEdu em posição de influenciar na definição de R$ 6,6 bilhões de verbas destinadas à educação.
Na semana passada, a demissão do ex-diretor geral da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul acabou abrindo um debate sobre “consultorias especializadas” realizadas por fundações como a Ayrton Senna e Banco Itaú.
E, no último dia 09, com a operação “Verba Extra”, tivemos conhecimento de mais crimes licitatórios: o direcionamento de contratações e o superfaturamento de serviços em escolas municipais de Porto Alegre. Este é mais um fato na sucessão de escândalos na Secretaria Municipal de Ensino (SMED) da capital gaúcha. Só com duas fornecedoras — Inca e Sudu — a SMED gastou R$ 100,2 milhões, em 2022, com equipamentos que ficaram estocados, sem utilização.
Tudo isto se soma a terceirização dos serviços de limpeza, cozinha e segurança, com calotes constantes pelas empresas terceirizadas que, além de superexplorar os trabalhadores, comprometem os serviços fornecidos à comunidade escolar. E tanto o município, como o estado estão tentando implementar uma Parceria Público Privada (PPP), com a concessão de 20 anos para empresas privadas cuidarem da infraestrutura das escolas.
A educação pública cada vez mais nas mãos do grande capital, corrupto e predador!
Foi pela imprensa que tivemos conhecimento do escandaloso contrato do MEC com a MedEdu, que passou a participar de decisões administrativas e financeiras nas áreas de educação e comunicação do governo Lula/Alckimin, inclusive sobre a conexão de escolas públicas à internet de alta velocidade.
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, escolheu Cristieni de Castilhos, CEO da MegaEdu, para o conselho gestor do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Ela é uma das 13 integrantes do comitê que deve destinar até R$ 2,74 bilhões para projetos de conectividade das escolas públicas, favelas e áreas rurais.
A justificativa do governo é de que a ONG tem apenas participação técnica nos projetos e que não recebe de nenhum recurso advindo de políticas públicas de conectividade. Ocorre que Jorge Lemann é o segundo homem mais rico do país e um dos maiores empresários da educação privada. Lemann é sócio do 3G Capital e um dos acionistas de referência da Americanas, que está em recuperação judicial desde janeiro, quando foi exposta uma fraude contábil estimada em R$ 20 bilhões na empresa.
Ou seja, um homem que deveria estar preso, agora influencia nas decisões a respeito do orçamento público da educação. Um absurdo que demonstra quais os interesses que o governo Lula está representando.
No Rio Grande do Sul, administrado pelo privatista Eduardo Leite 9PSDB), a assessoria de fundações privadas acontece em vários níveis. O “Frankenstein” de disciplinas já imposto às escolas, como parte do Novo Ensino Médio (NEM), parece mais um curso para jovens empreendedores, gerando empobrecimento pedagógico, precariedade curricular, desqualificação profissional e o privatismo educacional.
Em períodos recentes, a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc) realizou um seminário de formação sobre o tema, onde a maioria dos palestrantes eram de instituições privadas. Qual a real intenção dessas instituições no ensino médio e por que a Seduc permite? A resposta é simples: a educação básica do estado é vista como nicho de mercado.
Esta mesma lógica é adotada na rede municipal de Porto Alegre. Uma das bizarrices da ex-secretária da educação do município, que efetuou a compra dos livros que incluem “novas competências do século 21, foi justificar a compra afirmando que uma nova “competência fundamental é o empreendedorismo”. Empreendedorismo para crianças de 7 a 12 anos? É a introdução da naturalização do trabalho precário desde o ensino infantil.
Convênios com setor privado têm se ampliado com a forma/mediação de institutos, fundações, Organizações da Sociedade Civil (OSCs), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e Organizações Não Governamentais (ONGs), entre elas Fundação Lemann, Sistema S e Banco Itaú. São estas organizações que estão por trás da implantação da “nova reforma do ensino médio”.
Além disto, é cada vez mais comum a participação de representantes do setor privado em instâncias como o Conselho Nacional de Educação, em vários países, influenciando em decisões importantes da educação, tal como as configurações curriculares, processos avaliativos, dentre outras. Nossas escolas caminham para as mãos da iniciativa privada com professores pagos com verba pública.
É necessário dar um basta a mercantilização da educação promovida por todos os governos
A pesquisadora do Observatório Latino-americano de Políticas Educativas, da Internacional da Educação para a América Latina (IEAL), Gabriela Bonilla, afirma que as empresas privadas têm interesse especial em definir conteúdos padronizados para o negócio do ensino à distância. “A Fundação Lemann, por exemplo, tem parceria com a Khan Academy, que já tem digitalizado conteúdos de português e matemática, mas não tem os especializados, como geografia ou história. Porque, para fazer um bom negócio, você tem que fazer algo que precisa ser replicável no mundo todo. E a plataforma Khan Academy tem conteúdo que funciona em muitas línguas.”
Segundo o cientista político Rudá Ricci, o chamado terceiro setor mudou a forma de se apropriar das verbas. Inicialmente, através da venda de material didático e cursos continuados aos professores. Em 2017, ao menos 77 prefeituras escolheram pagar por apostilas de grandes empresas educacionais ao invés de receber livros gratuitamente por meio do Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD).
Além disso, os interesses privados se refletem na política de formação de docentes e de gestores; nas assessorias pedagógic
as; na oferta de tecnologias educacionais; nos sistemas apostilados de ensino, dentre outros artefatos pedagógicos. Vendem uma perspectiva de um ensino atrelado a metas a serem batidas, ao invés da formação basead
a no compartilhamento de saberes e conhecimentos.
O silêncio das direções governistas
Com tantos fatos escabrosos, seria natural que as entidades dos trabalhadores da educação e entidades estudantis estivessem não só denunciando as medidas como organizando a luta para revertê-las.
Porém, não existe um único posicionamento público, seja pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que realizou seu Conselho Nacional no último dia 06, seja pelo Sindicato estadual de educadores do Rio Grande do Sul (CPERS), ou da União Nacional dos Estudantes (UNE), denunciando, por exemplo, o acordo MEC-MedEdu. Não o fazem, pois significaria desgastar o governo Lula.
Além disto, a direção do CPERS manifestou-se publicamente elogiando o demissionário Paulo Afonso Burmann, do cargo de diretor geral da Seduc, sem denunciar que este mesmo representante do PDT contribuiu e fortaleceu o governo Leite, por longos meses, sendo parte de inúmeros ataques aos servidores e à educação.
Evidentemente que o governo Lula não é igual ao de Bolsonaro. Bolsonaro era a expressão de um projeto de ditadura para o país e isso se expressou na sua política educacional. O MEC foi palco para impulsionar as pautas conservadoras e atacar as liberdades democráticas no interior das escolas e instituições de educação.
Com a eleição de Lula, houve toda uma esperança da mudança dos rumos na educação. Porém, já se passaram 10 meses do novo governo e, da mesma forma que Bolsonaro, Lula bloqueou R$ 332 milhões de verbas na educação básica como parte de sua política fiscal. Frente a tudo isto, manter o silêncio e paralisia para sustentar este governo é um grave crime. Ou, não criticar políticos ligados a partidos da “base do governo federal”, como no caso do PDT, que integrou o governo “inimigo da educação, Eduardo Leite”, não é apenas omissão. É colaboração, é governismo.
Nossas entidades não podem repetir os mesmos erros cometidos nas gestões anteriores do PT, como no caso do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 com o apoio da CNTE e UNE. O PNE foi a sistematização, legalização e legitimação da transferência de verbas públicas para o setor privado. Não à toa, o MEC era cheio de pessoas indicadas pelos institutos e fundações empresariais que mencionamos anteriormente.
A situação piora dado que hoje vemos um início de lutas do movimento estudantil, com greves em universidades públicas, justamente se enfrentando com o projeto de desmonte da educação pública que visa a privatização.
A tarefa de todos nós, trabalhadores e estudantes, é pressionar para que nossas entidades cumpram seu papel, mantenham sua independência de classe e que incorporem a campanha de exigências como:
— Lula, revogue o acordo com a MegaEdu e libere os 332 milhões de verbas bloqueadas a educação básica!
— Fora Lemann, ONGs, OSs e bilionários da educação pública!
— Não às concessões, PPPs e terceirizações!
– Gestão democrática e autônoma na construção da proposta pedagógica, em conjunto com a comunidade escolar!
— Concurso público imediato para dar conta da ausência profissionais!
—Efetivação dos professores contratados e terceirizados!
— Revogação integral e imediata do “Novo Ensino Médio”!