Crise no transporte público de Natal revela ganância de empresários e conivência da Prefeitura
João Paulo da Silva, de Natal/RN
Para o PSTU, é preciso municipalizar o serviço e criar uma empresa pública de transporte em Natal, que garanta o direito dos trabalhadores e da população.
Desde o início da pandemia de Covid-19, a crise no transporte público em Natal e na região metropolitana vem se aprofundando e penalizando ainda mais os trabalhadores e a população mais pobre. Diversas linhas de ônibus foram retiradas pelos empresários do setor, que alegaram queda no número de passageiros e aumento nos custos.
A medida empresarial piorou a superlotação e submeteu as pessoas a condições subumanas no transporte, inclusive no auge de circulação do coronavírus. De lá para cá, a capital potiguar já perdeu pelo menos 18 linhas de ônibus, e nunca houve o retorno de 100% da frota retirada, nem mesmo com decisão judicial. Os empresários simplesmente descumprem a ordem. Das 82 linhas que estavam em circulação, restam apenas 64, contando com o transporte opcional (vans e micro-ônibus).
O sistema de ônibus em Natal é controlado há décadas pelo Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos (Seturn), que opera sem licitação e com a conivência da Prefeitura e da maioria da Câmara Municipal. Como não há regulamentação, o Seturn sempre impôs ao povo um transporte com ônibus velhos, sucateados, frota insuficiente e com uma das passagens mais caras do Nordeste (R$ 4,00).
O serviço prestado pelos empresários já era muito ruim, mas ficou ainda pior nos últimos três anos. Com os recentes atentados criminosos no RN, os empresários voltaram a reduzir as linhas, chantageando por mais subsídios públicos e alardeando uma suposta “iminente falência do sistema”. Desde então, Natal vive um impasse sobre o que fazer para resolver a crise dos ônibus e oferecer um transporte público de qualidade aos trabalhadores e à população.
No início de abril, o Seturn apresentou uma denúncia no Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra o prefeito Álvaro Dias (Republicanos), com o objetivo de cobrar a licitação do transporte público em Natal. Os empresários pedem uma multa diária de R$ 20 mil em caso de descumprimento, até que a licitação seja realizada, e também que a Prefeitura divulgue o resultado do estudo encomendado a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), no valor de R$ 526 mil.
O estudo em questão foi contratado em agosto de 2022 para redesenhar o transporte público de Natal, mas ainda não tem data para ser publicado, segundo a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Natal (STTU). Na denúncia dos empresários ao TCE, o Seturn também pede que a Prefeitura avalie a elaboração de um estudo sobre o reajuste tarifário dentro de 30 dias. A ação segue em andamento no Tribunal de Contas do Estado.
É cilada, Bino! Seturn quer licitação com subsídios milionários
Curiosamente, os empresários que agora cobram a licitação são os mesmos que nos últimos anos boicotaram qualquer processo licitatório no transporte de Natal. A tentativa de licitação mais recente foi realizada entre 2016 e 2017, e acabou dando “deserta” em duas ocasiões, ou seja, nenhuma empresa manifestou interesse no serviço. Isso ocorreu na época justamente porque o processo incluía a exigência de algumas melhorias no transporte, como veículos novos, ar-condicionado e motor traseiro nos ônibus.
O “repentino” interesse dos empresários na licitação agora se dá por duas razões. Por um lado, tentam se esquivar da responsabilização pública pelo caos no transporte urbano, jogando a crise apenas para a Prefeitura, que por sinal também é culpada. Por outro, buscam emplacar em um futuro processo licitatório toda e qualquer contrapartida pública que possa subsidiar ainda mais os seus lucros. Na prática, o que os empresários de ônibus desejam é uma licitação que atenda aos seus interesses privados, e não as necessidades da população.
Prova disso é o que diz o consultor jurídico do Seturn, Augusto Maranhão. O porta-voz dos empresários afirma que há uma “iminente falência do setor” e alega que seriam necessários R$ 3 milhões por mês em subsídios para que as empresas pudessem operar. Eudo Laranjeiras, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor), vai na mesma linha. Ao portal de notícias Agora RN, ele disse que “a questão é que seja estruturada uma licitação atraente e que se mostre as fontes para cobrir aqueles custos. Os dois editais pediam itens como o ar-condicionado e o motor traseiro, mas sem qualquer apontamento de onde viriam as fontes para que isso pudesse ser pago. (…) É preciso que a licitação garanta o subsídio.”.
Ou seja, o que as empresas de ônibus querem é um sistema no qual o povo e o orçamento público paguem todos os custos, e os empresários fiquem “apenas” com os lucros. Depois de décadas rodando sem regras e sem regulamentação, cobram hoje uma licitação “atraente”, desde que tenha subsídios milionários.
A “choradeira” do Seturn sobre os supostos prejuízos do transporte já é uma velha conhecida da população de Natal. Sempre que as empresas querem aumentar a passagem de ônibus ou reduzir linhas, elas alegam que estão rodando há anos no prejuízo. Mas nunca apresentam as planilhas. Se o transporte não tem dado retorno financeiro, por que esses empresários insistem em continuar no negócio?! Por acaso agora capitalistas fazem caridade e mantêm empreendimentos que não dão lucros?! Além disso, desde a pandemia de Covid-19, os empresários do setor estão recebendo isenção de impostos tanto do prefeito Álvaro Dias quanto da governadora Fátima Bezerra (PT), conforme divulgou a Agência Saiba Mais.
Entre 2020 e 2023, as empresas de ônibus que atuam em Natal e na região metropolitana economizaram cerca de R$ 50 milhões com a desoneração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o diesel, segundo dados da Secretaria de Tributação do Estado do Rio Grande do Norte. Já no Imposto Sobre Serviços (ISS), que hoje conta com 100% de isenção, a estimativa da Procuradoria do Município é que só em 2020 o benefício tenha resultado numa economia de R$ 400 mil por mês para os empresários, quando havia apenas a desoneração de 50% do ISS.
Portanto, ao contrário de empresários com pires na mão, o que a realidade mostra são capitalistas querendo aumentar seus lucros, com a conivência dos governos e às custas da exploração de um direito essencial da população.
Fora Seturn e seus cúmplices na Prefeitura! Pela criação de uma empresa pública de transporte em Natal
Não bastasse a ganância desenfreada do Seturn, as seis empresas de ônibus que atuam em Natal agem como se fossem uma verdadeira máfia, desrespeitando leis, direitos e pagamento de tributos.
Um levantamento feito pelo jornal Tribuna do Norte em maio 2022 apontou que as empresas associadas ao Seturn devem mais de R$ 160 milhões aos cofres públicos (R$ 160.350.820,03 inscritos na dívida ativa do Município, do Estado e da União). Segundo o jornal, o portal da Tributação não detalha os débitos, mas a inscrição na dívida ativa geralmente acontece por falta de pagamento de impostos, taxas, multas, indenizações, entre outros.
Esta situação de inadimplência, inclusive, já seria um impeditivo para que essas empresas participassem de uma licitação ou mesmo recebessem isenções fiscais, como ocorre hoje. O fato é que o Seturn manda e desmanda no sistema de transporte, articulando até mesmo o boicote de uma licitação quando é conveniente.
Entretanto, esse tipo de atuação só é possível com a cumplicidade de governos e políticos, em especial da Prefeitura de Natal, atualmente comandada pelo bolsonarista Álvaro Dias. A dívida milionária das empresas de ônibus nunca foi cobrada de forma consequente por nenhum governante, esses empresários nunca tiveram seus privilégios e poder questionados. Ao contrário, o que sempre ocorreu em Natal foi a conivência da maioria das autoridades políticas com o Seturn.
Na prática, a Prefeitura e a maioria da Câmara Municipal (com raras exceções) agem para endossar os interesses privados, em detrimento das necessidades dos trabalhadores e da população. Desse modo, considerando o controle do Seturn na cidade, uma eventual licitação nas condições atuais iria apenas legitimar a exploração do transporte nos moldes desejados por essas empresas. Inclusive, com subsídios milionários.
Por isso, para o PSTU, é preciso colocar pra fora do sistema o Seturn e seus cúmplices na Prefeitura. Já passou da hora de retirar esses empresários do controle, que não fazem outra coisa a não ser reduzir linhas, explorar os motoristas, receber isenção fiscal e chantagear o povo com aumento de passagem. Enquanto isso, a população sofre com ônibus velhos, superlotados, sem segurança e que não atendem a demanda de locomoção das pessoas.
O PSTU defende que é preciso cobrar e executar toda a dívida ativa das empresas de ônibus e utilizar os recursos para criar uma empresa pública de transporte em Natal. Ou seja, é necessário municipalizar o serviço e investir no avanço de um sistema integrado, entre trens, VLTs, ônibus e ciclovias. Mas para isso, é fundamental iniciar uma grande mobilização na cidade, ocupar as ruas de Natal com uma nova Revolta do Busão, que envolva não apenas os estudantes, mas também os trabalhadores, os sindicatos e os movimentos sociais.
O transporte da população precisa ser garantido como um direito público essencial, e não uma fonte de lucro para meia dúzia de empresários.