Nacional

Crise no GSI: A relação de capitulação do governo Lula à cúpula militar

Mariucha Fontana

22 de abril de 2023
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O vídeo que circulou nas redes sociais esta semana mostra o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob o governo Lula, general Gonçalves Dias, andando calmamente entre golpistas no Palácio do Planalto no 8 de janeiro. Apesar de editado, o vídeo vazado mostra também até um oficial servindo água aos bolsonaristas que depredaram os três poderes clamando por uma intervenção militar.

O general de confiança do Lula pediu demissão depois do vídeo.

O vídeo vazado neste momento serve ao propósito da manipulação de informações do bolsonarismo que, às vésperas do julgamento de seus correligionários e de seu depoimento, tenta emplacar a versão de que a tentativa de golpe do 8J não existiu. Segundo Bolsonaro, o que ocorreu foi que petistas infiltrados na manifestação “pacífica” bolsonarista, depredaram os prédios. O vídeo força também a abertura da CPMI do golpe, que o PT até ontem tentou abafar. Bolsonaro e o bolsonarismo, depois de tudo, conseguem pautar a mídia e o Congresso Nacional com uma mentira, montando uma “verdade paralela”, apoiando-se na capitulação, subserviência e completa contemporização do governo Lula com a cúpula militar e golpistas.

Esse episódio todo mostra que o governo Lula blinda os militares; não combate os golpistas e o bolsonarismo nem o mais minimamente à altura do que seria necessário. E com isso abre espaço inclusive para as fake news bolsonaristas.

O ministro general “amigo”, que substituiu o bolsonarista general Heleno (ex-ajudante de ordens do finado general Sylvio Frota que tentou um golpe dentro do golpe em 1977), disse que não prendeu ninguém e andava calmamente no 3º andar do Palácio do Planalto porque estava “gerenciando a crise”.

Segundo o governo, o general Gonçalves Dias disse que a câmera que captou as imagens do vídeo vazado não estava funcionando. Ricardo Capelli, interino nomeado para chefiar o GSI, acha que o general é inocente, não foi omisso, mas apenas “ingênuo”. O Senador Humberto Costa do PT também acha que o general Gonçalves Dias é de confiança, mas cometeu um erro de avaliação política em termos de exercer o que era a sua função. E em entrevista à Uol News no último 21 ainda agregou que “o general disse primeiro que algumas câmeras, que são mostradas agora filmando pessoas, não estavam funcionando. Depois disse também que naquelas imagens não havia nada relevante, foi uma decisão dele. O que o governo falhou? Falhou no sentido de não dizer: confiamos em você, mas a gente quer ter acesso e a gente quer divulgar.’”

Mas, como é que se pode nomear, na melhor das hipóteses, um ingênuo, incompetente ou atrapalhado general para o lugar do General Heleno, num órgão coalhado de bolsonaristas e que possui mais de 800 militares? Como é que o governo Lula, ou o chefe do GSI de sua confiança, decreta sigilo das imagens colhidas pelas câmeras do Planalto por 5 anos?

Por que, enquanto a base exige “sem anistia para golpista”, o governo Lula blinda os militares e limita as investigações?

Por que ao invés, de perante o fracasso do 8J, não aproveitou para mobilizar a classe trabalhadora e a população e, no mínimo, impor um processo de investigação, punição exemplar e prisão para família Bolsonaro, militares golpistas (especialmente da alta cúpula) e financiadores? Por que o governo Lula, assim como o PT e PSOL, desmobilizam a classe trabalhadora e deixam nas mãos do STF e das instituições desse Estado capitalista brasileiro; do qual as Forças Armadas e sua cúpula golpista são espinha dorsal, a questão dos setores golpistas?

Esse é um mero “erro” ou “ingenuidade” do governo Lula-Alckmin? Na nossa opinião, não. Pois, essa é a mesmíssima política que norteou a escolha do ministro da Defesa, José Múcio, que, igualzinho a cúpula das Forças Armadas, defendeu e protegeu os manifestantes golpistas acampados na frente do Exército, que estiveram à frente do 8J.

Essa política do governo Lula é expressão da natureza burguesa, capitalista de governos de colaboração de classes, de frente dos trabalhadores com a burguesia, como o atual governo. É típico da natureza de governos desse tipo a desmobilização da classe trabalhadora por um lado, e a defesa do Estado burguês, e especialmente da sua coluna vertebral: a hierarquia reacionária das Forças Armadas. Um exemplo muito ilustrativo disso que falamos ocorreu no Chile. Sempre é bom lembrar que Pinochet, por exemplo, era ministro de Allende.

No Brasil, há ainda um agravante. Aqui nunca se enfrentou a tradição historicamente golpista das Forças Armadas brasileiras. No final da ditadura, golpistas e torturadores não só não foram punidos, como se manteve um entulho autoritário na Constituição. Os governos do PT, inclusive, vergonhosamente adotaram as Garantias de Lei e Ordem (GLO), para intervenção e repressão interna.

Para enfrentar golpistas e a extrema direita, a classe trabalhadora deve confiar nas suas próprias forças

Sabemos que há ilusões e expectativas no governo Lula, e de que seu governo seja capaz de enfrentar e derrotar a extrema direita e seu projeto autoritário.

Mas, continuamos alertando que a derrota definitiva da extrema direita exige mudar as bases sociais que permitiram seu surgimento e seu fortalecimento. Ou seja, com a longa decadência, o processo de recolonização imperialista e reprimarização que viveu e vive o capitalismo brasileiro todos esses anos. Quer dizer, exige enfrentar os capitalistas bilionários que controlam a economia do país, sejam dos EUA, da Europa, da China ou dos capitalistas brasileiros que vendem o país e se associam à pilhagem do mesmo.

E o governo Lula não tem esse projeto. Ao contrário, se propõe a governar com e para a burguesia, nos limites da ordem vigente, da democracia dos ricos, do sistema capitalista e de forma subalterna às multinacionais e bancos dos Estados Unidos, União Européia e China.

Por isso, não consegue ser consequente sequer com a defesa de medidas democráticas mínimas, como seria defender e atuar para não ter nenhuma anistia para golpistas, ao invés de contemporizar e mais uma vez blindar a cúpula militar.

A classe trabalhadora deve confiar nas suas próprias forças, na sua mobilização, defender e exigir efetivamente nenhuma anistia a golpista. Isto significa investigação e prisão dos generais do alto comando das Forças Armadas que colaboraram com a tentativa golpista, bem como punição exemplar e prisão de Bolsonaro e família. Assim como a democratização das Forças Armadas e a desmilitarização das polícias, com direito de organização sindical e política da tropa e praças. Revogação do Artigo 142 , esse entulho autoritário da Constituição.

E devemos debater e organizar a autodefesa nas organizações operárias e populares: sindicatos, movimentos populares, indígenas, camponeses, estudantis, negro e negras, mulheres, LGBTIs etc. A classe trabalhadora e a juventude não devem confiar no governo Lula, nem no STF ou nessa democracia dos ricos para derrotar a extrema direita, e sim na sua mobilização e organização.

E nessa luta, para mudar efetivamente o país e as condições sociais que dão base para a existência e fortalecimento da extrema direita, é necessário defender um projeto socialista e enfrentar o projeto econômico e político do governo Lula.