Cratera em obra do Metrô: As consequências das privatizações
Nesta terça-feira (1°), o desmoronamento na obra da Linha 6 – Laranja do Metrô de São Paulo criou uma cratera de enormes proporções na Marginal Tietê, uma das vias mais movimentadas do país. O local está interditado por tempo indeterminado.
Por pouco não houve feridos. Vídeos nas redes sociais mostram trabalhadores desesperados, alertando os colegas que estavam próximos à área que começava a alagar. “Sai daí, aperta a sirene”, grita um operário ao ver a galeria ser invadida por água. “Tem um monte de gente nas máquinas”, afirma outro. “Fala pros caras saírem. Vai inundar tudo”, dizem.
O vazamento teria começado às 8h21. Às 9h, a Marginal começou a ceder.
As causas do acidente
Segundo a Sabesp, uma tubulação de esgoto se rompeu, alagando as galerias da obra e levando o terreno a ceder. Ainda de acordo com as informações preliminares, um “tatuzão”, equipamento utilizado para abrir túneis do Metrô, passava sob a tubulação. As causas do rompimento e do desabamento do terreno serão apuradas. Contudo, o que especialistas já apontam que este tipo de acidente poderia ser evitado.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o engenheiro civil Ivan Maglio, pesquisador e colaborador do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, explicou que pelo estágio avançado da obra, a identificação de interferências no traçado e da distância segura para a passagem de um novo túnel sem abalos deveria ser “ponto superado”.
“A obra já havia obtido sua licença de instalação, ou seja, já deveriam ter sido apresentados planos para evitar riscos em sua área de influência e impactos”, disse. “É um erro de execução. Alguma coisa falhou”, avaliou.
O engenheiro ressaltou ainda que o modelo de PPP (Parceria Público-Privada) adotado pelo governo Doria, que entrega a um consórcio privado a execução das obras e operação dos trens, é um problema.
“O Metrô tem expertise para fiscalizar e atuar junto aos contratados. Neste modelo de PPP, ele deixa de acompanhar isso diretamente, o que é um problema”, disse.
A necessidade de mão-de-obra especializada e experiente com esse tipo de obra também é apontada por outros profissionais e foi motivo de alerta ainda em 2018, quando as obras estavam paralisadas. Na época, engenheiros e a população afetada chegaram a reivindicar que o Governo do Estado assumisse a execução e operação da linha.
À época, Nestor Tupinambá, engenheiro aposentado do Metrô-SP e diretor do SEESP (Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo), alertou sobre os riscos e características para a construção da linha: “Muitas estações previstas terão escavações muito profundas, com mais de 50 metros abaixo da terra, o que, além de encarecer o projeto, requer mão de obra muito especializada, como a dos engenheiros do Metrô”.
Segundo o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, toda a região é muito estudada e conhecida geologicamente. “Pelas primeiras informações, imagino que não foi um problema relacionado a questões geológicas ou geotécnicas. Se se confirmar essa hipótese de que a passagem do tatuzão rompeu a adutora ou coletora, foi um erro primário no plano de condução da obra, beira a irresponsabilidade”, disse.
Em 2007, desabamento matou sete pessoas
Acidente semelhante, com desmoronamento de terra e abertura de cratera, ocorreu em 2007, no canteiro de obras da Linha 4 – Amarela, na Marginal Pinheiros, durante o governo de José Serra (PSDB). Sete pessoas morreram soterradas e dezenas de famílias que moravam no entorno foram prejudicadas, com suas casas interditadas pelo acidente.
O Consórcio Via Amarela (formado pela Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), funcionários do Metrô e de empresas que projetaram a obra foram processados. Em 2016, 14 acusados foram inocentados e o Ministério Público recorre até hoje.
Privatizações: o lucro acima de tudo
O coordenador do Sindicato dos Metroviários de SP e integrante da direção estadual da CSP-Conlutas, Altino Prazeres, destaca as irregularidades que marcam os processos de privatizações do Metrô.
“A obra da Linha 6 está totalmente nas mãos do setor privado. Desde o inicio foi marcada por vários problemas. Chegou a ser paralisada e abandonada pelo primeiro consórcio vencedor formado pela Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC, sendo retomada apenas em 2020 pelo grupo espanhol Acciona”, explicou.
“Esse filme em que o lucro máximo é o que importa já conhecemos: atrasos, pedidos de mais recursos, acidentes, tarifas caras e serviço de má qualidade”, disse.
O Sindicato dos Metroviários denunciou recentemente que a operação das linhas 8 e 9 de trens pela empresa privada ViaMobilidade (do grupo CCR, que também opera as linhas privadas 4 e 5 do Metrô) iniciou no dia 28 de dezembro de 2021 e, em menos de dez dias, registrou diversas falhas, com acidentes graves e atropelamentos.
“A empresa e parte da imprensa culpam os maquinistas. No entanto, estes profissionais não podem ser responsabilizados. Diferente das condições estabelecidas nas empresas públicas de transportes, esses trabalhadores mal tiveram os treinamentos adequados. As cargas horárias de trabalho assustam com longas jornadas de trabalho, sem o devido descanso”, explica Altino.
“Privatizar é entregar empresas e serviços, como os transportes, para servir apenas aos interesses de grupos privados, que só se preocupam com o lucro, sem compromisso com o atendimento à população e soberania do país. É preciso ir à luta para frear e reverter toda e qualquer privatização”, reafirmou o dirigente.