Com milhares nas ruas, atos por moradia exigem que STF mantenha decisão contra os despejos
Um dia histórico para a luta por moradia no país. Assim foi a quinta-feira (17), quando milhares foram às ruas, em diversos estados, para exigir do STF (Supremo Tribunal Federal) a prorrogação da ADPF 828, decisão que proíbe despejos durante a pandemia. O texto perderá a validade no dia 31 de março.
Coordenado pela Campanha Despejo Zero que reúne diversos movimentos, incluindo o Luta Popular, filiado à CSP-Conlutas, o Ato Nacional Moradia pela Vida saiu em defesa das 400 mil pessoas, moradoras de ocupações urbanas e rurais, que estarão ameaçadas de despejo após o prazo estabelecido pela corte.
Com faixas e cartazes, apresentações culturais e políticas, o grito que ecoava era um só: prorroga STF! Em mais de 20 atos, espalhados por todas regiões do país, Os sem-teto fizeram um apelo aos 11 ministros do Supremo. Nos próximos dias, a decisão deles poderá evitar uma verdadeira tragédia humanitária que ameaça 160 mil famílias.
Ainda sofrendo os efeitos da pandemia e o agravamento da crise econômica, os manifestantes que deixaram suas comunidades para protestar em frente aos Tribunais de Justiça de cada cidade também ensinaram uma lição a classe trabalhadora. Para conquistar os objetivos, não deve se esperar a eleição. A luta é travada na rua e agora.
Segundo levantamento da Campanha Despejo Zero, quase 15 mil pessoas já foram protegidas pela ADPF 828 do risco de despejo. No entanto, a política criminosa de reintegrações de posse mesmo na pandemia seguiu em diversas ocasiões. Estima-se que quase 28 mil pessoas foram removidas entre março de 2020 e fevereiro de 2022.
“O direito à moradia digna é uma questão que diz respeito a todos nós! Não vamos permitir que a Justiça finja que não é problema dela! Que os governantes, vereadores e deputados digam que não é problema deles”, afirmava a carta oficial da Campanha Despejo Zero, divulgada dias antes das mobilizações.
Ato em São Paulo
São Paulo é estado que concentra o maior número de famílias com o risco iminente de despejo (42.499 de acordo com a campanha). Foi também na capital paulista que ocorreu o maior ato do dia. Ao menos 10 mil pessoas de 200 ocupações estiveram reunidas na Avenida Paulista, no início da tarde de quinta.
Após a concentração no MASP, o ato saiu em passeata com destino à Praça da Sé, onde fica o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. No meio do caminho, na Rua Augusta, foi realizada uma parada em frente a ocupação Augusta. O momento foi de comoção e integração entre as ocupações que, independente da região, tem o mesmo objetivo: garantir moradia digna.
Moradores das ocupações dos Queixadas (Cajamar) e Esperança (Osasco), organizadas pelo Luta Popular, estiveram presentes. Em ambos os casos, as famílias seguem com risco de perderem suas casas em meio ao aumento da fome e desemprego no país. Uma das mediadoras do ato, Vanessa Mendonça, moradora dos Queixadas, discursou aos manifestantes:
“Viemos as ruas com nossas ocupações que também correm o risco de despejo de uma maneira arbitrária e injusta. Nós dos Queixadas ocupamos um terreno que estava abandonado há mais de 19 anos. Não tinha nenhuma função social, só mato. Nós criamos um bairro com nossas próprias mãos. Hoje, temos biblioteca, horta e espaço pras crianças. Mesmo assim, este estado burguês e a Justiça que só trabalha para os ricos podem jogar quase 400 pessoas no olho da rua”.
Pela Ocupação Esperança, uma das coordenadoras da comunidade, Maura Lopes afirmou que “enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito”. Ela explicou que embora esteja há 9 anos residindo na ocupação, ainda não há nada garantido para as famílias.
“A gente ocupa porque precisamos de moradia. Há tantos espaços ociosos e sem função social alguma. Por isso, acima de tudo é preciso lutar. Hoje, somamos neste ato, pois trata-se de uma luta válida para todos nós”, concluiu.
Compromisso do estado
Já no final da tarde, uma comissão representante do ato foi recebida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que assumiu o compromisso de reativar o grupo de mediação de conflitos entre as ocupações e diversas esferas do poder público.
Apesar da crise gerada pela pandemia, a esfera de trabalho esteve suspensa pelos últimos dois anos. Além de garantir mais diálogo em busca de evitar as reintegrações, a retomada também fortalece a luta pela prorrogação da ADPF 828.
Outras localidades
A luta por moradia urbana e rural não foi diferente em Brasília. A CSP-Conlutas esteve presente na mobilização que ocorreu nas proximidades do Congresso Nacional. Durante o dia, foi entregue um documento ao STF exigindo a prorrogação da proibição ao despejo.
Houve protesto também em frente ao Tribunal de Justiça de Belo Horizonte (MG). As ocupações Prof. Fábio Alves e Willian Rosa participaram da passeata até o Palácio da Liberdade, onde cobraram do governador Romeu Zema (Novo) a garantia de moradia às famílias.
Em Jacareí (SP), a Ocupação Coração Valente realizou um protesto em frente à prefeitura da cidade. O prefeito Izaias Santana foi cobrado a se manifestar frente ao risco eminente de despejo das famílias. Na última semana, uma ordem de reintegração de posse foi expedida, dando aos moradores 60 dias para deixar o local.
Já na ocupação Raimundo Vitório (Aracajú/SE), a luta ocorreu na própria comunidade. Foram organizados mutirões de limpeza e as famílias escreveram cartas para o STF pedindo para que seja prorrogada ADPF 828.
Também ocorrem mobilizações no Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Maceió (AL), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Belém (PA), Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), entre outras cidades.