Cidade Rebelde: as lições que vem de Teresina
Romildo Araújo, professor universitário e militante do PSTU
A capital Teresina é bem pequena, localizada na porção ocidental do território piauiense abaixo da linha do Equador. É banhada por dois rios perenes, mas não suficientes para amenizar o calor da cidade, cuja temperatura, durante quase todo o ano, chega aos 40 graus na sombra. É conhecida como “cidade verde” em razão do grau de arborização que tinha no passado. Têm cerca de 870 mil habitantes, um alto nível de desemprego, precarização do trabalho e péssimas condições de moradia na periferia, problemas esses agravados com a pandemia da Covid.
Nos últimos dois meses, o tema mais discutido na cidade tem sido as reivindicações salariais e em prol de melhores condições de trabalho promovidas por duas categorias profissionais, os trabalhadores do transporte rodoviário e os professores da educação básica (estaduais e municipais de Teresina e de outras cidades do interior); e, mais recentemente, a greve que se prepara nas universidades também começa a ser um dos temas discutidos pela população.
Por iniciativa dos sindicatos de servidores públicos das três esferas, da CSP-Conlutas, dos sindicatos dos rodoviários e do movimento por moradia, tem se organizado um processo de luta unificado, como raramente se viu na cidade. Atos frequentes em defesa da educação, transporte e moradia são realizados. De forma criativa, cada segmento vai se mobilizando, expondo suas reivindicações e, de forma solidária, todos os outros setores vão dando apoio. A juventude universitária também tem estado presente nessas mobilizações. Vários fóruns de luta vão se reunindo e construindo a unidade da classe.
A luta dos professores do município de Teresina e da rede estadual pelo reajuste do Piso Salarial Nacional de 33,23% foi o pontapé inicial da luta. Um ato na porta da PMT foi brutalmente reprimido pelo prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (PSD), no dia 15 de março, que autorizou a Guarda Municipal a disparar tiros de borracha na manifestação dos professores municipais e do movimento por moradia. Mas os movimentos não recuaram. Ao contrário, continuam nas ruas até hoje. A busca por negociação se combina com atos constantes nas ruas da capital. O SINDSERM (Sindicato dos Servidores Municipais de Teresina) realiza atos em todas as regiões da cidade, contando com a presença de centenas de professoras(es), demonstrando um nível de auto-organização jamais visto no Piauí, com participação frequente nos comandos de mobilização e atividades da greve.
A greve dos professores estaduais do Piauí, que já ultrapassa 40 dias, não teve nenhuma resposta séria por parte do governador Wellington Dias (PT), que se limitou a conceder 4% de reajuste, recusado por unanimidade em assembleia geral da categoria. O SINTE-PI organiza atos constantes por toda a cidade, denunciando o governo e exigindo o atendimento das reivindicações. Os aposentados participam ativamente dessa luta contra o injusto desconto previdenciário de 11 a 14% e do plano de saúde (que oneram os contracheques), já bastante prejudicados pela retirada de direitos. A 1ª marcha dos professores aposentados foi realizada dia 9 de março, exigindo valorização e respeito aos direitos aniquilados.
Ao mesmo tempo, a situação dos trabalhadores do transporte rodoviário de Teresina é preocupante, pois foi um dos setores mais afetados com a pandemia na cidade. O sistema de transporte privado vive uma situação de colapso e miséria. Atualmente, um cobrador recebe ao final do mês menos de um salário mínimo, sem mencionar as centenas de demissões promovidas no setor. O conflito entre os empresários e a prefeitura, em razão dos contratos de concessão das linhas de tráfego (centro da promiscuidade entre poder público e empresários corruptos), tem paralisado o transporte público. Os empresários têm prejudicado a categoria rodoviária e a população, haja vista terem promovido um verdadeiro boicote ao funcionamento das linhas do transporte de passageiros. Por esse motivo, nasce do processo de unidade de lutas a bandeira de estatização do transporte coletivo, que visa tirar das mãos dos empresários a monopolização de um serviço tão essencial à população. Por sua vez, a solidariedade de classe emerge em meio à luta, e uma campanha de arrecadação de alimentos está sendo feita em prol das famílias dos trabalhadores rodoviários.
O movimento por moradia tem cumprido papel importante na unidade de lutas, levantando as reivindicações da campanha Despejo Zero e se fazendo presente nas mobilizações constantemente. A situação da periferia da cidade é de total abandono por parte do poder público municipal, principalmente na época do inverno, momento em que os bairros menos saneados sofrem mais. Ao mesmo tempo, o desemprego nesses bairros e ocupações é altíssimo, além da insegurança alimentar e da violência policial. A luta por moradia torna-se, portanto, uma questão de sobrevivência.
Nesse momento, os Servidores Públicos Federais (SPFs) preparam uma greve unificada em nível nacional. Essas categorias criaram na cidade o Fórum de Luta pela Reposição dos 19,99%, juntando todos que lutam nas três esferas, em prol de um índice emergencial e unificado para todos, inclusive as universidades federais. Nesse processo, a ADUFPI, ADCESPI, SINDIFPI e CSP-Conlutas têm cumprido papel importante no processo de unificação, tendo presença também nos atos realizados. Caso as universidades púbicas venham a entrar a greve, a luta em curso na cidade de Teresina tende a gerar uma situação de maior polarização social.
As lições que tiramos dessa luta unificada tem enorme valor para a classe trabalhadora. Tem sido uma imposição da realidade. É a busca consciente da classe por uma vitória frente à política de arrocho dos governos e dos patrões. Esse nível de unidade fortalece bastante as categorias em luta e potencializa a resistência da classe, possibilitando greves de professores mais prolongadas, manifestações constantes nas ruas, enfrentamento à repressão e dando conta da sobrevivência daqueles que lutam. A solidariedade de classe é um fator importante. Hoje podemos afirmar que Teresina se tornou uma cidade rebelde, onde a plebe certamente perdeu a paciência.
Agora, o movimento unificado prepara a organização do ato pelo #ForaBolsonaro dia 9 de abril, quando ocorrerá uma forte manifestação em Teresina. Os dias que virão também serão de lutas.