Casos de trabalho escravo continuam a crescer no Brasil
Ádyson Oliveira, do Rebeldia – Juventude da Revolução Socialista/Piauí
O sistema capitalista continua a demonstrar que não tem escrúpulos quando se trata de super explorar a classe trabalhadora e a juventude. Os casos de trabalho escravo no Brasil continuam a crescer diariamente, fruto da política da burguesia de tirar todo o sangue e suor daqueles e daquelas que produzem a riqueza do país: os trabalhadores.
Situações como essas são ainda mais comuns com a população rural, tendo em vista a total negligência dos sucessivos governos capitalistas em prol do enriquecimento dos grandes grupos empresariais ligados ao agronegócio. No Piauí, segundo contagem do Ministério Público do Trabalho (MPT), até outubro desse ano foram mais de 120 casos (flagrantes) de grupos de trabalhadores em situação de escravidão, tendo uma média de dez trabalhadores em cada flagrante.[1]
Um dos casos mais recentes aconteceu no mês de novembro quando 20 trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do MPT. Os trabalhadores, dentre eles um adolescente de 17 anos, estavam em pedreiras na zona rural das cidades de Altos, Piracuruca, Monsenhor Gil e Isaías Coelho. Eles tinham que usar pólvora para detonar pedreiras, no entanto, nenhum deles era capacitado para este tipo de serviço, além de não terem os equipamentos de proteção individual (EPI’s) necessários para o trabalho.
Não bastando a falta de um vínculo empregatício formal, estavam em alojamentos feitos de lona, não tinham instalações sanitárias, sem água potável, as refeições estavam sujeitas a intempéries sendo feitas nos alojamentos, tendo água e alimentos armazenados de forma incorreta. Recebiam de acordo com a produtividade nas pedreiras, tendo o milheiro de pedra variando entre R$ 150,00 a R$ 180,00 e sem jornada de trabalho pré-estabelecida.
Casos como esse demonstram como a burguesia brasileira normalizou tal prática, principalmente no meio rural. De acordo com o site da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada ao Ministério da Economia, o Piauí registrou em 2021 o total de 1.552 trabalhadores resgatados de situações análogas à escravidão. Neste ano, até o momento, foram resgatados 62 trabalhadores. Contudo, os dados apresentados não representam a realidade da escravidão no território brasileiro, tendo em vista a escassez humana e financeira para a realização das autuações por parte dos órgãos de fiscalização, além de registrarem somente os casos em que houve o pagamento do seguro-desemprego através do governo federal.
A escravidão se perpetua na contemporaneidade
Atualmente, vivemos a chamada escravidão moderna, marcada pela mescla da escravidão colonial com as formas de trabalho socialmente aceitas, ou seja, o capitalismo para impor sua crueldade utiliza-se muitas vezes das formas de trabalho contemporânea para mascarar a redução de trabalhadores ao regime de escravidão.
As senzalas foram substituídas por barracões feitos de lona; a submissão que antes era através do chicote agora se dá através da retenção de documentos; os capitães do mato, agora são os pistoleiros apontado um revólver para a cabeça dos trabalhadores, sendo, inclusive, seus irmãos de viagem em alguns casos. Contudo, outras características permaneceram: as rígidas jornadas de trabalho, a violência física e psicológica, a péssima qualidade dos alimentos fornecidos e o não fornecimento de água potável.
Além de tudo isso, como forma de assegurar a submissão dos trabalhadores, tem-se a chamada servidão por dívida. Nesta forma de escravização, o trabalhador nunca termina de pagar sua dívida, pois o patrão sempre inventa novos gastos para que o trabalhador continue devendo e trabalhando gratuitamente.
Para a sua perpetuação, os governos capitalistas atuam na flexibilização das leis trabalhistas, permitindo que a burguesia tenha facilidade para escravizar. Exemplo disso é a Reforma Trabalhista, Lei das Terceirizações etc. No governo Bolsonaro, com o desmonte dos órgãos de fiscalização, paralelamente a retirada de recursos financeiros para as fiscalizações, a burguesia fez a festa, pois há um aumento constante de trabalhadores escravizados, resgatados ou não.
Outro benefício dado pelos governos capitalistas a quem escraviza é de não irem a julgamento no intuito de serem punidos por seus crimes de forma automática. Na maioria dos casos o empregador assina um Termo de Ajuste de Conduta e paga uma indenização aos trabalhadores. Poucos casos chegam à Justiça do Trabalho.
Resquícios da escravidão negra
Fica ainda mais evidente que a assinatura da Lei Áurea (1888) não representou o fim da escravidão no Brasil, pelo contrário, a prática de trabalho escravo se inovou e passou de contradição ao sistema capitalista à pilar fundamental para o seu funcionamento.
A população negra continua a ser a maioria dos submetidos, fruto de um país que até hoje não trata com seriedade o debate acerca da escravidão que durou séculos e que, por isso, perdura até hoje sem que a lei seja efetivamente aplicada. Mais de 80% dos resgatados na atualidade são pertencentes a uma população empobrecida que englobam os negros e negras do país.
O mais recente caso estarrecedor é de uma idosa de 82 anos, uma mulher negra, resgatada do trabalho escravo após trabalhar como doméstica durante 27 anos para um casal (uma médica e um empresário) em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
A idosa foi mantida trabalhando sem o pagamento de salário, era analfabeta e trabalhava na crença de que os patrões estavam guardando o seu dinheiro para que um dia ela pudesse comprar sua casa própria. Ela, durante seu depoimento, afirmou que “não conhecia dinheiro”. A mulher foi resgatada no dia 24 de novembro através de ação conjunta do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) e a Polícia Militar.
Está mais do que comprovado a crueldade do capitalismo para com o povo negro. A Lei Áurea foi de fato uma falsa abolição e mais um mecanismo jurídico para tentar enganar a nossa classe de que o problema da escravidão estava resolvido. A realidade é que tal prática perdura e mata todos os dias a nossa classe.
Ano passado, 1.937 trabalhadores foram resgatados em situação de escravidão contemporânea no Brasil, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo informações divulgadas pelo MTP. Ao todo, foram 443 operações em todas as 27 unidades da federação. Elas levaram a resgates no Distrito Federal e em 22 estados. Não houve apenas no Acre, Amapá, Paraíba e Rondônia.
Minas Gerais foi o estado com o maior número de operações de combate ao trabalho escravo em 2021, com 99 empregadores fiscalizados, e o maior número de trabalhadores resgatados: 768.
Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território, até o final do ano passado, mais de 57 mil pessoas foram resgatadas em situação de escravidão.
Uma saída de raça e classe para a classe trabalhadora
É evidente o fracasso do sistema capitalista, apesar das medidas neoliberais de ataque aos direitos trabalhistas, a burguesia e o sistema aprofundam sua crise resultando em mais exploração à classe trabalhadora para superá-las. Consequentemente, mais revoltas irão surgir nos próximos anos e devemos estar preparados para avançar juntos contra o sistema.
A escravidão vivencia uma queda constante no número de fiscalizações o que resulta na falta de punição dos culpados, favorecendo uma burguesia escravocrata que se beneficia do sangue e suor de nossos irmãos, principalmente dos negros e negras.
É preciso que nossa classe se organize, em particular a população do campo, para enfrentarmos o capitalismo agrário que submete nosso povo ao trabalho escravo, ao genocídio e expulsão de suas terras, com o amparo dos governos a serviço do capital.
Precisamos avançar na luta pela revogação de todas as reformas que atacam a classe trabalhadora – Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista e Lei das Terceirizações –, exigir a imediata punição dos empregadores que usam do trabalho escravo, exigir que haja reparações de fato aos negros e negras. Além disso, que se tenha moradia digna, educação, saúde e trabalho digno para a classe trabalhadora e para a juventude.
Mas não devemos parar por aí. A real vitória ao nosso povo só virá através de uma revolução que enterre de vez esse sistema falido, racista, machista, LGBTfóbico, xenofóbico e que só traz miséria ao nosso povo. Só por meio de uma revolução proletária, na construção do socialismo, que poderemos resolver de vez os problemas que atravessam a nossa classe.
[1] https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2022/10/24/resgate-de-trabalhadores-em-situacao-analoga-a-escravidao-no-piaui-dobraram-em-2022-diz-mpt.ghtml