Bola de Ouro murcha: Vini não perdeu para Rodri, perdeu para os racistas
"Se eu enfrentar o racismo sozinho, o sistema vai me esmagar" - Vinícius Jr
O mundo esportivo – e para além dele – acabou de assistir de forma atônita a entrega do prêmio “Bola de Ouro” do futebol masculino para o atacante Rodri, do Manchester City, e não para o brasileiro Vinícius Jr, do Real Madri. A premiação, organizada pela revista France Football, aconteceu em Paris. Só os tolos acreditarão que os critérios para a decisão foram técnicos, e não políticos.
A decisão de que Rodri – e não Vini – seria o premiado foi publicada pelo jornal Marca, da Espanha, muito antes do início da cerimônia. Com essa informação, a viagem da delegação do Real Madrid para Paris, composta por 50 pessoas, foi cancelada.
O critério político e punitivo dessa decisão foi tão escancarado que o jornalista esportivo L.Miguel Sanz, do Diário Sport, publicou um artigo com o título “Ganhou o futebol e também os valores.(…) Muitas Bolas de Ouro foram mais que merecidas e, se Rodri vence, terá sido duplamente. (…) E, sobretudo, é uma lição para Vinícius para que aprenda a se comportar melhor e a respeitar seus rivais.”
Apesar do conteúdo desprezível do artigo, Sanz mostrou que o que ocorreu em Paris não foi uma premiação futebolística, mas um tribunal de punição a Vini Jr. e aos seus “valores” e “comportamentos” antirracistas. Na contramão do que o mundo aguardava, Vinícius não foi chancelado por não introjetar os “valores” que os racistas, aprioristicamente, determinam de como os jogadores negros devem se comportar diante de casos de agressões racistas e xenofóbicas que sofrem dentro e fora dos campos de futebol europeus.
Em que pesem as indiscutíveis qualidades do jogador Rodri, o que ocorreu em Paris foi um recado que a Fifa e a Uefa mandaram para todos os jogadores europeus, especialmente para negros e imigrantes, a agirem com passividade diante dessas agressões. O cerimonial futebolístico virou palanque político para canalhas da pior espécie.
Para além disso, penso que existem duas formas de encarar o que aconteceu em Paris: uma é achar que Vini foi derrotado dentro e fora do campo. Dentro, porque perdeu “A Bola de Ouro” e fora porque sua luta antirracista não teria dado em nada e, ainda por cima, tirou das suas mãos o prêmio de melhor jogador do mundo. Essa é a opinião de gente do tipo de Sanz.
Outra perspectiva de encarar essa fatídica segunda-feira é entender que a luta de Vini Jr. contra o racismo dentro do futebol europeu e mundial alcançou um patamar poucas vezes visto na história, a ponto de unir as grandes corporações do futebol mundial contra a principal voz antirracista do futebol mundial. Em quase todas as denúncias que Vinícius Jr. fez até aqui contra o racismo no futebol europeu não deixou de criticar a Uefa- convidada pela France Football a participar desta edição da premiação- porque então as mesmas escolheriam jornalistas esportivos imparciais para premiar Vini como melhor jogador do mundo e ainda serem obrigados a ouvir o “Malvadeza” discursar contra o racismo para milhões de pessoas conectadas na cerimônia de premiação?
Óbvio que entidades não podem dizer em quem esses jornalistas devem votar, mas, não resta dúvidas de que a escolha dos jornalistas desta edição do “A Bola de Ouro” não se deu de maneira imparcial. Porém, para amenizar o escândalo, os organizadores colocaram o ex-jogador e presidente da Libéria, George Weah, para anunciar a premiação de Rodri. Weah é negro, foi bola de ouro em 1995 e a Libéria foi o maior símbolo de resistência contra a escravidão. Entenderam a jogada?
Seria cômico se não fosse trágico que, desde 1956, essa seja a primeira vez em que a UEFA foi convidada a fazer parte da organização do prêmio e, obviamente, do grupo que seleciona os 100 jornalistas que escolheriam os melhores do mundo. Por inúmeras vezes, Vini denunciou que a UEFA, assim como a FIFA e a La Liga, até se manifestam quando os casos de racismo acontecem, mas “assim que acaba, não falam mais com você“.
O que incomoda é que Vini tem utilizado a camisa do Real e seu esplendoroso futebol para denunciar o racismo e exigir punições aos agressores. Mesmo sem ter mudado a legislação, a pressão de Vini tem surtido algum efeito porque fez o tema entrar com mais força no cenário internacional. Semana passada um dos seus agressores foi preso. Um fato inédito na história do Estado espanhol, que ajuda a escancarar ainda mais o racismo que os grupos econômicos que controlam a FIFA, a UEFA e a La Liga tentam omitir ou naturalizar.
Não somos da opinião de que Vini Jr. deveria ganhar o prêmio por suas posições antirracistas. Muito pelo contrário, Vini Jr. mereceria ganhar a “Bola de Ouro” por ter sido, disparadamente, o melhor do mundo na temporada 2023-2024. Foi campeão da Supercopa da Espanha, do Campeonato Espanhol e da Champions League, sendo decisivo em todos esses certames. A não escolha de Vini Jr. é que, sim, foi estritamente política, punitiva e racista. E, de certo modo, preventiva. Vale lembrar que na votação popular feita pelo jornal L’ Équipe, que é parceiro da premiação do Bola de Ouro, Vini Jr. ficou em primeiro lugar, com 41,3% dos votos, contra apenas 13,5% de Rodri, o segundo colocado.
O Real Madrid se manifestou afirmando que “A Bola de Ouro não respeita o Real Madrid” e que “A Bola de Ouro deixou de existir”. A não ida da delegação do time madrilenho a Paris também foi histórica e fez do “O Ballon d’Or 2024” a edição mais comentada e, ao mesmo tempo, a mais fracassada. Na hora do anúncio do Rodri, ouviu-se gritos de “Vini”
Contudo, nem de longe é o poderoso time madrilenho que está sendo perseguido, e sim um jovem afro-brasileiro que colocou em risco a própria carreira para enfrentar o racismo e a xenofobia, que crescem a passos largos na Europa. A prova maior disso, é que o técnico Ancelotti, que, possivelmente, não seria vencedor na categoria melhor técnico, venceu! O Real Madrid também recebeu o prêmio de melhor time.
Vinícius já é uma referência internacional na luta contra o racismo, para além do Real Madrid. Mesmo depois da goleada que seu time levou do Barcelona, em pleno Santiago Bernábeu, Vini condenou os atos racistas dos torcedores do próprio Real Madrid contra os jogadores negros do time rival e exigiu punição aos agressores. Vini tá mostrando ao mundo que existe racismo no futebol europeu e que não se deve enfrentar essa excrescência engolindo bananas jogadas em campo por racistas, mas com coragem, atitude e boca no trombone.
Por fim, endossamos aqui as palavras do comentarista Breiller Pires, que afirmou categoricamente que Vini Jr é “muito maior do que a Bola de Ouro“. Sim, Vini é muito maior do que essa gente que se enoja ao ter que se render ao talento de um extrovertido jovem afro-brasileiro cujos dribles e seus gols foram transformados em arma de luta contra o racismo.
Vini, saiba que você não está só, que, para nós, você é “bola de ouro” dentro e fora dos campos de futebol, ao contrário desta bola de ouro murcha da France Football e da UEFA que já é, de longe, uma das mais vergonhosas da história do futebol mundial.