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Bets: No capitalismo, a banca sempre ganha

Ninguém poderia apostar num cenário tão caótico. Em poucos anos, as chamadas "bets" (“apostas”, em inglês) tornaram-se onipresentes

Diego Cruz

11 de outubro de 2024
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Foto Bruno Peres / Agência Brasil

Você liga a televisão e dá de cara com Ronaldo Fenômeno divulgando uma dessas empresas: “agora a jogada é outra”. Você acessa o Youtube e se depara com um comercial em forma de “manifesto”, encabeçado por ninguém menos que Seu Jorge: “A gente sabe o que é ser brasileiro”, diz o cantor. “Aprender a cair, e dar aula de levantar”, diz o jogador Vini Jr, com o punho em riste. “Deu ruim? A gente tenta de novo, e de novo, e de novo…”, brada o cantor, num comercial, não por acaso, estrelado apenas por personalidades negras, apelando para um suposto espírito de resiliência e teimosia do brasileiro.

Público alvo

Todo esse marketing perverso não acontece por acaso. Ele é voltado à população mais pobre, negra, periférica. Um setor da população submetido ao desemprego, ou ao subemprego e à informalidade. Uma população vulnerável às promessas de ganhar dinheiro com apenas um clique no celular. Associar isso ao futebol, então, é a cereja do bolo para que grandes empresas bilionárias enganem milhões e roubem outros bilhões, justamente do povo mais pobre.

Bilhões em jogo

Levantamento da auditoria britânica PwC estima que somente no Brasil, em 2023, o mercado de apostas movimentou entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões. E para ser uma ideia da quantidade de dinheiro que gira no mundo das “bets”, vale destacar que, em 2018, quando a atividade foi legalizada, foram “apenas” R$ 5,1 bilhões e estima-se que, agora, em 2024, a movimentação gire entre R$ 90 bilhões e R$ 130 bilhões.

Uma entidade chamada Instituto Locomotiva calcula que ao menos 52 milhões de brasileiros já apostaram. O mesmo instituto levantou que a maioria, 53%, apostou não como uma “forma de entretenimento”, como as empresas e seus influenciadores dizem que é, mas para ganhar dinheiro. Ou seja, como fonte de renda.

O mais incrível é que essas empresas, a grande maioria multinacionais, que lucram enganando a população, hoje patrocinem os principais times do futebol brasileiro.

País no fundo do poço

Um problema social, fruto de uma crise social

No último período, alastraram-se relatos de pessoas que perderam tudo em apostas, se endividaram, endividaram familiares, até casos de suicídios, sem que nada fosse feito. Mas, nos últimos meses, um sinal amarelo acendeu e causou uma série de “preocupações” em autoridades e no mercado.

Ao lado do dado divulgado pelo Banco Central, de que R$ 3 bilhões, no mínimo, das apostas vieram do Bolsa Família, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo estima que o dinheiro deixado de ser gasto no comércio chegou a R$ 117 bilhões. Já os banqueiros começaram a se preocupar com o aumento da inadimplência.

Banqueiros e saúde mental

A partir daí, a mágica começou a acontecer. Todo mundo começou a se preocupar com a saúde financeira, e mental, do brasileiro pobre. A tal ponto que o presidente da Federação Brasileira dos Bancos, a Febraban, Isaac Sidney, teve a cara de pau de declarar que “não dá para brincar com coisa séria, que é a saúde financeira e mental das pessoas”.

Você, alguma vez, imaginaria os banqueiros, que impõem uma taxa de juros de quase 500% no cartão de crédito, responsáveis por falir e destruir famílias, de repente, começarem a se preocupar com a saúde financeira e mental dos brasileiros? Isso sem falar na grana que abocanham através dos juros da dívida, que é desviada da Saúde, Educação e demais serviços públicos.

Nessa mesma toada, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou recentemente que as tais “bets” seriam um “abuso de um ser humano pelo outro”. Interessante que o mesmo STF está formando maioria para legitimar a excrescência do “trabalho intermitente”, um outro abuso imposto pela Reforma Trabalhista de Temer, que precariza ainda mais o trabalho e legaliza salário abaixo do mínimo.

A realidade é que essas empresas são perversas até mesmo para os padrões do capitalismo. Miram num público mais pobre e precarizado, estimulam o vício e a compulsão, e já são mais um dos vários problemas sociais que o país vive. Já a preocupação do governo e dos mercados é tão hipócrita quanto, assim como o projeto para “regularizar” as “bets”.

Arrecadar para o Arcabouço

Regulamentação não resolve o problema

Pelas regras adotadas pelo Ministério da Fazenda, de Haddad, que devem passar a valer a partir de 2025, as empresas de apostas, para se regularizarem, precisam pedir autorização (cujo prazo se extinguiu no último dia 1º). Precisam, ainda, depositar R$ 30 milhões a título de “outorga” (concessão ou autorização). Também haverá imposto de 15% sobre os ganhos de apostas.

Para o governo, o roubo e o estelionato viraram oportunidade para arrecadar mais e ajudar a cumprir a meta de déficit fiscal zero do Arcabouço Fiscal. As empresas, para pagarem essa outorga, se fundirão, o que já vem acontecendo, como a britânica Flutter, que comprou a Betnacional, entre outras. Além de roubar o povo, essa grana vai continuar jorrando para os grandes bilionários estrangeiros.

Isso sem contar a lavagem de dinheiro que esse tipo de negócio proporciona, além da corrupção, adulteração de jogos e todo o combo que vem com a jogatina, agora legalizada e à distância de um clique.

E o povo? O povo que se lasque. No capitalismo, a banca sempre ganha.

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