Nacional

As lições do apagão gaúcho

PSTU-RS

1 de fevereiro de 2024
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Fabiana Sanguiné, pré-candidata a prefeita de Porto Alegre pelo PSTU

Passadas duas semanas do novo episódio de caos que, no auge, deixou 1,314 milhão de pessoas sem luz, e praticamente o mesmo número sem água, além de 128 municípios sem conexão de telefonia e Internet, fica evidente a dimensão crescente das consequências do colapso ambiental provocada pela exploração predatória da natureza e a total ausência de políticas públicas de prevenção e de infraestrutura.

Como muitos dizem, são nas crises que tudo se revela.

Durante a pandemia do covid ficou evidente o decisivo papel que cumpriu o SUS público, apesar do seu violento sucateamento. E agora, com os “eventos climáticos extremos”, ficou nítida a falência da infraestrutura urbana, responsabilidade de todos os governos, agravada pela política de privatização dos serviços básicos, como o da distribuição de energia. Milhares de trabalhadores perderam alimentos, eletrodomésticos e medicamentos.

Temos que derrotar a política de privatizações. Mas, isto só irá ocorrer se as organizações dos trabalhadores e da juventude, e os partidos que se dizem contrários à política de privatizações, deixaremm de ter como centro a articulação de CPI´s (que sempre acabam em pizza) e levem uma campanha pela reestatização da CEEE para as ruas, mobilizando a população.

Equatorial é a cara do crime da política de privatização

A Equatorial pertence a um conjunto de fundos de investimentos (nacionais e internacionais) e a um fundo de pensão canadense. É controladora do setor elétrico em Alagoas, Amapá, Goiás, Maranhão, Pará e Piauí. No Rio Grande do Sul, arrematou a CEEE-D pelo valor simbólico de R$ 100 mil em 2021.

O governador Eduardo Leite (PSDB) foi o articulador do processo que vendeu para a iniciativa privada a CEEE GT (Geração e Transmissão) e a CEEE-D (Distribuição).

Um dos argumentos para a privatização era o passivo de R$ 4,4 bilhões em ICMS. Mas, pouco antes da privatização, esse passivo foi reduzido para R$ 1,7 bilhão e pagamento em 15 anos, assumindo o Estado a diferença.

Porém, o sucateamento da empresa já vinha de governos anteriores. No governo Antônio Britto (94-98) a CEEE “renunciou” a dois terços de sua distribuição para dar origem às então RGE e AES Sul, permanecendo com a estatal cerca de 80% do passivo acumulado.

Os graves problemas na prestação de serviço pela Equatorial não começam agora. Em outubro do ano passado foi multada em R$ 24 milhões pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs), que justificou a medida pela “baixa qualidade do serviço prestado”, “precariedade da manutenção das instalações”, “descumprimento de contrato”, “desrespeito às normas federais” e “insatisfação generalizada”.

A própria Agergs afirma “que um dos principais problemas verificados na fiscalização da CEEE Equatorial é referente à falta de capacitação técnica dos trabalhadores, a grande maioria terceirizados”. O uso de mão de obra terceirizada desqualificada, submetida a treinamentos inadequados e com falsificação de certificados foi apontado em auditoria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Outro órgão, o Ministério Público do Trabalho (MPT), que investigou as causas das mortes de dois trabalhadores de uma empresa terceirizada da Equatorial no ano de 2023, fala em “precarização deliberada” dos serviços por parte da Equatorial.

Segundo informações do Sindicato dos Eletricitários do RS, a CEEE tinha 2,5 mil funcionários e, logo após a privatização foram demitidos 1 mil, dentre os quais muitos eletricistas experientes, ocasionando queda na qualidade dos serviços.

O site da Aneel mostra que, no caso da Equatorial, o tempo que cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica foi de 15,27 horas em 2023, quando o limite era de 8,72 horas e o número de reclamações praticamente dobrou após a privatização.

E tudo isso acontece em razão da lógica de administração da empresa que só visa o lucro.

A hipocrisia dos governos e da grande imprensa

O escárnio da CEEE Equatorial foi tamanho que Leite e o prefeito Sebastião Melo (MDB) tiveram que vir a público questionar a empresa.

Pura hipocrisia! São os mesmos que estiveram à frente da privatização e não irão se enfrentar com os grandes acionistas da Equatorial. Apesar do descumprimento de várias cláusulas do contrato de concessão, não defendem a cassação da concessão.

Melo afirmou que repetiria seu voto favorável à privatização da CEEE por entender que “a empresa pública não prestava um serviço eficiente”.

Eduardo Leite se disse “desconfortável”, mas logo tirou o corpo fora afirmando que “não está na nossa alçada a revisão da concessão a Equatorial”, pois a concessão é federal.

O diretor geral da Anel declarou que não existe a possibilidade da agência retirar a concessão, pois “a concessão (da CEEE Equatorial) iniciou há dois anos e meio. Então, há necessidade de mais investimentos e vamos cobrar”.

A RBS, através do Jornal Zero Hora, afirma que “é cedo para dizer” que sem a privatização seria diferente.

Melo desmantelou o serviço de poda e fiscalização, e ainda quer privatizar o DMAE

A poda é essencial para evitar quedas sobre a fiação elétrica, casas, carros e pessoas e deve ser feita de forma que não se fragilize ainda mais a árvore e acabe sucumbindo com os ventos fortes. Além disso, o plantio de novas árvores deve levar em consideração as suas características, o local onde será plantada, se há espaço suficiente para o crescimento de raízes e se não afetará o entorno.

Ou seja, é um serviço especializado e necessário, mas o que temos visto por parte do governo Melo é o sucateamento desse serviço, com terceirizações e falta de investimento adequado.

As empresas terceirizadas só se preocupam em “apresentar resultados”, conforme denuncia a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Ganham por serviço executado, o que tem levado a um aumento de podas sem critérios técnicos, que acabam por fragilizar as árvores ou derrubá-las sem necessidade.

Isso sem falar na diminuição da fiscalização para que, preventivamente, se verifique o estado das árvores.

O resultado temos visto: centenas de árvores caídas e um prejuízo enorme para a população.

Outro serviço municipal essencial, o de água e esgoto, prestado pelo (DMAE) está com déficit de trabalhadores. Segundo informes do Sindicato dos Municiparios de POA “dos 3.632 cargos existentes no quadro da empresa, apenas 1.069 estão ocupados.” Ainda, relatório do Tribunal de Contas do Estado, aponta que “a ausência de reposição de pessoal no DMAE associa-se “ao aumento da ocorrência de falta d’água no município” e à “perda da qualificação técnica da autarquia e a sua desestruturação”, o que se associa à terceirização existente no Departamento.

Ou seja, está sucateando o DMAE para justificar a privatização e dar de mãos beijadas para a iniciativa privada.

É preciso impedir isso!

Para derrotar a política privatista também é necessário questionar o governo Lula

A ofensiva privatista nacional sobre as empresas estratégicas tem relação com a acentuada tendência de decadência do país, com o predomínio do parasitismo financeiro e desindustrialização. Enquanto os países imperialistas digladiam-se numa guerra econômica pelo controle das cadeias produtivas de alta tecnologia (chip’s, semicondutores, maquinaria, aeroespacial, química, etc.), a burguesia nacional e o Estado brasileiro submetem-se a ser meros fornecedores de matérias-primas ou, no máximo, montagem de produtos para grandes multinacionais. Condenam o país a distanciar-se cada vez mais das atividades produtivas de maior valor agregado e a um processo de decadência.

Por isso, existe uma voracidade ainda maior contra as estatais, necessitando sugar o máximo possível, inclusive o gerenciamento de unidades de saúde e escolas públicas. Os governos Melo e Leite são representantes diretos desta voracidade.

O governo Lula, embora com um discurso distinto, acaba viabilizando a mesma política. Nos governos petistas anteriores foram realizados leilões de transmissão e geração de energia. Em 2009, Lula realizou o leilão de energia eólica e, em 2010, da Usina de Belo Monte. Dilma leiloou linhas de transmissão e hidrelétricas, como a de Três Irmãos.

Isso sem falar na Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs), aprovada em 2006 durante o primeiro governo Lula que, assim como as terceirizações, são outra maneira de privatização e precarização do trabalho.

Quais os próximos passos?

Na semana passada, ocorreram manifestações espontâneas da população exigindo o retorno da luz e água. Algumas delas foram reprimidas pela PM, o que é um absurdo! Outros dois atos de rua foram convocados, um deles pela CSP-Conlutas.

A Associação das Pessoas Atingidas pelas Mudanças Climáticas (AMAC) lançou um abaixo-assinado pela reestatização da CEEE e o PSTU é parte dessa campanha. O abaixo-assinado é uma forma de pressão e deve se combinar com a organização da classe trabalhadora, da juventude, da população nos bairros para a realização de fortes mobilizações de rua. Não tem outro caminho a não ser a ação direta. Não podemos depositar as esperanças em CPIs feitas por parlamentares que foram a favor da privatização. Temos que ir à luta pela reestatização da CEEE e contra as privatizações que também seguem a nível municipal e federal.

Polícia reprime manifestação

É preciso exigir, também, da Equatorial e governos o ressarcimento de todos os prejuízos causados aos trabalhadores pela falta de energia.

Reestatização sob controle dos trabalhadores e usuários

O serviço de energia é estratégico e essencial. Não pode ser visto como mercadoria, nem ter como objetivo o lucro de meia dúzia de bilionários. Defendemos a reestatização da CEEE e que passe a ser controlada pelos trabalhadores e pelo povo pobre, que são os que mais sofrem com a falta de energia e o aumento da conta de luz.

Com empresa 100% estatal, sob controle operário e popular, seria possível reduzir tarifas, investir em manutenção, melhoria e expansão da rede, bem como garantir uma tarifa social mínima aos que ganham menos e isenção aos desempregados.

Ainda, o lucro poderia servir para garantir geradores no abastecimento de água, manter postos de saúde e hospitais abertos, assim como investir em fontes de energia alternativas (como a solar) para as residências onde as pessoas necessitem de respiradores ou medicação armazenada em geladeiras.

E essas decisões seriam tomadas pela população trabalhadora, organizada em comitês nos bairros, analisando as necessidades de cada região. Ou seja, bem diferente do que acontece hoje ou quando a empresa é administrada por burocratas indicados pelo governo.

Essa deveria ser uma prioridade dos governos, tanto Lula, como Eduardo Leite ou Melo, mas não fazem, pois governam com os grandes empresários, banqueiros e latifundiários, promovendo privatizações e terceirizações dos serviços.

Essas conquistas somente virão com a organização e mobilização independente da classe trabalhadora e com um novo tipo de governo, um governo socialista dos trabalhadores, baseados em conselhos populares que definam a destinação dos recursos.