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As duas catástrofes que destruíram o Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul foi vítima de duas catástrofes. Por um lado, as fortes inundações estão ligadas às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, impulsionado pela indústria capitalista, e que resultam em fenômenos climáticos extremos cada vez mais frequente e intensos. Por outro, o desastre “natural” ganhou maior volume e extensão em função da política neoliberal dos governos estaduais, municipais e, também, do governo federal, que fragilizaram o setor público e desmantelaram a legislação ambiental em favor do agronegócio

Redação

16 de maio de 2024
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A situação climática da Terra é alarmante. O ano de 2023 foi o mais quente já registrado na História. As temperaturas dos oceanos também foram as maiores (ver gráfico). São eles os grandes reguladores climáticos da Terra.

Tudo isso fez com que o El Niño de 2023-24 fosse um dos mais intensos já registrados desde o início dos levantamentos modernos, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Como se não bastasse, também de acordo com registros, a concentração atual de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera é a maior dos últimos 800 mil anos, somando 424 partes por milhão (ppm). Para efeito de comparação, em 1850, o nível de CO2 era de 280 ppm.

Ignorando a Ciência, dias piores virão!

Quase 80% dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) preveem pelo menos 2,5°C de aquecimento global, enquanto quase metade prevê pelo menos 3°C. Isso significa um futuro marcado por conflitos e migrações em massa, impulsionados por ondas de calor, incêndios florestais, inundações e tempestades. 

Tudo isto com intensidade e frequência muito superiores às que já ocorreram. Ou seja, estamos caminhando rapidamente para uma situação climática incontrolável que ameaça a civilização, mais especialmente os mais pobres e vulneráveis.  

A catástrofe no Rio Grande de Sul, infelizmente, não é um caso isolado. A elas se somam outras que ocorreram ao longo de 2023-2024, como as ondas de calor e incêndios florestais nos Estados Unidos, Canadá e no Chile; as enchentes torrenciais na cidade costeira de Derna, na Líbia, que matou mais de 10 mil pessoas; ou as inundações do Quênia, no final de abril, que mataram quase 200 pessoas.

Aquecimento foi produzido pelo capitalismo

Uma pesquisa realizada pela Genial/Quaest, divulgada no último dia 9, aponta que 64% da população entende que as mudanças climáticas causaram as enchentes no Rio Grande do Sul. Outros 30%, veem as mudanças climáticas como apenas uma das causas; e 1%, não identifica relação alguma.

Essa percepção da população é muito positiva. Mas, os trabalhadores precisam saber que a catástrofe climática não é uma vingança cega da natureza. É resultado da indústria capitalista e do consumo colossal de combustíveis fósseis, o sangue que corre nas artérias da acumulação do capital. Os principais responsáveis são os países imperialistas e suas burguesias, cujas indústrias são responsáveis por mais de 70% das emissões globais de carbono.

A responsabilidade do agronegócio

No Brasil, entretanto, o modelo de agricultura capitalista, o chamado agronegócio, é o principal responsável pelas emissões. Sozinho, o setor emitiu 75% dos gases de efeito estufa no país, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). 

Essa é uma expressão evidente da reprimarização econômica do país (retorno ao papel de exportador de matérias-primas e recursos naturais), com o crescimento do setor agromineral extrativista, sempre bancado por gordos incentivos estatais. Aliás, é esse setor que banca o negacionismo climático no Brasil, difundido pela ultradireita bolsonarista.

O agro também é a “vanguarda do atraso” no que se refere à ofensiva para destruir a legislação ambiental do país. A Bancada Ruralista é a responsável pelos 25 projetos de lei e as três propostas de emendas à Constituição que tramitam no Congresso brasileiro, conhecido como “Pacote da Destruição”. 

É preciso derrubar essas leis, organizar grandes mobilizações e enterrar a pauta do agro, antes que eles enterrem o país.

Catástrofe social

Austeridade fiscal, privatizações e ataques ao meio ambiente

A destruição fabricada por este sistema irracional, que é o capitalismo, está mostrando sua cara | Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Mas, por outro lado, temos uma catástrofe social produzida por décadas de neoliberalismo, austeridade fiscal e privatizações, que se combina mortalmente com a catástrofe climática. 

Esse coquetel mortífero foi chamado de “Capitalismo do Desastre” pela jornalista canadense Naomi Klein, depois que o Furacão Katrina devastou a cidade de Nova Orleans (Luisiana, no Sul dos EUA), em 2005. No Brasil, essa tem sido a receita de todos os governos. E há décadas.

O governo Eduardo Leite sabotou todo o sistema de prevenção e combate a desastres naturais, setor para o qual destinou minguados orçamentos. Para enfrentar os eventos climáticos, o governo destinou menos de 0,2% do orçamento total aprovado para 2024. Para a Defesa Civil, foram acrescentados míseros R$ 50 mil. 

Como consequência disto, todo aparato de prevenção e combate a desastres naturais estava desmontado justamente durante todo o período do El Niño, que sempre provoca grandes chuvas na região enquanto está ativo.  

Governador afrouxou leis ambientais para favorecer o agronegócio

Leite promoveu uma ofensiva contra as leis ambientais do estado. Em 2020, no seu primeiro mandato, ele aprovou, na Assembleia Legislativa, a Lei 15.434, que suprimiu e flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

No ano seguinte, o governo permitiu o autolicenciamento de grandes empreendimentos, por meio da emissão de Licença Ambiental por Compromisso (LAC). A medida permitiu que 49 atividades econômicas (31 delas com alto e médio potenciais poluidores) fossem autorizadas imediatamente, independente do seu porte. Dentre as atividades que conseguiram o autolicenciamento, destacam-se as usinas de concreto e de asfalto, a criação de bovinos semiconfinados e a silvicultura (“reflorestamento”, com pinus e eucalipto). 

O autolicenciamento é o sonho do agronegócio brasileiro, tornado realidade por Leite em seu estado. Funciona assim: se um capitalista quer produzir eucaliptos, ele não precisa fazer a solicitação ou se submeter à avaliação dos órgãos estatais de meio ambiente. Basta pagar uma empresa privada de consultoria ambiental, que “ateste” que seu negócio é sustentável.

O governo também ampliou o Zoneamento para a Atividade da Silvicultura no estado. E, mais recentemente, flexibilizou ainda mais a legislação ambiental, para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP), e, dessa forma, permitir o armazenamento de água para agricultura e pecuária.

Privatizações completaram o desastre

Todo o quadro piorou com as privatizações das empresas estatais. Mesmo antes da catástrofe, a piora dos serviços já era visível. Com a enchente, ficou comprovado que as privatizações aprofundaram o colapso. A empresa privada CEEE Equatorial, por exemplo, chegou a desligar a energia elétrica em uma casa de bombas, sem avisar a população nem o prefeito, o que obrigou a evacuação de moradores de dois bairros porque a água estava subindo. 

Reestatizar as empresas privatizadas do estado será absolutamente necessário para qualquer plano de reconstrução e de adaptação às mudanças climáticas. Do contrário, a população seguirá nas mãos de capitalistas inescrupulosos, que colocam o lucro acima das vidas.

Nenhuma reconstrução do estado é possível sem a revogação de todas essas leis que atacam o meio ambiente, além da reestatização imediata, sob o controle dos trabalhadores, das empresas privatizadas.

Zero investimento

Prefeito de Porto Alegre sabotou sistema de contenção de enchentes

Essa mesma cartilha de promoção da catástrofe social foi adotada pelo prefeito de Porto Alegre, o bolsonarista Sebastião Melo (MDB), e explica a falha do sistema de contenção de enchentes do Guaíba, formado por 18 casas de bombas, diques e o Muro Mauá. O sistema colapsou e apenas quatro casas de bombas estavam operando na cidade, no dia 7 de maio. Os diques de contenção também falharam e muitos cederam à força das águas.

A verdade é que o sistema estava totalmente sem manutenção, mesmo a prefeitura sabendo dos riscos de novas e torrenciais chuvas. Em 2023, a prefeitura não investiu um real sequer em prevenção a enchentes. Isto mesmo: investiu R$ 0. 

E quando o sistema colapsou e a cidade alagou, a prefeitura não tinha um “plano B”. Em caso de inundação, não havia um plano de contingência e de retirada de moradores.

“Compensação ambiental”

Prefeitura quer pagar R$ 1,7 milhão ao “Véio da Havan”

Mas, se a prefeitura destinou zero real para as enchentes, ela protagonizou um dos mais absurdos episódios de toda essa tragédia, ao tentar pagar R$ 1,7 milhão, como “compensação ambiental”, a uma loja da rede Havan, com recursos do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae). 

O plano da prefeitura era pagar, com dinheiro público, uma “compensação ambiental” a uma empresa privada que havia provocado, ela própria, o dano, ao instalar a empresa. De acordo com a legislação, é a empresa que deve pagar pela compensação ambiental decorrente de obras e nunca o contrário. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) proibiu que o prefeito pagasse Luciano Hang, o milionário e bolsonarista “Véio da Havan”, mas a administração havia dito que recorreria.

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