A tecnologia capitalista na contramão da jornada de trabalho, do emprego e da vida
Quem frequenta as grandes redes de supermercados ou viaja de ônibus, já deve ter se deparado com os caixas de autoatendimento, onde a pessoa passa as suas compras e efetua o pagamento, sem contar com os serviços de operadores de caixa. O supermercado Atacadão, do Grupo Carrefour, está aderindo a essa nova tecnologia.
Qual é o problema? Quando o supermercado ou qualquer outra empresa comercial ou industrial investe na aquisição de novas tecnologias do trabalho, tanto demite como intensifica o trabalho sobre aqueles que continuam trabalhando.
O Atacadão, na região sul da cidade de São Paulo, adquiriu seis caixas de autoatendimento, com uma única operadora para atendê-los: tirar dúvidas, passar os produtos que a máquina não ler o código de barras, etc. Na fila, os mais atentos observam que ela simplesmente não para, indo de um lado para o outro, atendendo aos clientes naquilo que as máquinas não conseguem.
Olhando a quantidade de caixas, se tudo correr bem, o mais provável é que apenas mais dois operadores ficarão no emprego, os demais serão demitidos. Enquanto isso, o supermercado vai continuar aumentando os seus lucros, gastando menos, conforme a lógica capitalista.
Superlucros
Somente as grandes redes comerciais podem investir nessa grande tecnologia. O Atacadão, por exemplo, se você entra no Google, ele aparece como parte do maior grupo da bandeira de atacarejo, que é o Carrefour, com mais de 200 lojas em todo o país. Para ter uma ideia, somente o Grupo Carrefour lucrou R$74,47 bilhões em 2023, ficando em primeiro lugar no ranking. A maioria dos trabalhadores comerciários de São Paulo recebem entre R$1.800 a R$2.000 de salário mensal.
Em segundo lugar, o Assaí Atacadista com R$59,7 bilhões. Rede criada em São Paulo, atualmente tem lojas em 24 estados e no Distrito Federal. Até 2021 pertenceu ao Grupo Pão de Açúcar (GPA), depois passou a ser controlado pelo grupo francês Casino, até vender suas ações no chamado “True Corporation” na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e na Bolsa de Nova York (NYPE).
Em terceiro lugar, encontra-se o Grupo Mateus, do Maranhão, como 112 lojas em oito dos nove estados do Nordeste e no Pará, região norte do Brasil, com lucro de R$24 bilhões, segundo informações da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).
Esses grupos têm lucros exorbitantes, que na sua maioria, como você pode observar, vai para fora do país para as mãos de grupos econômicos que controlam as redes de distribuição de alimentos, investem em alta tecnologia, não para facilitar o trabalho e a vida dos trabalhadores, ao contrário.
Superexploração
Esses grupos de grandes empresários, organizados por empresas, se apropriam do conhecimento acumulado durante séculos pelos trabalhadores e utilizam contra a vida da classe trabalhadora. Toda tecnologia existente é fruto da experiência nos locais de trabalho realizados por milhões de trabalhadores ao redor do planeta. Toda essa tecnologia se volta contra a classe trabalhadora, porque esses grupos têm um único objetivo: lucrar.
A tecnologia é a maneira pela qual o trabalho é realizado de forma mais simples e mais rápida. Com a avidez de lucro pelos capitalistas isso se torna uma fonte de muita riqueza apropriada de forma rápida e sem que a maioria desses empresários/acionistas sequer tenham entrado num supermercado. Recebem sem trabalhar um volume de dinheiro absurdo, resultado do trabalho suado dos comerciários e dos clientes, maioria da classe trabalhadora, que deixam nessas redes de supermercados grande parte dos seus salários.
Os trabalhadores desses mesmo grupos são demitidos. Aqueles que ficam empregados, não trabalham menos. Ao contrário, a tendência é trabalhar mais. E, com a utilização de tecnologias avançadas, somente um vai trabalhar por seis, enquanto cinco são demitidos, como no caso do Atacadão.
Desse jeito é impossível acabar com o desemprego e aumentar os salários. Pois com o alto número de desempregados, os salários baixam, já que aumenta a concorrência entre os trabalhadores procurando trabalho.
Reduzir a jornada para gerar mais empregos
Frente a isso tem saída? Sim. Diminuir a jornada de trabalho, sem diminuir os salários.
Se aumentou a tecnologia, que permite a realização do trabalho mais rápido e mais fácil, para que a classe trabalhadora se mantenha trabalhando é preciso diminuir a jornada de trabalho, mantendo os salários e gerando mais empregos.
E aqui começa a confusão. Durante séculos os trabalhadores do mundo inteiro lutam pela redução da jornada de trabalho no capitalismo. A maior delas, que se alastrou internacionalmente, foi no século 19 e que até hoje nos beneficiamos dela: a jornada de 8 horas diária. Que os patrões vivem aumentando para 10, 12, 14 através de horas extras e de banco de horas. Ao longo desses quase dois séculos a tecnologia só aumentou, mas a jornada de trabalho não diminuiu. Ao contrário, em muitos casos aumentou. Isso tem aumentado muito o desemprego, e quando o reduz, é muito pouco. Nunca no sentido de erradicar.
São 8,3 milhões de desempregados que manteve estável no último trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e um dos menores de 2015 até aqui. Os economistas burgueses e os telejornais falam disso como uma grande conquista, o que é um absurdo. Mas o número real é bem maior, porque o método de contagem dos desempregados, por esse instituto governamental, é de apenas quem está procurando emprego na semana da pesquisa. Não entra nessa conta quem fez um “bico” naquela semana, quem não procurou trabalho e quem está na informalidade. E mesmo assim, o número é alarmante.
Em décadas atrás, os sindicatos reivindicavam e lutavam muito pela redução da jornada de trabalho. Tanto é assim que a Constituição Brasileira de 1988 reduziu de 48h para 44h a jornada de trabalho no país.
Atualmente, as centrais sindicais até falam, algumas categorias até reivindicam nas suas pautas durante as campanhas salariais, mas não existe o debate e o estímulo à organização de uma luta unificada, isso porque a maioria das centrais abraçaram a política patronal do banco de horas. E esse banco de horas, que atualmente a maioria dos trabalhadores são obrigados a fazer, fica a encargo da empresa definir o dia que o trabalhador será liberado do trabalho e, geralmente, esse banco de hora nunca zera.
Leia da Terceirização e reforma Trabalhista
A Lei da Terceirização, combinada com a reforma Trabalhista, abriu as portas para as leis dos contratos temporários e intermitentes, que além de condenar a classe trabalhadora a jornadas longas e exaustivas, retiram dela também direitos importantes como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e férias.
Ou seja, aumentam as tecnologias e ao invés de diminuição da jornada e ampliação dos direitos trabalhistas, o efeito é contrário. Mantém juridicamente a jornada de trabalho de 8 horas/dia ou 44h semanal, mas essa jornada aumenta através do banco de horas, mediante a chantagem de demissão.
Todos os direitos foram e continuam sendo retirados pelo Estado, por iniciativas dos governos de plantão (antes foi Bolsonaro e agora é Lula), do Congresso Nacional ou da Justiça, a pedidos e lobbies geralmente regados a muito dinheiro e vantagens, nessa troca de favores entre o Estado e empresas, nunca em favor dos trabalhadores. Quando os trabalhadores conseguem que alguma das suas reivindicações vire lei é sempre através de muitas lutas grandiosas e coletivas.
Longas jornadas atentam contra a vida
O relatório do estudo, divulgado em 2021, realizado conjuntamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT), revela que o número de trabalhadores sujeitos a longas jornadas de trabalho aumentou em 9% ao redor do mundo. Esse estudo abrangeu níveis global, regional e nacional baseados nos dados coletados em154 países, dentre eles, o Brasil. Diz o relatório:
“A disseminação do teletrabalho, as novas tecnologias de informação e comunicação e o aumento dos empregos flexíveis, temporários ou autônomos têm aumentado a tendência para trabalhar longas horas. Também levou à uma indefinição dos limites entre o tempo de trabalho e os períodos de descanso”.
O relatório também informa que quase 2 milhões de trabalhadores morreram por causa das longas jornadas de trabalho. Exceder o limite de 40h semanais com frequência pode gerar problemas fatais. No Brasil, oficialmente, a jornada é de 44h semanais. Mas na prática, principalmente para os trabalhadores do comércio, de serviços e também na indústria, essa jornada é sempre maior.
As doenças pela exposição a agentes nocivos à saúde, em locais insalubres e periculosos, e as jornadas extensas, associadas as dificuldades para o tratamento da saúde dos trabalhadores tem levado milhões a incapacitação e a morte com uma variedade cada vez maior de doenças, que vão do câncer, Acidente Vascular Cerebral (AVC), aos transtornos emocionais causados pela fadiga, stress, incertezas, etc.
Todos os setores investiram em novas tecnologias nas últimas décadas, até porque é uma condição para a burguesia de manter a concorrência do mercado capitalista. Enquanto isso, mantém as jornadas antigas e retiram direitos sob a alegação de que a legislação trabalhista e encargos sociais engessam a concorrência, prejudicam a oferta de emprego e geram prejuízos para a economia, e o investimento em saúde é visto pela burguesia como um gasto desnecessário. Essa ladainha é repetida como um mantra tendo um único objetivo: cortar custos e lucrar mais.
Experiência da redução da jornada de trabalho
Na Islândia, país situado no continente europeu, reduziu a jornada de trabalho de 40 para 36 horas em quatro dias semanais desde 2019 e sem redução dos salários. O Reino Unido fez uma experiência, entre junho e dezembro de 2022 com 61 empresas abarcando quase 3 mil trabalhadores de vários setores, através do projeto 4 Day Week Global (Semana de Quatro Dias Global, em tradução livre), óbvio que com incentivos financeiros do Estado. O resultado foi avaliado como positivo pelas empresas porque gastou menos e aumentou a lucratividade e os trabalhadores mais descansados produziram mais e tiveram mais tempo para a vida social e menos adoecimento.
Atualmente existem alguns países que começaram a adoção da jornada de quatro dia com jornada diária reduzida de 40 para 35 a 38h por algumas empresas no Japão, Portugal, Escócia, Alemanha, bélgica, Reino Unido, Espanha, Islândia Nova Zelândia.
No Brasil existe um movimento pelo fim do 6X1: ‘Pela Vida Além do Trabalho’ – o movimento VAT, que surgiu a partir da denúncia de um trabalhador – de uma farmácia – através de suas redes sociais, revoltado com a sua chefia por tê-lo convocado para o trabalho no seu único dia de folga.
O seu desabafo viralizou nas redes porque encontrou audiência entre os trabalhadores que vivem essa mesma realidade, se manifestaram e ao mesmo tempo organizaram uma petição endereçada ao Congresso Nacional exigindo o fim dos 6×1.
“Eu percebi que a gente precisaria de um movimento trabalhista organizado. Para isso então surge o VAT, que tem como primeira pauta o fim da escala 6×1, mas é um movimento que busca futuramente lutar por outras questões também”, diz Rick na entrevista à Revista Fórum, em 26/02/24. De acordo com a revista, ara Rick, “essa escala faz parte do pensamento escravista dos empresários brasileiros que acham que o trabalhador é pior que uma máquina”.
Avançar na luta com independência de classe
Dez centrais sindicais governista organizaram uma Conferência Nacional da Classe Trabalhadora. Uma verdadeira farsa, pois para muito além da reivindicação da jornada de trabalho, nela foi aprovado o apoio à candidatura de Lula tendo Geraldo Alckmin como seu vice, um burguês neoliberal. Essa era uma condição para a participar da Conferência.
A CSP-Conlutas, que não aceitou a condição por teimar em manter-se independente dos governos, foi excluída.
Devido ao governismo da Conferência, a reivindicação pela redução da jornada de trabalho virou letra morta, já que a maior preocupação das organizações sindicais, que dela participaram, continua sendo a defesa do governo Lula/Alckmin, com a justificativa de que a ultradireita bolsonarista não volte a condução do Estado. Mas, como estamos vendo, o governo Lula/Alckmin, com a cumplicidade e omissão dos movimentos sindical e social, mantém intacta as bases de sustentação dos bolsonaristas.
O capitalismo mata! Morte ao capitalismo!
Agora pensemos. Se com toda tecnologia existente no momento, países imperialistas conseguem reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário e mesmo assim elevar as suas taxas de lucros em 30%, quantas horas de trabalho semanal seriam necessárias para garantir trabalho e produzir tudo o que a sociedade precisa para sobreviver sem ter que garantir lucros?
Pois é… certamente bem menos que 4 dias ou 36h semanais.
Qual é a grande dificuldade em reorganizar o trabalho de maneira que todos os trabalhadores em idade produtiva possam trabalhar? Porque não interessa à burguesia e ao seu Estado a redução dos seus lucros e privilégios.
Ter a jornada de trabalho regulamentada em lei é muito importante. Mas ela não é suficiente para impedir que os patrões aumentem a jornada por outras vias, como horas extras e banco de horas. Quem pode barrar os patrões para não fazer horas extras é somente os trabalhadores organizados nos seus locais de trabalho.
Numa sociedade socialista, as regras e as leis que vão regulamentar a jornadas e os dias de trabalho serão debatidas e organizadas pelos trabalhadores, de acordo com a tecnologias disponíveis e as necessidades existentes. Para isso, precisam estarem organizados para definirem quais as leis e quais as regras.
E o Estado? Precisamos construir o nosso Estado e, através dele, criar as nossas próprias regras de organização da sociedade do trabalho e da distribuição de tudo, inclusive dos alimentos. Vamos acabar com a farra da propriedade privada, onde seus donos, através do seu Estado, têm nos feito marchar como um exército de condenados à fome, à doença e à morte.
Precisamos trabalhar e ter vida além do trabalho. Para isso precisamos destruir com o capitalismo e construir o socialismo. Até lá, temos que nos organizar para enfrentar os capitalistas, os super-ricos, que nos exploram. Expropriar suas propriedades e tomar seus lucros, que foram construídos com o suor e a força de trabalho da classe trabalhadora.
É isso que nós do PSTU queremos conversar com você. Debater uma saída aos nossos problemas apontando a necessidade da construção de uma outra sociedade, uma sociedade igualitária, sem desemprego, sem fome, sem miséria, com a riqueza produzida sendo dividida entre todos os que trabalham: uma sociedade socialista.
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