Lutas

A greve e o projeto de Lula e da burguesia para o ensino superior

Eduardo Zanata, de Brasília (DF)

20 de junho de 2024
star4.95 (20 avaliações)
Servidores federais protestam em Brasília contra reajuste zero Foto CSP-Conlutas

A greve da Educação Federal, que completou três meses, é expressão de uma poderosa rebelião de base contra a decadência dos serviços públicos e das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). De 2013 a 2023, estas instituições tiveram suas verbas congeladas e, com a inflação do período, acumularam uma perda de 55% das verbas para manutenção.

Além disso, desde 2010, a perda salarial das categorias da Educação Federal chega a mais de 50%, no caso dos técnicos administrativos, e mais de 40%, entre os docentes. Um quadro agravado por Bolsonaro, que não concedeu nenhum reajuste aos servidores.

Arrocho salarial, sobrecarga e precarização

A situação se tornou insuportável. O piso salarial de um técnico-administrativo é de R$ 1.446,00 e grande parte deles não ganha mais do que dois salários-mínimos. Há uma evasão enorme dos trabalhadores e trabalhadoras para outras carreiras e mesmo para o setor privado, gerando uma sobrecarga para quem permanece.

Além disso, esse processo se combina com a ampliação da terceirização nos serviços públicos, que traz uma série de consequências negativas. Os terceirizados trabalham sob condições precárias, são vítimas de empresas que constantemente dão calote e recebem salários ainda mais rebaixados. A alta rotatividade imposta pelas empresas, com as demissões, não consegue garantir a continuidade e a qualidade dos serviços. E, por último, os contratos de licitação são uma grande fonte de corrupção e desvio de dinheiro público.

Revolta

Uma rebelião de base que atropelou as direções governistas

A greve só se concretizou porque as bases das categorias atropelaram as direções governistas, ligadas ao PT, PSOL, PCdoB, UP e PCB. Desde o início da mobilização, as direções do Andes-SN, Fasubra, Sinasefe e Proifes (que representam, respectivamente, docentes, técnicos-administrativos e servidores das instituições técnicas e tecnológicas) apostaram nas mesas de negociação e fizeram todo tipo de manobras para tentar impedir e adiar a greve.

Quando a greve começou, com força nos técnicos administrativos e contagiando os docentes das Universidades e Institutos Federais, as direções dessas entidades agitavam que a greve seria rápida, pois o governo estava aberto a atender as reivindicações.

Mas, o governo não cedeu e a greve se estendeu. Na medida que o governo foi se mostrando inflexível e apresentou propostas muito rebaixadas (0% em 2024; 9%, em 2025; e 3,5%, em 2026) a indignação e a revolta foram aumentando e, também, se massificaram palavras de ordem contra o governo Lula.

Burocracias sindicais acatam “ordem” de Lula

A resposta da burocracia governista que dirige as entidades foi pedir para que Lula assumisse diretamente as negociações. Não se cansaram de falar que “a greve não era contra o Lula” e defendiam que ela não poderia se prolongar “para não fortalecer a ultradireita”. Mas, isso veio abaixo quando Lula, durante o lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) da Educação, atacou a greve e “ordenou” as direções a acabarem com ela.

Lula, com uma prática absolutamente autoritária e antissindical, tentou impor a sua proposta contra a decisão esmagadora da maioria das assembleias. Para isso, Lula assinou um acordo com o Proifes, uma entidade de papel, controlada pela CUT, que decidiu assinar o acordo contra a decisão de suas assembleias de base.

A preocupação destes dirigentes em preservar o governo mais do que os interesses dos trabalhadores que representam ficou nítida não apenas na vacilação e demora para a deflagração da greve. Mas também no esforço que fazem há semanas para desmontar a greve, independentemente do fôlego que ela ainda possa ter neste momento

Diante disto, os servidores públicos precisam assumir a luta para construir novas direções para as entidades, permitindo a construção de uma mobilização unificada, para derrotar a política fiscal de Lula e o arrocho salarial.

Conta

Sucateamento afeta diretamente os estudantes

A situação de perdas orçamentárias tem consequências para os estudantes das IFES. O “Censo da Educação Superior”, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2022, aponta que a evasão no ensino superior público é de 52%. Ou seja, menos da metade dos que ingressam nas universidades concluem o curso. Parte dessa evasão tem relação com a precariedade da assistência estudantil.

Em 2023, o Ministério da Educação (MEC) disponibilizou apenas 10 mil bolsas-permanências, no valor de R$1.400. Mas, o programa abarca menos de 1% dos universitários. Além disso, a falta de verbas tem levado ao fechamento dos bandejões, das bibliotecas, das casas-do-estudante e, também, tem impossibilitado a ampliação dos serviços para garantir a manutenção dos estudantes de baixa renda.

Recentemente, o Senado aprovou o PL 5395, que cria a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), e, no momento, aguarda sanção presidencial. Caso sancionado, o Estado vai conceder bolsas a partir de R$ 300 a estudantes de baixa renda das IFES, um valor extremamente baixo, que não garante a permanência. Ao contrário do que diz a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as correntes governistas do movimento estudantil, o projeto não vai mudar a falta de investimentos na assistência estudantil.

Austeridade

Arcabouço Fiscal vai manter as IFES em situação de precariedade

Todo este quadro de sucateamento não deve ser alterado pelo governo Lula. Sua política fiscal é neoliberal. Inicialmente, a Lei Orçamentária de 2024 previa um corte de mais de R$ 300 milhões no orçamento das IFES. Recentemente, Lula anunciou a recomposição de R$ 700 milhões desse orçamento, mas esse valor não garante nem 30% dos R$ 2,5 bilhões que foram solicitados pela Associação Nacional dos Dirigentes das IFES (Andifes), para conseguir garantir o funcionamento das instituições em 2024.

Lula também anunciou o “PAC da Educação”, com a promessa de R$ 5,5 bilhões em investimentos na Educação Federal nos próximos anos. O programa prevê a abertura de 10 novos campi e oito hospitais universitários. A medida até parece bastante progressiva, mas está muito mais voltada a atender a necessidade de aquecer o setor da construção civil, com um conjunto de obras públicas, do que a atender as necessidades do ensino superior público.

Além disso, o valor do “PAC da Educação” representa o mesmo montante que é pago em apenas um dia, pela União, da dívida pública, que nunca foi auditada. Representa 1% do montante de isenções fiscais garantidas por Lula, em 2023, às grandes empresas, num total de R$ 519 bilhões. Somente as isenções fiscais cedidas às grandes empresas no ano passado resultam num montante quatro vezes maior do que todo o orçamento da Educação para 2024.

Mas, esse cenário de arrocho fiscal deve piorar ainda mais diante da política de Lula/Haddad de limitar o crescimento dos fundos constitucionais para Saúde e Educação a 2,5%, atrelando o valor de crescimento desses fundos ao Arcabouço Fiscal.

Novo ataque

Lula prepara nova Reforma Administrativa, ampliando a terceirização e a privatização dos serviços públicos

 

Ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck

A Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dwek, já declarou publicamente que quer enxugar as carreiras do serviço público federal, através de uma nova proposta de Reforma Administrativa.

Segundo o Secretário Extraordinário para a Transformação do Estado, Francisco Gaetani, dentre outros objetivos, esta medida implicaria em: reduzir os salários iniciais dos novos servidores públicos, para ficarem mais próximos do que se pratica na iniciativa privada; abrir a possibilidade de contratações de servidores por regime celetista, em vez de fazê-las pelo Regime Jurídico Único, o que afetará principalmente a aposentadoria desse setor; ampliar os prazos de contratação de servidores em contrato temporário; extinguir a maior parte dos cargos de nível médio e preenchê-los com empresas terceirizadas.

Muito do que o governo quer fazer com a nova Reforma Administrativa, as IFES já experimentaram, na prática, com a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), por Dilma Rousseff, em 2011.

O objetivo da criação da EBSERH era reduzir os custos com os Hospitais Universitários (HUs) que, em relação a outros hospitais, tinham um custo por paciente mais elevado, justamente porque integravam pesquisa, formação profissional e realizam procedimentos de alta complexidade. A EBSERH tira a União como única fonte de financiamento e permite que os HUs recebam recursos do setor privado, em troca de serviços prestados aos planos de saúde, às clínicas e às empresas privadas do setor.

O resultado é que houve redução de serviços de alta e média complexidade, realizados pelos HUs; redução das verbas destinadas à pesquisa à saúde nos hospitais; aumento nos processos de contratação temporária e redução do número de leitos hospitalares, em 8%, entre 2012 a 2022.

Mais dependência

Projeto de Lula é seguir impulsionando o crescimento das instituições privadas

Atualmente, em todo o país, há cerca de 7,3 milhões de estudantes matriculados nas instituições privadas de ensino superior; enquanto nas instituições públicas são um pouco mais de 2 milhões. Segundo um levantamento do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), 23% das matrículas no setor privado se concentram em apenas quatro empresas privadas, resultado do crescimento dos monopólios privados no setor.

Tal crescimento está relacionado a um conjunto de medidas criado ou aperfeiçoado pelos governos de Lula, que criou o Programa Universidade Para Todos (Prouni), em 2004, e promoveu a expansão do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado por FHC, em 1999. A justificativa era ampliar o acesso da população de baixa renda ao ensino superior. Mas, na verdade, o grande objetivo foi salvar os grupos privados de ensino superior, que viviam uma crise naquele período.

Os cursos oferecidos por essas instituições privadas de ensino, de maneira geral, são de péssima qualidade e não têm nenhum tipo de integração com a pesquisa e a extensão. O objetivo desses grupos educacionais é o lucro e não a produção científica, que se concentra nas instituições públicas de ensino superior, responsáveis por mais de 90% da produção científica do país. Ou seja, essa deveria ser a base para um desenvolvimento científico que estivesse a serviço de um projeto soberano e de bem-estar social.

Lutar para que a Educação não continue sendo uma mercadoria

A expansão do ensino superior e o estrangulamento do orçamento das instituições públicas aumentam a dependência tecnológica e científica do país e nos colocam na dependência das nações imperialistas. Algo que se combina com a processo de reprimarização da economia e desindustrialização relativa, que se aprofundaram nas últimas décadas.

Para reverter essa lógica mercadológica, é preciso estatizar, sem indenização, os grandes grupos empresariais da Educação e incorporá-los à rede federal. Temos que acabar com o repasse de dinheiro público ao setor privado e redirecionar essas verbas para garantir a expansão da rede pública, com o objetivo de ampliar a capacidade de produção científica do país.

A defesa de uma educação pública e gratuita, de qualidade e para todos, implica romper com a conciliação com os bancos e grandes empresários, e acabar com os privilégios que esse setor desfruta nessa sociedade. Tarefa que só será assumida por um governo socialista dos trabalhadores que abra caminho para o socialismo.