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A farsa de Pablo Marçal: um candidato do jeito que o sistema gosta

Deyvis Barros, de São Paulo (SP)

30 de agosto de 2024
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Pablo Marçal bagunçou o cenário eleitoral na cidade de São Paulo ao surgir como um outsider que avançou de 7% nas intenções de voto em maio para 21% (empatado em primeiro com Boulos e Nunes) em agosto.

A campanha de Nunes, atual prefeito da cidade e candidato de Bolsonaro, anda na corda bamba: precisa do eleitorado do ex-presidente, mas teme herdar sua rejeição. Esse equilíbrio que Nunes construiu já era bastante delicado. e agora entra em crise com o aparecimento de Pablo Marçal, que cresceu e já é maioria entre o eleitorado bolsonarista.

As duas candidaturas (de Pablo Marçal e Ricardo Nunes), com suas diferenças, são parte desse fenômeno de extrema direita e defendem ambas um projeto reacionário para a cidade de São Paulo. A especificidade de Marçal é esse uso e abuso do discurso ideológico de direita que marcou o bolsonarimo.

Diante desse cenário, é preciso construir uma alternativa socialista e revolucionária, que enfrente com independência de classe a extrema direita em São Paulo.

Existe algo de antissistema em Pablo Marçal?

Marçal constrói um perfil que lembra o Bolsonaro de 2018, se apresentando como uma candidatura “contra o sistema” e “contra todos, com o apoio de Deus e do povo”, que enfrenta inimigos “comunistas”, associando o comunismo a todos que estão contra ele, desde o Boulos, Tábata até a imprensa e o STF. Não se trata de nenhuma grande inovação do coach-empresário. Políticos como Bolsonaro, Trump, Milei também se constituíram como figuras da extrema direita se apresentando como “contra tudo que está aí”.

Diante da crise e fracasso da democracia burguesa em atender aos interesses dos trabalhadores e do povo pobre, buscaram capturar a justa insatisfação popular em uma suposta “guerra cultural” contra o “comunismo” que estaria destruindo os valores da sociedade. Essa batalha ideológica vem acompanhada de uma política econômica e social profundamente anti-povo e de subordinação ao imperialismo.

Vejamos. Contra qual sistema seria Pablo Marçal? O capitalismo com certeza não é. Recentemente um grande empresário do agronegócio, Helio Seibel, fez uma doação oficial de R$ 100 mil para sua campanha. Qual interesse teria um bilionário em um candidato antissistema?

Um artigo recente de Andreza Matais, Colunista do UOL, dizia que: “A Faria Lima vai esconder a predileção, mas em rodas fechadas empresários estão ‘encantados’ com Pablo Marçal, segundo lideranças políticas e empresários com quem conversei nos últimos dois dias. (…) Ninguém acredita que Marçal é uma boa pessoa, mas apostam que ele defende o empresariado e que seu jeito “deixa que eu resolvo” pode ser uma solução para a cidade. (…) Nesta terça-feira (27), terá um jantar na casa de Marçal para empresários. A coluna apurou que entre os convidados estão representantes de bancos”.

Um político contra os sistema almoçando com banqueiros? Recebendo grandes doações de latifundiários? Ganhando simpatia dos parasitas da Faria Lima? A verdade é que uma parte da burguesia que apoiou Bolsonaro, particularmente ligados ao mercado financeiro e ao agronegócio, começam a olhar com bons olhos para Marçal. Esses são parte dos donos do sistema que domina a sociedade contra o povo trabalhador.

Pablo Marçal não só é um candidato burguês, parte do sistema, como está aliado a setores burgueses ligados ao mundo do crime. Existe uma longa lista de acusações contra Marçal, seus aliados e membros do seu partido, que vão desde envolvimento com o PCC, golpes nas aposentadorias de idosos, assaltos a banco e uma série de ilegalidades.

Pablo Marçal não tem nada a oferecer ao povo trabalhador. Responsabiliza os próprios trabalhadores por sua situação de vida e defende o esforço individual como saída para a melhora, desobrigando o governo de ter políticas sociais.

Defende como projeto de governo mais privatização, menos direitos e serviços públicos mais precários, maquiados com uma aparência de progresso e tecnologia. Para o povo trabalhador defende privatização da saúde, educação, da Sabesp; o aumento do efetivo e uma GCM violenta contra a população pobre e negra da periferia da cidade; precarização do acesso à saúde com implantação de teleatendimento, além de trazer para sua equipe um médico que defendeu o uso de cloroquina para tratar a Covid-19 e duvida da eficácia de vacinas; e para os professores defende um sistema de remuneração ligadas a resultados, que sempre é aplicada no sentido de aumentar ainda mais a sobrecarga dos profissionais e a pressão contra aqueles que realizam mobilizações.

Pablo Marçal, Bolsonaro e a extrema direita são a cara feia de um sistema em decadência e crise. Não a sua superação, mas a sua afirmação mais violenta e reacionária.

Disputa ideológica: empreendedorismo, individualismo liberal e conservadorismo nos costumes

A extrema direita (e Pablo Marçal, seguindo à risca a sua cartilha) busca, além de ganhar votos para assumir o controle político do aparato de Estado, também ganhar ideologicamente os trabalhadores para sua suposta guerra cultural contra o comunismo.

A defesa do individualismo liberal, do empreendedorismo e do conservadorismo em questão de costumes é parte dessa batalha ideológica e tem um conteúdo reacionário. Pablo Marçal é profissional nesse discurso, parte da sua fortuna foi construída tentando convencer pessoas de que com esforço individual e empreendedorismo, todos podem ser milionários.

A classe trabalhadora brasileira passou por um profundo processo de precarização e flexibilização nas últimas décadas, que são um terreno fértil para a defesa de ideologias individualistas como o empreendedorismo e a meritocracia. Uma classe trabalhadora com cada vez menos direitos e uma pequena burguesia/classe média que tem uma piora em suas condições de vida e são disputadas por um discurso que amplia a opressão e encontra um inimigo para culpar não na burguesia, mas dentro da própria classe e dos setores oprimidos (imigrantes, indígenas, LGBTIs, etc).

Quando assume sem problemas que é um ricaço e diz para os trabalhadores da cidade que eles “podem chegar lá”, Marçal busca ganhar ideologicamente a classe para uma visão de que ela pode ser beneficiada com os governos dos capitalistas.

O discurso conservador normalmente se apoia em valores religiosos e liberais de família e liberdade. Mas escondem atrás de si, não a defesa da liberdade religiosa como uma prática individual. Mas a defesa de que a fé cristã seja assumida como assunto de Estado e para formulação de políticas públicas, ampliando a opressão sobre setores como mulheres, negros e LGBTIs. É possível contar aos bocados as atitudes e declarações de Marçal que vão nesse sentido. O candidato já falou que Tábata Amaral não saberia gerir a cidade porque não é casada e não tem filhos, reproduzindo um discurso machista sobre o lugar da mulher na família. Ao influenciador Carlinhos Maia, que é declaradamente homossexual, Marçal afirmou que os gays não vão entrar no reino dos céus.

Marçal não pretende deixar sua visão preconceituosa de origem religiosa como assunto privado, mas sim transformá-la em política de governo. É possível perceber isso por sua crítica ao ensino da teoria da evolução nas escolas e a defesa da incorporação do ensino da teoria anticientífica do criacionismo. Suas críticas ao direito ao aborto certamente se converterão em mais ataques à esse direito legal nos hospitais públicos de São Paulo.

Quando Marçal e a direita conservadora falam da defesa da família eles não se referem à melhora das condições de vida de mulheres e homens da classe trabalhadora e seus filhos e nem à defesa de todas as formas de família. Afinal, como poderia fazer isso, se acumulou riqueza dando golpes na aposentadoria de idosos, muitos avós que trabalharam a vida inteira e precisam viver com um valor inferior ao salário que recebiam antes de se aposentarem?

A necessidade de uma alternativa socialista e revolucionária

Em uma situação em que milhões de trabalhadores estão desesperados pela piora das condições de vida e desiludidos com essa democracia a serviço dos ricos, o discurso de Marçal aparenta radicalidade, mas assim como fez Bolsonaro, caso seja eleito, será a aplicação de um projeto radical contra os trabalhadores em defesa dos grandes empresários, banqueiros e latifundiários.

É preciso combatê-lo como a face mais reacionária entre os diferentes projetos capitalistas que se apresentam nas eleições.

Guilherme Boulos, que se apresenta como uma alternativa eleitoral ao bolsonarismo, na medida em que a direita se radicaliza, se torna um defensor ainda mais ferrenho dessa democracia a serviço dos ricos que, com razão, é vista com rechaço pela população. Alem disso, assume em seu programa de governo uma série de compromissos com governabilidade capitalista, como a defesa da manutenção das privatizações nos serviços públicos e do fortalecimento do aparato repressivo do município.

Não existe como parar o desenvolvimento da extrema direita em São Paulo e no Brasil, sem um projeto revolucionário que ataque a raiz do problema, enfrentando os bilionários capitalistas. Um projeto de conciliação com a burguesia, que se agarre às instituições dessa democracia falida pode derrotar eleitoralmente a extrema-direita, mas não só não a destrói como permite seu ressurgimento mais forte, como tem demonstrado a história recente da política nacional.

O PSTU se apresenta nessas eleições em São Paulo com a candidatura de Altino Prazeres e Silvana Garcia, dois lutadores que construíram sua história enfrentando a burguesia, a direita e os projetos de conciliação de classes. Altino chegou a ser demitido político pelo governo Tarcísio por enfrentar os seus projetos, Silvana é uma anistiada política por ter sido perseguida pelos militares durante a ditadura. Nossa candidatura visa fortalecer uma alternativa revolucionária e socialista para São Paulo e o país que enfrente os bilionários e seus diferentes projetos capitalistas para que o povo trabalhador tenha vez e voz.

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