A candidatura de Boulos (PSOL) nessas eleições: Que caminho para “recuperar a dignidade da esquerda“?
Passado o segundo turno das eleições municipais, iniciam-se as análises dos seus resultados. Guilherme Boulos, reconhecendo a derrota eleitoral, afirmou que a campanha teria sido politicamente vitoriosa porque a esquerda recuperou a sua dignidade. Mas num amplo setor de ativistas que apoiou a sua candidatura, esse discurso não pegou, o sentimento é também de derrota política.
No segundo turno, o PSTU chamou o voto crítico em Boulos por considerar importante discutir com a classe trabalhadora a necessidade de derrotar eleitoralmente o bolsonarismo, representado por Ricardo Nunes. Ao mesmo tempo, criticamos o projeto apresentado pelo PSOL e apontavamos os limites da candidatura de Boulos, que fazia cada vez mais concessões programáticas para disputar uma base eleitoral do centro, ou até a base eleitoral de Marçal, supostamente antissistema.
Em nome de garantir viabilidade eleitoral para derrotar a extrema direita, Boulos aceitou abrir mão de reividicações importantes dos movimentos sociais, como a defesa do aborto legal, seguro e gratuito; a luta contra o genocídio negro na periferia; a luta contra as privatizações, entre outras. Boulos apresentou o governo Lula como modelo de gestão, sem qualquer crítica ao arcabouço fiscal, ao financiamento do agro, das privatizações, à linha dura com os funcionários federais em greve. Contra o próprio estatuto do seu partido, Boulos recebeu financiamento de milionários ligados ao setor bancário. Uma coisa não se pode negar, Boulos, com o apoio de várias correntes do PSOL, fez de tudo para entrar na lógica do vale tudo eleitoral e ganhar as eleições.
Agora, tendo tido uma forte derrota eleitoral, é possível afirmar que houve uma vitória política de Boulos e do PSOL? Para nós a resposta depende de onde se pretende chegar. Do ponto de vista de construir uma esquerda cada vez mais institucionalizada, mais ligada à burguesia, à defesa do sistema, podemos afirmar que o PSOL deu passos acelerados. Contudo, estrategicamente, não é esse o caminho sequer para derrotar a extrema direita.
Não nos somamos ao discurso facilitista de que basta adotar um discurso radical à esquerda para conquistar corações e mentes. Essas eleições municipais demonstraram que a extrema direita capitaliza cada vez mais a desesperança de um amplo setor da classe trabalhadora, fortalecendo o seu projeto político reacionário. Construir um projeto alternativo à extrema direita passa pela disputa da consciência da classe trabalhadora e do povo pobre, por se vincular às suas lutas cotidianas e por apresentar uma alternativa ao capitalismo em decomposição. Mas isso não necessariamente se reverte imediatamente em resultados eleitorais. O grande problema é que uma esquerda que entrega tudo por resultados eleitorais imediatos acaba por comprometer a verdadeira disputa pela construção de um projeto alternativo a este sistema, fazendo na verdade o seu contrário, se comprometendo cada vez mais com a sua manutenção em troca de muito pouco.
O caso da ENEL foi emblemático. Em meio à campanha do segundo turno, aconteceu mais um apagão em São Paulo, fruto da precarização dos serviços pós privatização. Boulos tentou aproveitar o apagão para desgastar Nunes, repetindo inúmeras vezes que o prefeito não cumpriu o seu papel porque não podou as árvores, o que é verdade. Contudo, não conseguiu reagir à virada de mesa de Nunes que colocou a responsabilidade no governo federal porque mantém a ENEL com o controle do serviço. Uma resposta completa ao problema do apagão só pode ser dada enfrentando a gestão de Nunes, que abandona a zeladoria da cidade, apoia todas as privatizações, até a dos cemitérios e faz um discurso hipócrita para colocar a culpa exclusiva do apagão em Lula, mas também enfrentando o governo federal, que longe de reverter as privatizações, continua financiando novas como fez agora o BNDES no leilão das escolas em São Paulo e o governo do PT no Piauí com a privatização do saneamento básico.
Estamos em meio à luta importantíssima contra o projeto privatista de Nunes e Tarcísio em São Paulo. É possível ser consequente com essa luta sem discutir e enfrentar as medidas do governo Lula? Nos parece que não. A relação que Boulos e o PSOL têm com o governo federal impede de ter uma resposta completa ao problema da privatização, por isso a independência frente aos governos capitalistas é fundamental.
Assim, a crítica ao projeto que Boulos apresentou não é apenas porque defendemos um projeto estratégico socialista e revolucionário, aparentemente distante. Mas também porque os caminhos que o PSOL está adotando cobram preços já na luta concreta e imediata e na disputa ideológica. As duas coisas, o estratégico e o imediato, não estão desassociadas e quanto mais a esquerda se compromete com um projeto de manutenção do sistema, mais distante fica de um projeto de transformação radical da sociedade, mais se torna numa esquerda capitalista, levando à desmoralização de ativistas e militantes.
Não acreditamos que seja possível afirmar que a esquerda recuperou a sua dignidade nessas eleições. Não é assim que se sentem diversos ativistas que apoiaram Boulos. Recuperar a dignidade depende de afirmar com independência de classe um projeto que enfrente a extrema direita, mas também os interesses dos capitalistas que atacam cada vez mais os nossos direitos, construindo uma esquerda revolucionária.