Hospitais Federais do Rio de Janeiro: Do corte de gastos à privatização da gestão
Governo Lula manteve arrocho do orçamento para justificar a privatização da gestão dos hospitais federais
No passado dia 15 de outubro, o Ministério da Saúde publicou uma portaria que passava oficialmente a gestão do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) para o Grupo Hospitalar Conceição S.A., uma empresa pública de direito privado, ou seja, a gestão do HFB passará a ser feita nos moldes das instituições privadas. Isso significa que a contratação deixa efetivamente de ser feita por concurso público (verdade seja dita, já não era há mais de 12 anos), passa a haver uma maior desregulamentação nas licitações e também uma ampliação da terceirização de serviços. Este é o funcionamento, por exemplo, da Fundação Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que subcontratou um laboratório privado para fazer os exames de Hospitais Estaduais, e deixou pelo menos 6 pacientes transplantados infectados com HIV.
A justificativa do governo Lula é que a atual situação deplorável dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro não está relacionada com mais de 10 anos de cortes orçamentários mas com um problema de gestão.
Como se não bastasse, mais uma vez, o governo federal usou da força contra os trabalhadores em protesto, acionando a Polícia Federal e Militar para remover de forma truculenta os trabalhadores que ocupavam a direção do Hospital.
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Hospitais Federais: mais de 10 anos de estrangulamento orçamentário
Em outubro de 2020, em plena pandemia da COVID-19, um acontecimento absurdo chamou a atenção para a situação precária em que se encontravam os hospitais federais do Rio de Janeiro: um incêndio atingiu o HFB e causou a morte de três pacientes que estavam internados na unidade de saúde.
Os principais órgãos de informação foram unânimes em apontar a causa do problema: os cortes orçamentários desde 2010, que se tinham aprofundado em 2019 e 2020.
À época foram amplamente divulgados os valores repassados pelo governo aos hospitais federais entre os meses de janeiro e outubro, de 2010 a 2020 (valores corrigidos pelo IPCA):
Em 2010:
—Para o conjunto dos hospitais federais do Rio de Janeiro: R$1,027 Bilhões
— Para o HFB: R$ 289 milhões
Em 2020:
— Para o conjunto dos hospitais federais do Rio de Janeiro: R$735 milhões
— Para o HFB: R$ 174 milhões
Para termos ideia do arrocho, o orçamento para todo ano de 2024 para os hospitais federais foi de R$862 milhões, ou seja, inferior ao que foi gasto em 10 meses de 2010. E como se não bastasse, para cumprir as normas do arcabouço fiscal, o valor orçamentado não vai nem ser cumprido
Na Lei Orçamentária Anual, o orçamento do Hospital Federal de Bonsucesso caiu de R$190 milhões em 2023 para R$187 milhões em 2024 e a previsão era de R$179 milhões para 2025. Antes de ser anunciada a privatização da gestão, o HFB tinha sofrido um corte de R$5,2 milhões no repasse previsto para o último trimestre deste ano, segundo uma reportagem do G1.
Este arrocho brutal é o principal responsável pelas condições precárias dessas unidades e pelas centenas e centenas de leitos que estão fechados ou não são disponibilizados por falta de profissionais e equipamentos.
Agora o Ministério da Saúde fala em entregar R$218 milhões para o Grupo Conceição gerir o mesmo hospital em 2025 (além de R$45,5 milhões para os últimos meses de 2024). O que ainda assim é inferior ao que foi repassado para a unidade hospitalar em 10 meses de 2010 (R$289 milhões).
Gestão privada: recursos públicos a serviço do lucro de privados
Se bem é certo que entidades como a Rio Saúde (municipal), a Fundação Saúde (estadual) ou o Hospital Conceição (federal) são empresas públicas, ou seja, não têm lucros, este tipo de gestão abre as porteiras à contratação de empresas privadas para uma série de serviços hospitalares que deveriam ser de contratação direta na gestão pública como serviços de exames de imagem, análises clínicas, transporte de doentes, serviços administrativos e de manutenção.
E para essas empresas o magro orçamento da saúde não é necessariamente um problema, porque elas sempre têm lucro, cortando na qualidade dos serviços e aumentando a exploração dos trabalhadores. O evento catastrófico dos pacientes que contraíram HIV com transplante de órgãos é resultado de um tipo de funcionamento que é generalizado: cortar na manutenção e nos materiais para diminuir os custos.
Posso dizer, sem medo de errar, que todos os profissionais de saúde que trabalham em serviços públicos com laboratórios deste tipo, já receberam mais do que um resultado de exames flagrantemente errado para a condição clínica do seu paciente. É extremamente comum, na verdade, os médicos não confiarem nos resultados de exames laboratoriais dessas unidades.
O transporte de pacientes, amplamente terceirizado, é outro drama. Ambulâncias extremamente sucateadas, com problemas mecânicos (como freios com mau funcionamento, por exemplo) e técnicos, que colocam em risco a vida do paciente e dos profissionais que o acompanham.
Em todo esse processo o que menos vale é a vida das pessoas, essas que não constam em nenhuma estatística, nem são notícia, mas que perderam a vida porque o que não pode ser perdido é o lucro das empresas privadas.
Há mais de 12 anos que a regra é contratos precários
Para muitos dos trabalhadores dos hospitais federais a realidade não vai mudar muito. Sem concurso público há mais de 12 anos, parte cada vez maior do corpo técnico trabalha em regime de contratos temporários que vão sendo renovados. Para estes trabalhadores a demanda de muitas direções sindicais de abertura de concursos públicos não é sequer bem vista, já que exatamente por trabalharem há muitos anos, e muitas vezes em mais do que uma unidade de saúde, não têm possibilidade nenhuma de estudar para concurso, e temem que sua vaga seja tomada por um concurseiro que talvez nem nunca pisou num hospital.
Parte fundamental da luta contra o fatiamento dos hospitais federais e sua entrega à gestão privada é a luta pela integração imediata dos trabalhadores contratados e terceirizados aos quadros do serviço público federal, reservando o concurso público para as vagas remanescentes, que com certeza serão muitas.
Por uma saúde pública de qualidade, romper com o arcabouço fiscal
Não existe saída para a saúde pública nem no Rio de Janeiro nem no país se seguir imperando a lógica da Lei de Responsabilidade Fiscal e do arcabouço fiscal. Todos os anos, em áreas como saúde, educação, saneamento básico, etc., o que vemos são cortes e mais cortes sendo feito.
É uma lógica infernal, corta-se verbas para estes setores, inevitavelmente começa a faltar materiais e pessoal para trabalhar, a qualidade do serviço cai, a imprensa denuncia a “má qualidade do serviço público” e compara um serviço público sem verbas com algum serviço privado de ponta. O serviço público é privatizado, aos pouco ou de forma abrupta. Não raro o Estado volta a colocar dinheiro público, agora a serviço da iniciativa privada.
Neste negócio os trabalhadores e o povo perdem duas vezes, primeiro porque o orçamento público que é composto por dinheiro arrecadado em taxas e impostos pagos em sua amplíssima maioria pelos trabalhadores e povo mais pobre, deixa de financiar serviços que deveriam obrigação do Estado e vão para o bolso dos bilionários, banqueiros, que ficam com cerca de 50% de todo o orçamento do país.
Segundo, porque vê os bens públicos, construídos a partir destes mesmo impostos cobrados deles, trabalhadores e povo pobre, ser entregue diretamente para os grandes bilionários, nestes casos os donos dos grandes hospitais e empresas de saúde, e passa a pagar uma fortuna por estes serviços.
É preciso inverter toda esta lógica, o país precisa taxar as grandes fortunas, as grandes propriedades fundiárias e prediais, parar de cobrar impostos de quem vive de salário e subsidiar o consumo de bens básicos.
Por outro lado, o orçamento público deve ter como prioridade a saúde, a educação o saneamento, enfim as grandes necessidade da classe trabalhadora e dos pobres.
Por fim, é um absurdo que existam bilionários que lucrem com a saúde do povo. As grandes redes hospitalares privadas, como a rede D’Or , os planos de saúde, tem que ser expropriados, e administrados pelos trabalhadores da saúde e os seus usuários.