Lutas

Ministério indica grupo para conciliação sobre Marco Temporal e causa indignação de povos indígenas

Nomes foram indicados após Apib deixar comissão do STF sobre Marco Temporal, denunciando funcionamento antidemocrático e desrespeitoso

CSP Conlutas, Central Sindical e Popular

16 de outubro de 2024
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Organizações dos povos indígenas de todo o país repudiaram a iniciativa do governo Lula, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, de indicar um grupo para representar os povos originários na comissão de conciliação no STF (Supremo Tribunal Federal) que discute a lei 14.701, que trata do Marco Temporal e outros ataques. O ministério indicou, nesta segunda-feira (14), cinco nomes para integrar a comissão.

Ao anunciar a lista, o ministério frisou que a decisão se deu após a saída da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) da mesa de conciliação e que o ministro do STF Gilmar Mendes solicitou ao governo, em 1º de outubro, a designação de representantes. A pasta, porém, afirmou que “os nomes não substituem a representação da Apib, cuja vaga segue à disposição da organização”.

Os nomes indicados pelo MPI foram: Weibe Tapeba (secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, pelo Nordeste); Eunice Kerexu (coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena – Dsei Interior Sul, do povo Guarani Mbya, pelo Sul); Douglas Krenak, (coordenador da Funai em Minas Gerais e Espírito Santo, pelo Sudeste); Pierlangela Nascimento da Cunha (coordenadora de políticas educacionais indígenas do Ministério da Educação, do povo Wapichana, pelo Norte); e Eliel Benites (professor auxiliar na Universidade Federal da Grande Dourados, do povo Guarani Kaiowá, pelo Centro-Oeste).

Sem legitimidade

Divulgaram notas de repúdio, organizações como a Apib, o CIR(Conselho Indígena de Roraima), organizações regionais da Apib como a Arpinsul, Arpinsudeste, Aty Guasu e Comissão Guarani Yvyrupa, entre outras, que classificaram a medida como um desrespeito e a reedição de práticas de tutela dos povos originários.

Representando os povos Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang, Patamona, Sapará, Wai Wai, Yanomami e Ye’kwana, o CIR lembrou que a Apib se retirou da mesa de conciliação no STF, criada por Gilmar Mendes, justamente por entender que o processo estava sendo conduzido de forma desrespeitosa e antidemocrática, sem a devida escuta das organizações e lideranças indígenas.

Ao fazer essa indicação, o MPI alinha-se com fazendeiros, garimpeiros, agronegócio, revivendo práticas coloniais de tutela e contra os direitos dos povos indígenas. Esse ato constitui uma violação clara ao princípio da boa-fé e ao direito internacionalmente reconhecido de consulta e consentimento prévio, conforme previsto em mecanismos de direitos humanos, como a Convenção 169 da OIT. A criação do MPI foi uma demanda coletiva, mas não tem legitimidade para nos representar dentro da estrutura do Estado brasileiro. Reafirmamos que a indígena Pierlangela Nascimento Cunha não tem legitimidade ou autorização para falar sobre os povos indígenas de Roraima e região Norte”, afirmam em nota.

As organizações ressaltam ainda que o ministro Gilmar Mendes não tomou a medida urgente e necessária que se impõe: suspender a Lei n. 14.701/2023, que representa uma grave ameaça aos territórios e à vida dos indígenas de todo o país.

Somos contrárias à decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, e esperamos que o MPI, órgão do Poder Executivo, responsável por atuar em prol das comunidades indígenas, se manifeste reafirmando seu papel de Ministério que foi criado para acompanhamento e atenção às demandas indígenas, bem como para reafirmar a plena capacidade dos povos indígenas para se organizarem de forma autônoma, sem necessidade de uma política tutelar”, afirmou a nota assinada pela Aty Guasu e Comissão Guarani Yvyrupa, entre outras.

A nota da Apib destaca que as indicações encaminhadas pelo Ministério dos Povos Indígenas “fazem parte do quadro de servidores de órgãos governamentais, portanto, deve ficar claro que não estarão lá em nome do movimento indígena”.

A Apib lamenta profundamente que as instâncias autônomas dos povos indígenas ou entes públicos em que há participação indígenas sejam pressionados a ocuparem colegiados contra a sua vontade, sobretudo em espaços nos quais não está garantido o respeito à lei e às decisões já tomadas pelo plenário da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de 2023”, afirma ainda.

Organizar e fortalecer a luta contra o Marco Temporal

A liderança indígena do povo Tremembé, do Maranhão, e integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Raquel Tremembé também criticou a indicação feita pelo MPI.

Atualmente, vemos muitas ‘representatividades’ que, na prática, não representam o coletivo, e os povos indígenas seguem sofrendo, sendo invisibilizados e desrespeitados. Se quisessem de fato representatividade, poderiam ter feito uma consulta ampla a todas as bases. Mas, nada mais é que um arranjo, posições cada vez mais institucionalizadas, para depois reproduzir discursos prontos”, afirmou Raquel.

Para a liderança, a tarefa de todas as organizações indígenas é se manter firmes para defender uma luta consequente contra o Marco Temporal. “E para isso é preciso independência e impulsionar a unidade e a mobilização”, defendeu.,