Internacional

Gana: Mobilizações contra os efeitos da crise mundial e a destruição ambiental

Cesar Neto

12 de outubro de 2024
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Ondas de mobilizações têm alguns pontos comuns: desemprego, inflação e exigindo o fim dos governo | Foto: Reprodução Redes Sociais

Gana, país da África ocidental, viveu um importante processo de lutas no mês de setembro e nos primeiros dias de outubro e tudo indica que seguirá no mesmo ritmo ao longo deste mês. O motivo das manifestações são a falta de emprego, inflação e a contaminação provocada pela mineração artesanal, também conhecida como galamsey.

As mobilizações de setembro impõem a luta ambiental

Nos últimos três meses temos vivido algumas importantes mobilizações na África subsaariana. Em julho foi no Quênia, em agosto na Nigeria e agora no Gana. No Quênia, os trabalhadores e o povo pobre além de sofrerem com a falta de emprego e salários, também vê a inflação disparar. Essa crueldade que afeta diretamente a vida das pessoas se transformou em raiva e luta e a exigência do Fora Rutto. No início de agosto embalados pelas lutas no Quênia, a juventude e setores populares da Nigéria saíram às ruas contra o aumento dos combustíveis, inflação e desemprego.

Em setembro, no terceiro mês sucessivo, a África viveu um novo ciclo de lutas na Republica do Gana. Essas três ondas de mobilizações têm alguns pontos comuns: desemprego, inflação e exigindo o fim de seus governos. Mas, no caso de Gana, tivemos um fator adicional: a luta pela defesa do meio ambiente.

A inclusão do meio ambiente, sem que tenha alguma catástrofe prévia como as enchentes no Quênia, ou a secas que afetam as lavouras de região chifre da África, é uma novidade. A população saiu em defesa da vida aquática e humana.

Durante o mês de setembro, houve duas grandes mobilizações contra a mineração artesanal ou galamsey. A primeira foi no início do mês, quando jovens ativistas e intelectuais saíram as ruas contra o galamsey, mas também contra as condições de vida.

Os governos da África subsaariana andam assustados depois do processo no Quênia e, em especial, assustados com a radicalidade da juventude. As manifestações foram violentamente reprimidas. Mais de 50 jovens ativistas foram presos e só serão soltos depois da metade de outubro.

A segunda onda de mobilizações, no início de outubro, que durou três dias, se deu contra as condições de vida, contra o galamsey e, também, pela liberdade dos presos políticos.

Os rios morrendo, as esperanças morrendo e a responsabilidade da mineração ilegal

A mineração ilegal está destruindo os rios da Republica do Gana e deixando mais de duzentos e cinquenta mil pessoas sem água limpa e com alto riscos de adoecimento. Às vezes, a população fica semanas sem água e se vêm obrigados a utilizar água com alta concentração de alúmen, um produto químico utilizado nas estações de tratamento de água.

Osaberima Tsibu Kwaw Darko, chefe supremo da Area Tradicional Denkyira, se dirigiu ao presidente da República do Ghana, Akuffo-Addo, e afirmou que ele (o presidente) deve impor a proibição do galamsey. “Não ficaremos sentados assistindo nossas águas serem destruídas; não ficaremos sentados e assistindo nossos filhos lutarem para obter água potável de boa qualidade no futuro. Não temos dinheiro para importar água do exterior, então hoje estamos dizendo para a mídia que Osaberima Tsibu Kwaw Darko está exigindo embargo ao galamsey; seja a mineração em pequena escala ou o que for, nossa água é mais importante.”

As pessoas expostas aos poluentes utilizados no processo de galamsey podem apresentar diversas doenças respiratórias, distúrbios neurológicos, problemas cardiovasculares, doenças congênitas, segundo um estudo da Health Sciences Investigation Journal. Essas doenças são provocadas pelo uso indiscriminado de mercúrio, cianeto, chumbo, arsênio, ferro, monóxido de carbono, etc. Mas não é só homem que se vê afetado, na medida que florestas estão sendo destruídas e as plantações familiares não se desenvolvem em função da contaminação.

A campanha #StopGalamseyNow ganhou muito força nas mídias sociais e é motor das mobilizações contra a mineração artesanal e contra o governo de Akufo-Addo.

Um país destruído pela dívida externa

Em 2002, o parlamento ganês decretou a autonomia do Banco Central (BC). O objetivo, segundo se dizia, era controlar a inflação e fazer a economia voltar a crescer. Nos dez anos anteriores à autonomia do BC, a inflação média foi de 28% e o Produto Interno Bruto (PIB) esteve na ordem de 1,45%.

O BC, com autonomia, traçou metas e a inflação de 2003 a 2007 caiu para 10% e o crescimento subiu para 2,71%. O declínio da inflação e o aumento do PIB, se deu em primeiro lugar devido a política fiscal baseado na redução de impostos e gastos do governo. Também contribuiu o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, com a implantação do programa “Iniciativa para os Países Altamente Endividados”. Foi nesse período que a dívida pública de Gana caiu de 58% em 2002 para 22,5% em 2007 em relação ao PIB.

Em 2008, com o final da execução do programa Iniciativa para os Países Altamente Endividados, a inflação voltou a subir e em 2021 a dívida pública já consumia 79,2% do PIB

A autonomia para o Banco Central e o acordo com o FMI e o Banco Mundial afundaram ainda mais o país, aumentando a inflação e gerando mais desemprego.

A dívida pública e suas consequências e os efeitos à vida e a saúde provocados pela galamsey são a base das duas ondas de mobilizações que ocorreram no mês de setembro.

A exploração mineira e a crise econômica põem em xeque o governo de Akufo-Addo

Para atender as exigências impostas pelo FMI e Banco Mundial, o BC autonomizado impôs a constante desvalorização da moeda local, o Cedi Ganês. Além da desvalorização do Cedi Ganês há um longo processo de queda dos valores das commodities exportadas pelos países semicoloniais. Um estudo de 2003 da OXFAM mostrava que “em 1975, um trator novo custava o equivalente a 8 toneladas métricas de café africano, mas em 1990 o mesmo trator custava 40 toneladas métricas”.

Essa combinação de desvalorização da moeda, queda dos preços das commodities nos dias de hoje significam que “uma tonelada de cacau custa cerca de US$ 1.300, enquanto um veículo 4×4 vale US$ 120.000. Portanto, são necessárias cerca de 92 toneladas de cacau para trocar por uma 4×4. Mas para colher uma tonelada, é preciso ter, no mínimo, 8 hectares de terra. O produtor médio de cacau em Gana possui apenas um hectare, o que significa que teria de trabalhar acima de 500 anos para produzir cacau o bastante para comprar uma 4×4.”

Assim, as exportações cada vez mais trás menos dinheiro para o Banco Central e as importações encarecem provocando a inflação

Akufo-Addo, o administrador da semi-colônia

No seu primeiro mandato, Akufo-Addo conseguiu grande popularidade com a consigna “Gana além da ajuda”.  Mas essa popularidade não resistiu aos efeitos da crise mundial, a pandemia da Covid-19 e as consequências da guerra na Ucrânia. Em 2022 e 2023, a inflação ultrapassou os 40%, a liberdade de imprensa foi sendo eliminada e o país que era considerado o de mídia mais livre da África, caiu para o 13ᵒ no Índice de Liberdade de Imprensa do Repórteres sem Fronteiras. A repressão aos movimentos aumentou barbaramente e isso se explica, em parte, a repressão à luta em defesa do meio ambiente.

Pressionado pelos acordos para pagamento da dívida pública, Akufo-Addo necessita aumentar cada vez mais as exportações. Controlar a produção do ouro em qualquer formato de exploração não passa pela cabeça semi-colonial de Akufo-Addo. Ele prefere ver as desgraças ambientais aumentarem e ver o sofrimento e a luta da população pobre. Ele escolheu o lado do grande capital financeiro internacional.

Akufo-Addo e sua relação com os lobbies imperialistas (Coudert Brothers)

Akufo-Addo, antes do segundo mandato de presidente da República, havia sido Ministro das Relações Exteriores e Procurador Geral da República.  A sua formação política se deu durante os tempos em que trabalhou para o escritório internacional de Advocacia Coudert Brothers. Um escritório que durante mais de 150 anos (1853-2006) atuou como lobista internacional, desde a defesa dos investidores privados na construção do Canal do Panamá; assessoramento aos governos da Rússia, França e Grã-Bretanha na preparação para a Primeira Guerra Mundial; lidaram com financiadores, presidentes e embaixadores na resolução de casos de propriedade corporativa em todo o mundo, atuando como facilitadores confidenciais da compra de armas dos Aliados na Primeira Guerra Mundial e como apoiadores intervencionistas na Segunda Guerra Mundial. Em sua agenda de clientes constam as grandes transnacionais. Portanto, Akufo-Addo, recebeu formação com a mais refinada burguesia contra os interesses nacionais e dos trabalhadores.

A luta continua!

Organised Labour uma tentativa de unificar os diversos sindicatos está anunciando uma greve nacional na primeira quinzena de outubro, reivindicando o fim do galamsey, liberdade dos presos das últimas manifestações e melhores condições de vida.

A greve deve afetar hospitais, escolas, transportes, serviços públicos e o judiciário. Caso se confirme, a greve estruturada desde a Organised Labour contará com a participação da Trades Union Congress (TUC); Ghana Federation of Labour (GFL); Ghana National Association of Teachers (GNAT); National Association of Graduate Teachers (NAGRAT); Coalition of Concerned Teachers (CCT); Civil and Local Government Staff Association of Ghana (CLOGSAG); Judicial Services Staff Association (JUSAG); Ghana Registered Nurses and Midwives Association (GRNMA); Ghana Medical Association (GMA); University Teachers Association of Ghana (UTAG); Technical Universities Teachers’ Association of Ghana (TUTAG); Technical Universities Administrators Association of Ghana (TUAAG), entre outras associações sindicais e juvenis.

Construir organizações independentes no âmbito sindical e politico

O desafio é grande. É preciso suspender o pagamento da dívida pública; nacionalizar e estatizar a produção mineral; cancelar a autonomia do Banco Central e acima de tudo construir um governo de trabalhadores sem patrões e imperialistas.

Tudo isso pode parecer uma tarefa gigantesca, quase impossível. Mas, não é. O primeiro caminho é ajudar a construir novas direções sindicais e juvenis que sejam mais combativas que as que estão há anos a frente dessas organizações. É preciso também construir uma forte organização política que direcione as lutas ao programa da IV Internacional.

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