Quilombo dos Silva: A seringueira e a fronteira de dois mundos
Era fim de tarde quando a brisa fez cair perto de nós algumas folhas. Vão virar adubo para – junto com as outras plantas que os ancestrais ali cultivavam – fortalecer a terra e a luta desta brava família quilombola. Foi debaixo dessa imensa árvore, com mais de 300 anos e de uma beleza estonteante, que os pais de Ligia, liderança da comunidade, se casaram e tiveram 11 filhos. Antes disso, no início dos anos 40, seus avós maternos tinham vindo de São Francisco de Paula para esse local que, segundo o Atlas Quilombola da Presença Negra em Porto Alegre, era tradicionalmente território de negr@s alforriad@s.
Embaixo dessa mesma seringueira – em que uma centena de cipós descem feito artérias para abraçar a terra e se alimentar da seiva – 4 gerações vêm lutando pelo direito a existir e ter seu território preservado. A seringueira, como um corpo sobrevivente da mata antiga, se mistura ao corpo dessa família que conquistou o primeiro título de Quilombo urbano no Brasil, em 2009.
Uma trajetória em que, desde os anos 80, sofrem com a especulação imobiliária que transformou a região num dos 20 bairros mais caros do Brasil: Três Figueiras.
Aqui na roda de conversa, olhamos para o prédio luxuoso que parece querer espremer o Quilombo e arrancar a seringueira. Tentaram; mas não conseguiram. O povo do Quilombo dos Silva sabe que estão à espreita, com suas retroescavadeiras sempre prontas para derrubar a vida.
Daqui vemos lado a lado dois mundos. Enquanto no prédio – cinzento de onde o avistamos – o concreto e um silêncio quase mórbido imperam, no grande círculo de confraternização com a Família Silva a vida pulsa.
O som das folhas da seringueira, das brincadeiras das crianças, das rodas de conversa e do samba formam uma paisagem sonora tão bela, fruto de uma cosmovisão que olha para o passado mas com o futuro em sua boca – como o pássaro Sankofa, dos povos de língua akan, no continente africano.
Afinal, o futuro será ancestral ou não será!