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Eleições 2024: Uma polêmica com o PSOL de Manaus (AM)

PSTU-AM

6 de agosto de 2024
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PSOL retira candidatura majoritária para apoiar sem reservas a candidatura do PT | Foto: Divulgação

Neste texto queremos abrir um debate público com o PSOL de Manaus, com os (as) trabalhadores (as) e a juventude que estão dispostos a enfrentar o bolsonarismo nas lutas e nas urnas. Mas também querem enfrentar o governo de Frente Ampla e todas as medidas que atacam a nossa classe e rebaixam ainda mais o nosso nível de vida. Queremos debater que tipo de programa vamos defender para Manaus nessas eleições e com quais organizações políticas.

No último final de semana, fomos surpreendidos com uma nota da direção do PSOL retirando sua candidatura majoritária para apoiar sem reservas a candidatura do PT, encabeçada pelo Marcelo Ramos. Em uma nota muito curta, a direção desse partido afirma que esse gesto se funda na compreensão da necessidade de impedir o avanço da ultradireita (bolsonarismo) na capital do Amazonas.

Não sabemos se essa é uma decisão unanime de todo o partido ou se é apenas a posição de sua corrente majoritária. Em vista disso, queremos estabelecer um debate com a direção desse partido e com seus militantes. Reivindicamos aqui a tradição do movimento socialista e de suas organizações, no sentido de fazer um debate sério e honesto sobre a importância das decisões para o conjunto do movimento e suas lutas.

Essas eleições municipais ocorrem no contexto muito bem definido nacionalmente. A existência de um governo burguês – Frente Ampla – produto de uma conciliação de classes entre o PT e um leque bastante amplo de partidos burgueses. Ao mesmo tempo, a existência de uma oposição de de extrema direita.

Esse é o cenário político mais amplo da luta de classes. A polarização entre o lulismo e o bolsonarismo imprime uma cadeia de eventos e disciplina os demais agrupamentos e correntes políticas em torno de um e de outro polo, como tem feito o PSOL nacionalmente e nas principais capitais do país, tornando-se uma linha auxiliar do governo  burguês de Frente Ampla.

Não fazemos um sinal de igualdade entre um ou outro desses polos. Temos muita clareza sobre suas diferenças. Mas também não se pode negar que tanto um quanto outro representam frações burguesas em disputa – e não tem nada a ver com os interesses da classe trabalhadora e suas camadas oprimidas.

As diferenças entre esses dois polos não são somente no aspecto político. Há diferenças na política econômica. Lula defende um capitalismo social-liberal, um neoliberalismo com maior presença do Estado para investir ou induzir o crescimento econômico capitalista. O que passa a imagem de um neoliberalismo menos extremo que o de Bolsonaro. Mas igualmente implica em garantir que a enorme maioria do orçamento esteja comprometida com os bilionários, capitalistas – basta ver o comprometimento de metade do orçamento com os benefícios fiscais e com a remuneração aos banqueiros.

Por sua vez, Bolsonaro e a ultradireita defendem um capitalismo liberal, que o Estado gaste ainda menos e se possível não gaste nada com os serviços públicos, que os ricos paguem menos impostos e que se aumente o poder de repressão sobre às lutas da classe trabalhadora. Em outros termos, ambos, Lula e Bolsonaro, se apoiam em setores burgueses com enfoques distintos para implementar seus programas capitalistas.

Essa polarização, como se pode ver, não tem nada a ver com uma divisão de interesses entre a classe trabalhadora e a classe capitalista. Ainda que do ponto de vista retórico Lula busque ganhar os trabalhadores e o povo para um tipo de capitalismo com rosto humano.

Como a aplicação desse programa capitalista se expressa na prática

Lula se pronuncia contra os bilionários, a desigualdade de renda e faz promessas de não cortar direitos e benefícios do povo pobre. No entanto, no dia 22 de julho, o governo anunciou um bloqueio de R$ 15 bilhões no orçamento de 2024. Fez isso para garantir a confiança no mercado, para mostrar sua disposição de garantir o cumprimento das metas do Arcabouço Fiscal e a promessa de zerar o déficit (gastos menos receita), mas, sem tocar no pagamento dos juros da dívida pública.

Ao mesmo tempo que o governo Lula aplica esses cortes, que atingem a ampla camada da classe trabalhadora, alegando aumento nos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos carentes e pessoas com deficiência, da ordem de 6,4 bilhões, e no pagamento das aposentadorias em torno de 4,9 bilhões, faz justamente ao contrário com o setor do agronegócio quando lança o Plano Safra com R$ 400 bilhões em financiamento subsidiado – ou seja, mais de 26 vezes o montante do corte anunciado pelo governo.

O próprio governo divulgou que, somente em 2023, foram gastos R$ 646 bilhões em renúncias e benefícios fiscais, dados aos grandes empresários capitalistas. E um mês depois de admitir isso, o governo anunciou a tesourada justamente sobre as pessoas mais humildes. Mas não para por aí. Foram pagos R$ 780 bilhões em juros e amortizações da dívida a um grupo de magnatas que lucram cada vez mais com um dos maiores juros do mundo.

As ações e o discurso do governo preparam terreno para ataques mais duros no próximo período. Está se desenhando a desvinculação das aposentadorias e de benefícios, como o auxílio-desemprego, do salário mínimo, assim como, o fim dos mínimos constitucionais da Saúde e da Educação. Hoje a União é obrigada a gastar 15% do orçamento com a Saúde e 18% com a Educação. Isso é incompatível com as regras do novo teto repaginado (arcabouço fiscal), que estipula um rígido limite para os gastos públicos.

Essa é a perversidade dessa política econômica. Arrebenta com os direitos dos mais pobres para continuar garantindo os lucros e privilégios dos bilionários.

Adesão à candidatura do PT é na verdade munição para a extrema direita

Se perfilar com o governo e aderir suas candidaturas nos municípios sob a alegação de combater o bolsonarismo não encontra nenhuma razão minimamente convincente a não ser uma capitulação vergonhosa como vem fazendo o PSOL nacionalmente e aqui, agora mais claramente, com a adesão pura e simples à candidatura petista.

Não fazer um contraponto minimamente consequente ao governo, seus representantes nos estados e munícipios é, no mínimo, acreditar que essas medidas não terão nenhum efeito negativo sobre o julgamento da grande parcela da população – que é a que vai suportar todo o seu peso e vai ter seu nível de vida cada vez mais próximo do chão. E, como parte dessa percepção da população, que olha para o governo e o identifica como “esquerda”, não é de se admirar que a ultradireita se torne o receptáculo dessa insatisfação.

Então, menos que combater o bolsonarismo, como alegam, digamos assim, “os bem intencionados” dirigentes do PSOL, cada perfilamento ao lado do governo, cada adesão – inclusive totalmente acrítica – só serve para pavimentar o caminho para a volta da ultradireita, que se alimenta justamente da decepção e da desmoralização com o governo – visto como de esquerda.

Se essa é uma questão que está posta nacionalmente. Aqui em Manaus é ainda muito mais evidente. A justificativa dos dirigentes do PSOL não consegue esconder seu viés puramente eleitoralista, de se acoplar  a uma candidatura que julgam ter muito mais competitividade que a sua própria. Sem sequer se dar o direito de iniciar a própria campanha.

Se não bastasse as razões acima mencionadas para que um partido que se reivindica anticapitalista e socialista não deva renunciar a uma dura disputa programática, há outras razões específicas próprias inerentes à candidatura pela qual o PSOL manauara cedeu facilmente a sua candidatura.

Uma das considerações é o próprio cenário eleitoral local. Dos três primeiros colocados nas pesquisas, dois deles são bolsonaristas de carteirinha e o terceiro se esconde sob uma máscara de modernidade, mas é mais uma fornada das oligarquias regionais. Ou seja, o candidato do PT não está entre os três colocados na disputa. A pré-campanha não foi capaz de revelar quem de fato vai disputar a prefeitura. Logo, a adesão prematura, sem nenhuma exigência programática, revela o grau e a profundidade da capitulação do PSOL manauara.

A segunda consideração, se refere a quem de fato o PSOL vai dar apoio. O candidato do PT, Marcelo Ramos, a quem não fazemos nenhum tipo de consideração pessoal e nem sobre sua capacidade política, oriundo do stalinismo, passou por diferentes partidos burgueses, inclusive o PL que, posteriormente, abrigou o próprio Bolsonaro. Mas foi como deputado federal, por um partido de direita, que presidiu a Comissão para a reforma da Previdência, sob o epiteto de geração de emprego no país. O seu empenho por essa reforma da Previdência o torna um dos principais inimigos de uma geração de trabalhadores que foram os maiores prejudicados com a sua aprovação. Além disso, o seu vice, Luiz Castro, do PDT, um dos primeiros secretários de educação do governo Wilson Lima (União Brasil), se notabilizou por se enfrentar com a greve dos professores daquele período.

Enfim, nas mãos de quem vai ficar a crítica sobre as decisões nacionais que atacam as condições de vida da classe trabalhadora e de suas camadas oprimidas? O PSOL vai desistir de dizer que o pagamento dos juros da dívida está servindo para pôr no chão o nível de vida dos mais pobres? Essas medidas, embora nacionais, afetam a classe em qualquer munícipio, em qualquer lugar em que resida. Haja vista o aumento extremo da pobreza, a deterioração dos serviços públicos (saúde educação, moradia, etc.) que em boa medida é de corresponsabilidade União-municípios.

Nós do PSTU, fazemos esse debate com a direção do PSOL porque sabemos que apesar da decisão que tomou, não parece crível seus militantes de base – muitos deles ativistas de primeira hora nos movimentos sociais – estejam de acordo em ceder tão facilmente o debate programático que pode ser travado nessas eleições.

Assim, reafirmamos nosso compromisso com a independência de classe e com a não capitulação a nenhuma candidatura, seja social-liberal ou ultraliberal. Acreditamos que o combate à  extrema direita é justamente nos contrapondo às medidas que estão empobrecendo cada vez mais a população, a classe trabalhadora, a juventude, o povo negro, as populações indígenas e as pessoas LGBTQIA+.

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