Banco do Brasil e Governo Federal: reparação ou apagamento da história?
Elias Alfredo, do Rio de Janeiro (RJ)
Aconteceu no Rio de Janeiro, no último dia 27 de junho, a reunião entre Ministério Público Federal, movimentos negros, representantes do Banco do Brasil (BB), Ministério da Igualdade Racial, Ministério dos Direitos Humanos e grupos de pesquisadores para tratar da pauta “tráfico de pessoas negras escravizadas e o Banco do Brasil: direito à reparação”.
A reunião entrou em um debate que é público desde 2023, que surgiu depois da apresentação de um estudo levado a cabo por 11 pesquisadores, onde se concluiu que o BB teve participação na escravidão, ou seja, “o banco financiava a escravidão e a escravidão financiava o banco”.
A pesquisa histórica demonstra que essa instituição foi responsável no processo de sequestros, tráfico e financiamento dos escravocratas, que levaram a cabo o criminoso tráfico de seres humanos africanos para serem transformados em trabalhadores escravizados no Brasil.
O caso do BB é só a ponta do iceberg. Quase todas as grandes instituições brasileiras, com mais de 150 anos de existência, lucraram com a escravidão e seguem utilizando todo o império que ergueram com o sangue e o suor dos antepassados do povo negro brasileiro para continuar oprimindo, humilhando e explorando.
Limpar a imagem do BB?
Contrariando as expectativas levantadas no ano passado, ficou explicito que tem uma estratégia que visa limpar a imagem do BB, com a cumplicidade do governo federal. Foi notório, ao longo de toda reunião, a substituição da palavra “reparação” pela palavra “ação”. Isso pode até aparentar algo secundário, mas não é.
A reparação também é um momento de verdade. Por isso, seria oportuno que o BB assumisse a sua participação naquilo que foi o maior crime contra a humanidade. Isso não aconteceu. Ao contrário, um dos representantes do BB disse, em alto em bom som, que o banco não cometeu crime algum.
O Ministério da Igualdade Racial não sabia muito bem o seu papel na reunião. Tanto que não levou ou defendeu nenhuma proposta. Apenas alegou a complexidade e polissemia (múltiplos significados) da palavra reparação, argumento refutado por uma das pesquisadoras. Já os representantes do Ministério dos Direitos Humanos limitaram-se a apresentar os seus nomes.
Reparação não é caridade
Diante da situação, devemos concluir que o debate sobre reparação pode se tornar mais um exemplo típico do racismo institucional no Brasil, particularmente no que se refere ao não envolvimento do povo negro e suas organizações populares.
O debate de reparação histórica é muito mais profundo do que o BB tenta fazer, que é confundi-lo com caridade. O tema da reparação religa o brasileiro a seu passado histórico, ao sofrimento do povo negro, de sociedades inteiras que foram desestruturadas, de mulheres que foram estupradas, de homens que foram jogados aos tubarões, que foram acorrentados, chicoteados, humilhados e que viviam em média apenas sete anos, depois de colocarem os pés fora dos porões dos tumbeiros para pisar no chão deste país.
Todos esses crimes foram decisivos para a criação do capitalismo mundial. No Brasil, a abolição não foi acompanhada por nenhuma política de reparações aos negros e negras por séculos de escravidão. A ausência da reparação não só condenou os antepassados do povo negro brasileiro, como também continua condenando-o no presente.
É preciso que o governo Lula assuma o seu verdadeiro papel nesse debate. Vale ressaltar que o governo federal é o principal acionista do BB e que, portanto, sua posição será decisiva sobre o tema das reparações. No entanto, não devemos confiar que o governo Lula tomará essa posição. É preciso mobilizar o povo negro e os trabalhadores para exigir a reparação histórica.
Reparação
Com raça e classe: um acerto de contas com a história
O crime de escravidão, promovido sobre os povos africanos, configura-se ato de lesa humanidade. Por tanto, deve ser construído formas práticas de se reparar tais crimes, cometidos pelo Estado brasileiro.
Está nas mãos das organizações do movimento negro e do conjunto da classe trabalhadora a tarefa de construir uma pauta de reivindicações de exigências dos direitos históricos negado ao conjunto do povo negro, fruto do processo da escravidão ao qual fomos submetidos ao longo de quase quatro séculos.
A titulação das terras quilombolas; apoio à produção agrícola nas terras de quilombos; a implementação de uma política de financiamento de construção de casas populares para o povo negro; investimentos em pesquisa sobre história da África; a isenção de dívidas da população negra com o BB; investimentos em infraestruturas sociais, destinados à população negra; são algumas das reivindicações dessa luta que devemos garantir, com total autonomia do movimento negro frente ao BB e ao governo Lula, por reparação histórica.