O indivisível Vinicius Jr. fez mais um golaço contra o racismo
“Eu sou algoz de racistas. Essa primeira condenação penal da história da Espanha não é por mim. É por todos os pretos”, escreveu Vini Jr. numa rede social.
A justiça espanhola condenou três torcedores do Valencia a oito meses de prisão por xingamentos contra Vini Jr. As agressões ocorreram durante o jogo entre o Valencia e o Real Madrid. Os três também estão proibidos de entrar em estádios do país por dois anos.
Na verdade, os três não foram presos por prática de racismo, pois não existe esse tipo de crime na legislação espanhola. A condenação foi por “delito contra a integridade moral” que, apesar de ter sido agravado “por discriminação do tipo racista”, não é considerado crime violento no Código Penal Espanhol. Por tudo isso, e por serem réus primários, cumprirão a pena em liberdade. Existe ainda outra questão a considerar: não foram apenas três, foram centenas de torcedores do Valencia que xingaram Vinicius naquele impactante 21 de maio de 2023, fato que já se repetiu por mais de 20 vezes só contra Vini.
Em que pese todas essas limitações da democracia burguesa espanhola, estamos diante de um fato inédito, de uma vitória política sem precedentes na história recente da luta contra o racismo na Espanha (independente do que versa a legislação desse país). Por isso mesmo, pela repercussão internacional desse acontecimento, as lições precisam ser tiradas.
Quando Vinicius Júnior começou a bater de frente contra os racistas na Europa, muita gente chegou a falar que isso não adiantaria. Existem até “teses” de que não se deve postar isso nas redes sociais, sob a pena de dar mais visibilidade aos racistas. Essas ideias, ao contrário do que possam parecer, são essencialmente racistas. Elas partem da ideia de que a culpa pelo crescimento do racismo não é de quem pratica, mas de quem o combate.
Outros relembravam as atitudes de jogadores como Daniel Alves, que descascou e comeu uma banana que torcedores racistas jogaram em sua direção, quando ele foi o destaque na virada do Barcelona (3 a 2) sobre o Villarreal. A atitude de Daniel Alves, foi de um assimilacionista, a do preto evoluê, que se comporta como o “preto da casa grande”. Hoje, o mesmo Daniel Alves que passou pano para os racistas mostrou ao mundo ser misógino da pior espécie. Passou o pano e o pano rasgou.
Mas existe um tipo de postura que é pouco comentada, embora seja uma das piores. Ela é muito comum entre intelectuais e lideranças que ganham visibilidade midiática, ou assumem cargos políticos de relevância. Esses tentam se dividir entre o homem político e o homem público. Só para dar um exemplo: ao ser obrigado a se posicionar em relação ao PL das privatizações dos presídios pelo governo Lula, Sílvio Almeida, filósofo e Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, disse que daria sua opinião como cidadão e não como ministro.
Eram mais ou menos essas exigências que os conciliadores faziam ao Vini: que ele teria que se focar no futebol, entender que é um jogador, e não um militante. Nas palavras do próprio Vini: “Muitos pediram para que eu ignorasse, outros tantos disseram que minha luta era em vão e que eu deveria apenas ‘jogar futebol’.”
Esses que queriam ver o ser humano separado do jogador, ou o jogador separado do ser humano, quebraram a cara. Vini não se deixou dividir, robotizar, não se permitiu desumanizar. Incorporou Chaplin: “Não sois máquina! Homem é que sois [e homem preto]”! Muito menos se pautou pelo judiciário espanhol.
Vini se enfrentou contra tudo isso. Quando o goleiro Cheikh Kane Sarr, do Rayo Majadahonda, não se calou ao sofrer racismo da torcida adversária em jogo pela 3ª divisão do Campeonato Espanhol, e ainda viu o seu time, em solidariedade, se recusar a voltar a campo, muita gente se deu conta de que ali já não se tratava mais só de futebol. “Vou até a morte com ele. Porque ele também viveu várias vezes, e quando ele estava vivendo, eu dizia ‘Não é normal’. Basta de racismo… não tem lugar no esporte. Não tem sentido”, disse ele, referindo-se ao Vini.
Se os racistas transformaram os campos de futebol em um de seus palcos prediletos, Vini devolveu o debate à sociedade, expondo ao mundo toda a sua fratura racista e xenofóbica. Isso aí, por si só, foi extraordinário.
Se considerarmos o contexto de crescimento da extrema direita europeia, foi mais extraordinário ainda. Porém, não só isso, mas num contexto em que até setores da dita “esquerda” espanhola capitulam aos racistas. “Esse jogador é uma vergonha para o futebol”, foi o que disse Borja Roca, o porta-voz do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) após a reação de Vini às agressões sofridas em Valência. Resta agora dizer que os racistas foram condenados injustamente.
Os que dizem que a luta contra as opressões favorecem os opressores mentem! Os que colocam travas na língua para não expor as instituições, e os governos que os cooptaram, se acovardam! E os que capitulam aos opressores são inimigos do conjunto do proletariado, especialmente de sua parte oprimida.
Vini Jr. colocou em risco a própria carreira, e fez isso não focado em si mesmo, mas em milhões de negros espalhados pelo mundo. Sim, chegou a declarar chorando que sentia vontade de parar de jogar. Eu, sinceramente, não vi naquela fala uma postura derrotista, senão uma denúncia implacável do racismo e da conivência das direções dos clubes, das federações e do judiciário com os racistas. O apoio de Vini Jr. veio das massas, de seus milhões de fãs e seguidores. Ele não estava falando para “La Liga” e companhia, ele estava falando pra essa gente anônima, sem rosto, sem nome, sem voz.
Até onde esse moleque pode ir? Isso não me atrevo a prever. As pressões para que ele mude de postura são e serão enormes. Sua carreira movimenta bilhões de euros, e em torno dessa grana dezenas de racistas se movimentam. A La Liga, por exemplo, não está interessada em comprar essa briga até o final, nem a FIFA, muito menos o Parlamento Europeu, que caminha a passos largos em direção à extrema direita. Eles farão de tudo para acomodar a luta de Vinícius Jr. dentro dos limites de seus interesses de classe. Isso é fato!
Mas, por ora, não nos interessa falar de um hipotético Vini Jr. e sim do Vini de hoje, que está inspirando toda uma geração a não baixar a cabeça para racistas. E, ao sentir ódio dos racistas, Vini Jr. demonstra amor às vítimas, que muitas vezes sofrem solitariamente. Como ele próprio falou, “eu sou algoz dos racistas”. Algozes deles, sejamos todos nós, Vini! Afinal, essa gente tem que ser transformada em pó político e o racismo em cinzas ideológicas.
Mas, se Vini está indo além dos oportunistas, dos covardes e dos assimilacionistas, os revolucionários precisam ir além de Vini. Precisamos mostrar, pacientemente, a relação umbilical entre o racismo e o capitalismo. Mostrar como essa forma de organização social é decadente e que, por isso mesmo, precisa oprimir, explorar e humilhar. E é por esse mesmo motivo e tantos outros que o capitalismo precisa ser eliminado, juntamente com todas as formas de opressões por ele reproduzidas cotidianamente.