Nacional

O projeto de reconstrução de Leite, aprovado com votos do PT e do PCdoB, é contra os trabalhadores e os atingidos pelas enchentes

Vania Gobetti, de Porto Alegre (RS)

23 de maio de 2024
star4.93 (15 avaliações)
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em evento em fevereiro deste ano. Foto Divulgação

Pelas ruas de Porto Alegre, a população está envolvida em tirar a lama das ruas, casas e pequenos comércios. Começam a pipocar manifestações espontâneas em bairros da periferia, como Humaitá e Sarandi, pois, passados 20 dias, ainda há inúmeras ruas inundadas e milhares de pessoas sem luz e água. Os governos não garantem uma questão básica – disponibilizar bombas de escoamento. 

O grande empresariado, por sua vez, quer que a economia volte a circular o quanto antes, e prioriza reconstrução de rodovias para garantir trânsito de mercadorias e trabalhadores, e quer desocupar vários espaços que hoje alojam os abrigos. Muitos estão sendo convocados para retornar ao trabalho, reduzindo significativamente o número de voluntários,, gerando uma grande aflição nos desabrigados que não têm para onde ir. Começaram a aparecer as primeiras vítimas de doenças decorrentes do contato com a água contaminada – duas mortes por leptospirose.

Nesta terça, 21, no meio de tudo isso, fomos surpreendidos com a aprovação, na Assembléia Legislativa, por 52 votos a 2 , do projeto encaminhado pelo governador Eduardo Leite, que instituiu o Plano Rio Grande.

Dizemos surpreendidos pois, hoje, o governador Eduardo Leite está muito desgastado. Pipocam, diariamente, denúncias e provas que confirmam sua responsabilidade na tragédia que atravessamos. Seja pelas diversas privatizações impulsionadas por ele, que precarizaram os serviços públicos; seja pelo ataque às leis ambientais, porque é um capacho dos interesses das empresas do agronegócio. Seja ainda  pela ausência de implementação das medidas preventivas contra os eventos climáticos, indicadas pelos técnicos , sendo esta a 4ª situação de calamidade pública em um ano. Ou seja, muitas barbaridades. Isto sem falar nas suas declarações de que as “doações prejudicavam o comércio” ou de que não implementou as medidas de prevenção porque “teria outras agendas”.

Leia também

Por trás da tragédia: Responsabilidade do capitalismo e dos que governam para os ricos

Na entrevista ao Programa Roda Viva, na última segunda-feira, Leite deixa claro que não recuou em nada do seu projeto ultraliberal agressivo. Leite continua defendendo que foi correto ter entregue a CEEE  à Equatorial ( que reduziu a CEEE na pior companhia de energia elétrica do país e transformou a vida dos gaúchos em um inferno). Leite também afirmou que o “ajuste fiscal” implementado pelos seus dois mandatos garantiu uma melhoria dos serviços públicos no estado.

Perguntamos: depois de tudo isto não seria o caso de irmos para a rua pedir a cabeça do tal governador ? O que justifica os deputados, inclusive toda bancada do PT e do PCdoB , que afirmam criticar a precarização dos serviços públicos do estado, votarem, junto com a ultradireita, num projeto de reconstrução liberal que é um verdadeiro voto de confiança no governo Leite? 

Vejam bem, não é qualquer projeto. O “Plano Rio Grande” (PL 133/2024) é o programa de “reconstrução, adaptação e resiliência climática do Estado que vai planejar, coordenar e executar as ações necessárias ao enfrentamento das consequências sociais, econômicas e ambientais decorrentes dos eventos climáticos ocorridos os anos de 2023 e 2024”. Para isso, será criado um fundo público especial de natureza orçamentária, o Funrigs. 

É necessário dizer com todas as letras: o projeto aprovado entrega um fundo com verbas públicas nas mãos de grandes empresas e políticos privatistas. Com isso, terão recursos e poder para fazer uma reconstrução cujo foco não é casas para todos em locais seguros, não será a prevenção contra desastres climáticos, e muito menos atacar as causas do desequilíbrio ambiental, pois este objetivo entraria em choque frontal com os seus lucros. O foco será oportunidades de negócios na reconstrução e a especulação imobiliária que vai tirar os pobres de bairros de seu interesse, como o entorno do estádio do Grêmio e Quarto Distrito.

Este é o projeto apoiado pelo PT, e isto é um absurdo.

O fundo público especial de natureza orçamentária, o Funrigs, terá um comitê gestor que, por exemplo, não incorpora um único representante dos atingidos pelas enchentes. Os desabrigados não serão ouvidos e muito menos terão poder de decisão.

A reconstrução estará sob a responsabilidade da recém-criada Secretaria da Reconstrução Gaúcha, de ninguém menos que Pedro Capeluppi, ex-responsável da “Secretaria de Parcerias e Concessões” no Rio Grande do Sul. Como já foi amplamente divulgado, Capeluppi comandou a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, a convite de Paulo Guedes no governo Bolsonaro. Capeluppi, intimamente próximo da Fiergs, já deixou claro que quer prioridade na liberação de incentivos e recursos públicos para a grande indústria. Ou seja, irão direcionar a reconstrução de acordo com seus interesses de classe.

E, como foi anunciado, haverá muitas “parcerias” com consultorias da iniciativa privada. Uma das consultorias, como já informado, é a Alvarez & Marsal , que tem um longo histórico de assessorar empresas envolvidas em desastres ambientais, em grandes condenações e de reputação duvidosa.

Lixo e destroços espalhados pelas ruas nos pontos de Porto Alegre que a água começa a baixar Fotos Públicas

Dentro do projeto aprovado está contida a realocação dos desabrigados nas “cidades temporárias” , nos municípios de Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Guaíba . No Roda Viva, Leite afirmou que o provisório, na verdade, será um longo tempo, até que se “resolvam” as prometidas casas que até hoje não foram entregues às vítimas de enchentes anteriores. Nada melhor do que instalar os desabrigados em guetos nas periferias, para que sejam rapidamente invisibilizados, assim que a atual comoção se arrefeça.    

O que pressiona os deputados do PT e PCdoB, por exemplo, a votarem no projeto de reconstrução do Leite é que, em última instância, este projeto não é muito diferente do que está sendo formatado pelo governo que é defendido por estes deputados – governo Lula/Alckmin.  “Uma das provas de que adversários políticos podem trabalhar em harmonia é a solução encontrada para que o Fundo de Reconstrução, proposto pelos deputados de PT e PCdoB, não tivesse vício de origem: o governo estadual assumiu a paternidade, mas deu os respectivos créditos”, diz a articulista Rosane de Oliveira, no dia 18 de maio, no jornal Zero Hora.

Pensamos o oposto. Não há como reparar os desabrigados, não há como proteger a natureza, não há como sair dessa tragédia em harmonia com nenhum dos governos, seja  Leite, seja  Melo e inclusive, seja Lula/Alckmin.

Leia também

Um programa para defender os trabalhadores, o povo e a natureza, e não os bilionários capitalistas