Um programa para defender os trabalhadores, o povo e a natureza, e não os bilionários capitalistas
Enquanto fechávamos esta edição, Lula acabava de anunciar uma série de medidas para atender os atingidos pela catástrofe. Apesar de seu discurso falar em um pretenso “Plano Marshall” (em referência ao plano de reconstrução da Europa, após a 2ª Guerra Mundial), o que se tem, pelo menos até agora, são medidas extremamente insuficientes para reparar as perdas dos trabalhadores e pequenos empresários e, também, defender a natureza.
Ao contrário, são medidas que favorecem muito mais os mesmos bilionários capitalistas responsáveis pela catástrofe.
Em visita à cidade de São Leopoldo, Lula anunciou a concessão de R$ 5,1 mil, em parcela única, às famílias afetadas pelas enchentes, algo que custaria cerca de R$ 1,2 bilhão. Divulgou também a disponibilização de novas moradias para as famílias de baixa renda, nas faixas 1 e 2 do “Minha Casa, Minha Vida”, que chegam à renda familiar de até R$ 4,4 mil. Para outras faixas de renda, determinou apenas a suspensão do pagamento das parcelas por até seis meses.
Enquanto isto, para as médias empresas, estuda-se uma ajuda de R$ 4 bilhões. E para as grandes empresas, fala-se em R$, 4,5 bilhões.
Medidas de Lula são insuficientes
Enquanto a extrema direita bolsonarista espalha fake news, o prefeito bolsonarista Sebastião Melo (MDB) propõe, para os desabrigados, moradias provisórias, de lona, cercadas pelo Exército, além da contratação de uma empresa norte-americana, indicada por Moro, para realizar a reconstrução, nos moldes do que fizeram em Nova Orleans, nos Estados Unidos, depois do Furacão Katrina.
Já o governador Eduardo Leite (PSDB) chegou ao cúmulo de reclamar das doações feitas ao povo gaúcho, que, segundo ele, poderiam “prejudicar o comércio local”.
As medidas recém-anunciadas por Lula, porém, não são suficientes para reparar as perdas da classe trabalhadora, dos pequenos empresários e reconstruir o estado de maneira a evitar que essa catástrofe se repita.
O motivo é que suas medidas, ao fim e ao cabo, beneficiam muito mais as grandes empresas, os bancos, as construtoras e, inclusive, as mega empresas do agronegócio, responsáveis pela devastação ambiental. Começando pelo fato de que não propõem o cancelamento da dívida do Rio Grande do Sul e mantêm o pagamento da dívida da União, o Arcabouço Fiscal e todo mecanismo da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vai exigir, ali adiante, cortes de gastos ainda maiores.
O Rio Grande do Sul já estava endividado, numa verdadeira sangria, que cresceu 13% em 2023, e soma, hoje, R$ 92,8 bilhões. É um mecanismo que ajuda a alimentar o sistema do pagamento da dívida pública da União que, só em 2023, desembolsou R$ 1,89 trilhão, entre amortização e pagamento de juros a banqueiros.
A mera suspensão da dívida do estado com a União apenas arrastaria a questão, já que, lá na frente, essa mesma dívida voltaria a ser cobrada e à custa do que já vem sendo feito: ajuste fiscal e um plano neoliberal. Coisas que ajudaram a produzir a maior catástrofe climática do país.
Muito para poucos, pouco para muitos
Se as medidas emergenciais recém-anunciadas pelo governo já expressam uma enorme desigualdade, como os R$ 4,5 bilhões às grandes empresas, enquanto o povo mais pobre vai receber o equivalente a R$ 1,2 bilhão, num pix de R$ 5 mil que não repõem sequer os eletrodomésticos e móveis levados pelas chuvas, o mesmo pode ser dito sobre medidas já divulgadas.
Já as grandes empresas e os agrobilionários pressionam por ainda mais isenções e utilizarão a tragédia que eles próprios ajudaram a criar para terem mais isenções e como justificativa para demitir, reduzir custos e lucrar ainda mais em cima da destruição de milhões de pessoas.
Trata-se de justiça
Reparação ou endividamento?
As medidas recém anunciadas por Lula deixam de fora centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que perderam tudo devido à catástrofe.
Como fica um aposentado, um operário, uma professora, uma enfermeira ou um bancário, que, a duras penas, adquiriu um imóvel ou um automóvel, depois de 20 ou 30 anos de trabalho, e que viu tudo se perder em meio à enchente, cuja responsabilidade se abate sobre os capitalistas do agronegócio e também sobre os governos?
Com as medidas apresentadas até agora, os “de baixo” não só não terão de volta o que perderam, como também sairão dessa crise endividados, devendo ao banco ou à MRV, a empreiteira que toca as obras do “Minha Casa, Minha Vida” no estado.
É preciso garantir ajuda imediata e emergencial, mas também é preciso garantir a reparação de todas as perdas dos trabalhadores e trabalhadoras que viram seus imóveis, seu carros, sua motos levados pelas águas; ou do pequeno empresário, que perdeu seu estabelecimento, seu estoque ou maquinário.
Não pode ser uma “ajuda”, como uma linha de crédito, para que esse trabalhador tenha que pagar mais 30 anos por uma casa que ele demorou 20 para comprar. É necessário devolver o bem perdido pelo trabalhador ou pelo pequeno empresário.
Não se trata de nenhum favor. Se trata de justiça. De uma justa reparação. Pois essa catástrofe tem responsáveis, tanto pela devastação ambiental, como pela falta de prevenção e verdadeiro desmonte e falta de manutenção das estruturas de proteção, como no caso de Porto Alegre.
A exigência de reparação, dos seus móveis, eletrodomésticos etc., da sua casa, se foi destruída, do seu pequeno negócio, portanto, é um direito fundamental. E quem deve pagar por tudo isto são os que têm muito dinheiro e que são os que lucraram com a devastação ambiental, preparando o desastre para a maioria. Os mesmos que, agora, querem lucrar de novo com a reconstrução.
Medidas urgentes para socorrer a população atingida
É preciso garantir o socorro imediato à população atingida e que sofre com um flagelo que ainda não tem previsão para terminar. É preciso desde já:
- Garantir abrigo para todos os desabrigados, utilizando, inclusive, os imóveis vazios destinados à especulação (só em Porto Alegre são 110 mil), com a requisição de vagas nos hotéis, para além das escolas públicas que estão sendo utilizadas.
- Apoio às cozinhas solidárias que estão sendo organizadas pela própria população, numa solidariedade de classe, onde trabalhador ajuda trabalhador, diante da ineficiência do Estado. Ao invés de reclamar das doações que “atrapalhariam” o lucro do comércio, o governo deveria garantir alimentação e abrigo dignos e adequados a todos os atingidos.
- Formação de comitês de atingidos, por bairros ou regiões, para gerir as doações e garantir a segurança e autodefesa dos atingidos. No que se refere à autodefesa, também é preciso incentivar a auto-organização das mulheres, diante das lamentáveis denúncias de assédio e violência sexual nos abrigos.
- Nada de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como defendem o General Mourão e o prefeito bolsonarista, Sebastião Melo (MDB), ou a transferência dos desabrigados a locais afastados e “protegidos” pelo Exército, que, na prática, seriam verdadeiros campos de concentração para pobres e criariam ainda mais imóveis vazios para especulação, assim que as águas baixarem.
Reparar as perdas e garantir emprego e renda
Além dos desabrigados, inúmeros trabalhadores perderam tudo o que tinham e estão com sua renda, empregos e sobrevivência ameaçados. “Auxílios”, como o Saque Calamidade do FGTS, ou redução de salários, em troca de uma estabilidade por alguns meses, adiantamento do 13º salário ou restituição do Imposto de Renda são medidas que fazem o trabalhador pagar as perdas com o seu próprio bolso. É preciso garantir medidas emergenciais para a retomada da vida, incluindo, aí, a reparação de todas as perdas sofridas pela classe trabalhadora.
- Suspensão da cobrança das taxas de água, luz e dos impostos pagos pela população atingida.
- Anistiar as dívidas e empréstimos dos trabalhadores e aposentados (incluindo os consignados).
- Benefício de R$10 mil, no mínimo, para todos os que tiveram suas casas invadidas pelas águas, a fim de repor eletrodomésticos e móveis perdidos.
- Reparação integral a todos os trabalhadores e pequenos empresários que perderam suas moradias, automóveis ou qualquer outro bem.
- Crédito, sem juros e a fundo perdido, para o funcionamento e reconstrução do pequenos comércios e negócios, inclusive para capital de giro, pagamento de funcionários, conserto ou a reposição de maquinários e estoques perdidos. Cancelamento de dívidas e pagamento de empréstimos.
- Proibição de demissões, não permitindo a suspensão de contratos ou descontos de salários sobre os atingidos. As grandes empresas que demitirem devem ser expropriadas e colocadas sob o controle dos trabalhadores. Demitiu, expropriou!
- Congelamento de preços no valor anterior à cheia, sob pena de multa e, inclusive, expropriação de supermercados, farmácias e distribuidores de combustíveis, coibindo a especulação com os preços dos alimentos e da água.
Reconstrução sob o controle de comissões dos atingidos e da classe trabalhadora
A prioridade dos governos deve ser o povo trabalhador e o investimento social, não as Parcerias Público-Privadas (PPPs), uma forma mascarada de privatização que coloca serviços públicos (como água, energia, Saúde e Educação) em benefício do lucro e acima da vida. Precisamos lutar pelas seguintes medidas:
- Formação de uma empresa estatal de obras públicas, para a reconstrução da infraestrutura de prevenção e das moradias em locais seguros e gerando milhares de empregos.
- Obras como a contenção de encostas, drenagem, construção de barragens e o desassoreamento do leito dos rios, estudos de áreas de risco, criação de reservas florestais nas margens dos rios, fim dos desmatamentos, dentre outras medidas que visem a prevenção.
- A orla do Guaíba e as margens dos rios devem ser áreas protegidas, de propriedade pública, assim como as áreas de preservação ambiental e os parques de proteção às espécies em extinção. São necessárias áreas verdes para absorção das águas para o lençol freático e escoamento das águas. Além disso, é fundamental a implementação de reservatórios naturais da água, que atuam como barreiras eficazes contra transbordamentos, protegendo as áreas urbanas de inundações.
- Controle dos trabalhadores sobre o plano de obras públicas. A reconstrução não pode estar ao encargo das construtoras privadas, que só beneficiarão quem puder pagar.
Para que a catástrofe não se repita
Agrobilionários, banqueiros e grandes empresários devem pagar pela crise que eles próprios criaram
- É necessário cancelar a dívida do Rio Grande dos Sul. É insuficiente suspender o pagamento por três anos, porque é pouco dinheiro e, ao manter a dívida e os mecanismos da LRF, o estado terá que voltar a pagar e se submeter ao eterno corte de gastos em investimentos, manutenção, serviços públicos e gastos sociais. É necessário suspender o pagamento da dívida federal aos banqueiros, que levou R$ 1 trilhão de juros, só no ano passado. 10% desse valor permitiriam reparar as perdas dos atingidos e reconstruir o estado em novas bases, onde a natureza seja preservada e não devastada.
- Confiscar 50% das grandes fortunas dos bilionários capitalistas. Eles não vão ficar pobres por isso.
- É preciso cobrar um imposto fortemente progressivo sobre o grande capital que atua no RS: sobre o patrimônio e, também, sobre os lucros e dividendos.
- Reestatizar, sem indenização, empresas como a CEEE Equatorial, que deixa a população sem luz e desliga eletricidade e bombas, sem avisar a população. É preciso retomá-la, colocando-a sob o controle dos trabalhadores, revertendo e suspendendo ainda todas as PPPs.
- Expropriar, sem indenização, as grandes empresas do agronegócio.
Controle operário
O povo e os trabalhadores devem tomar a reconstrução em suas mãos
A exemplo das cozinhas solidárias e da organização interna nos abrigos, a população atingida e os trabalhadores devem se organizar para discutir suas necessidades e exigir os recursos para reconstruírem ou reformarem suas casas, assim como exigir obras que garantam que não se repita outra tragédia, por falta de prevenção.
Exemplo disso é o que vem ocorrendo em Santa Cruz, onde moradores de cerca de mil casas estão se reunindo num comitê para discutir, exigir e garantir a preservação ambiental e obras que impeçam outras enchentes. Da mesma forma, também é preciso que os bairros de Porto Alegre se organizem.
É preciso exigir, também, a volta do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), a duplicação do quadro de funcionários do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Demae), colocando-os sob o controle dos trabalhadores destas empresas e da comunidade, para a prevenção e o funcionamento das casas de bombas e toda infraestrutura antienchentes, pois não será um prefeito que tem um negacionista como vice que vai garantir que no ano que vem não passaremos por outro pesadelo.
Isso vale também para a CEEE-Equatorial que, além de reestatizada, precisa estar sob controle dos trabalhadores e usuários, para que sejam garantidos a manutenção e os investimentos suficientes para que pare de faltar luz nos bairros.
Dessa forma, os comitês de atingidos nos bairros, as cozinhas solidárias e os voluntários dos abrigos, dentre outras iniciativas, podem organizar um verdadeiro conselho popular, onde possam discutir suas demandas e, depois, avançar na construção de um conselho de representantes de todos os bairros.
Autodefesa
A organização e mobilização dos atingidos é necessária inclusive para garantir a segurança da população diante dos roubos, da pressão de bandidos (e até do “tráfico”) nos abrigos, ou o saque de casas. Essas ameaças não precisam do Exército ou de uma segurança privada; mas, sim, da organização de comitês que escolham pessoas de confiança da população para a formação de comitês de autodefesa.
O que precisamos?
Por uma verdadeira política ambiental e de prevenção
Os planos de reconstrução que vão se desenhando caminham no mesmo sentido que apontaram os programas do governo Lula para as moradias: obras para beneficiar as grandes construtoras e não o conjunto da população.
É preciso, ao contrário, construir uma empresa pública, contratando os desempregados, e controlada pelos atingidos e trabalhadores, com assessoria de quadros técnicos ligados à defesa do meio ambiente. Uma empresa pública e estatal, sob controle operário e popular, que realize obras de contenção, como os diques em Porto Alegre, o Muro Mauá, as casas de bombas de drenagem.
Nada de privatização do Cais. Nada de empresas privadas em serviços públicos essenciais. Tudo isso deve ficar sob o controle dos trabalhadores.
Neste mesmo sentido, é preciso revogar, já, as 500 normas de flexibilização ambiental produzidas por Eduardo Leite e a Assembleia do Legislativa, assim como retomar as áreas de várzea, como as que o prefeito de Eldorado do Sul destruiu.
Política nacional de prevenção
É urgente, ainda, uma política nacional de prevenção a desastres climáticos, que serão cada vez mais frequentes e generalizados. Tivemos as enchentes no Nordeste e, mais recentemente, no Acre. É preciso construir um sistema estatal e público, que reúna cientistas e pesquisadores, a exemplo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que seja independente e controlado pelos trabalhadores.
Mudar o sistema
Socialismo ou barbárie
A tragédia escancara o caráter cada vez mais destrutivo de um capitalismo em crise, que ameaça a própria existência da humanidade. Lula, no discurso, se contrapõe aos negacionistas a crise climática, como o ultradireitista Sebastião Melo ouos negacionistas do então governo Bolsonaro, ao mesmo tempo, porém, em sua política de gerir o capitalismo, ele próprio defende a exploração de petróleo na Margem Equatorial, o que só poderá promover ainda mais os combustíveis fósseis para beneficiar as grandes petroleiras e a indústria automobilística.
É preciso derrotar a política econômica de austeridade do governo, responsável pelo sucateamento dos sistemas de prevenção. Mas também é preciso enfrentar sua política de beneficiamento dos banqueiros e grandes empresários, inclusive os megainvestidores que, hoje, lucram com a Petrobras. É preciso reestatizar a empresa e empreender, de fato, uma política de descarbonização, através de pesquisa e investimentos.
Mas os capitalistas não abrirão mão de seus lucros, mesmo que destruam a Terra ou afundem o povo em enchentes. É preciso um outro sistema, com os trabalhadores no poder, governando a grande maioria e não um punhado de bilionários. É preciso um governo socialista dos trabalhadores, apoiado em Conselhos Populares.