Por trás da tragédia: Responsabilidade do capitalismo e dos que governam para os ricos
O Rio Grande do Sul passa por sua maior tragédia. Cidades do interior do estado simplesmente viraram entulho e muitas estão isoladas. Quase 500 municípios foram afetados e, com a cheia do Guaíba, parte de Porto Alegre ficou debaixo d’água.
Projeções apontam que a inundação na capital pode durar até quase o final de maio. Falta água potável e energia elétrica na maioria dos bairros e a ameaça de desabastecimento paira sobre a população. Mortes, desaparecidos, saques, desespero, dor, sofrimento e revolta compõem o cenário de guerra.
Mas também se multiplicam as cenas de solidariedade. Vizinhos, trabalhadores, colegas de trabalho, amigos, associações, sindicatos, movimentos sociais e populares tentam se apoiar de todas as formas possíveis, resgatando vítimas, animais e pets, organizando abrigos e doações.
Há culpados, sim! E não é só a natureza!
Pela amplitude da destruição, as enchentes no Rio Grande do Sul já são a maior tragédia climática do país (veja ao lado). Para piorar, uma frente fria anuncia o início do inverno e está derrubando as temperaturas no estado.
Também há previsão de que surtos de doenças atinjam a população, como diarreias, infecções de pele, leptospirose, tétano e hepatite, devido a contaminação da água. Além disso, os problemas relativos à saúde mental que já estão sendo registrados, como depressão e ansiedade, tendem a se agravar.
Em meio às cenas de guerra e catástrofe, os governantes apelaram e disseram “que não é hora de apontar para os culpados”. Na verdade, querem esconder a total omissão que permitiu que essa tragédia se abatesse com toda a fúria sobre o povo gaúcho.
Uma omissão criminosa e cruel, que mostra o quanto os governos estão se lixando para as consequências das mudanças climáticas sobre o povo pobre, ao mesmo tempo em que promovem a destruição da natureza, negligenciam a manutenção da infraestrutura das cidades, cortam verbas para obras e serviços públicos e, ainda, repassam dinheiro para os grandes empresários.
Não faltaram alertas
Uma tragédia anunciada e que foi ignorada por todos os governos
A tragédia foi mais do que anunciada. Foi proclamada por alertas e boletins climáticos emitidos por vários institutos meteorológicos, inclusive advertindo sobre os riscos de que o estado iria enfrentar novamente severas chuvas, como em setembro do ano passado.
Todos alertavam sobre os riscos de grandes enchentes e catástrofes provocados pelo El Niño, um fenômeno climático produzido pelo aquecimento das águas equatoriais do Oceano Pacífico. Foi por isso que fortes tempestades castigaram o estado em 2023.
Ainda em janeiro, o Rio Grande do Sul foi atingido por fortes chuvas, incluindo Porto Alegre, com ventos de até 107 km/h. Em setembro do ano passado, fortes chuvas castigaram o estado e vitimaram mais de 50 pessoas. Dessa vez, choveu muito mais, o equivalente a três meses do que normalmente chove no estado. A média para essa época do ano é de 180 mililitros; mas, em alguns municípios, choveu 600 ou até 700 mililitros, algo equivalente a 700 litros em um metro quadrado.
A catástrofe mostrou toda a vulnerabilidade do Rio Grande do Sul, uma região de transição de massas de ar quente e frio. As condições hidrográficas e o relevo também não favorecem o escoamento dos grandes volumes de chuva, sobrecarregando a bacia do Rio Taquari e levando à inundação do Guaíba.
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Engavetando previsões inconvenientes para os “negócios”
Mas, os governos sabiam dos riscos. Há pelo menos 10 anos, em 2014, um relatório intitulado “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, encomendado pela gestão de Dilma Rousseff (PT), já apontava chuvas acentuadas no Sul do Brasil, em decorrência das mudanças climáticas, e indicava as providências a serem tomadas. Porém, por trazer previsões inconvenientes, o estudo foi negligenciado.
Além do aumento das chuvas no Sul, o relatório ainda previa a elevação do nível do mar, mortes por ondas de calor, colapso de hidrelétricas, falta d’água no Sudeste e uma piora das secas no Nordeste e na Amazônia. Vale a pena ler o documento para se ter um vislumbre das consequências do aquecimento global no país nas próximas duas décadas. Na época, o relatório custou R$ 3,5 milhões; mas foi engavetado pelo próprio governo Dilma.
O governador Eduardo Leite (PSDB) fez a mesma coisa. Em outubro, anunciou a criação do “Programa de Estratégias para as Ações Climáticas”, o ProClima/2050, para servir como um roteiro para ações e medidas de adaptação às mudanças do clima. Mas também não fez nada.
Pior! Ignorou todos os alertas dos cientistas, ao mesmo tempo em que flexibilizou a legislação ambiental em prol das atividades econômicas do agronegócio. As mudanças da legislação foram qualificadas por organizações ambientalistas gaúchas como o “maior retrocesso ambiental promovido por um governo”.