Será uma organização criminosa?
Conheça os grupos que querem abocanhar quase meio bilhão de reais dos precatórios dos professores da rede estadual do Maranhão
“Essas decisões não aconteceram nas assembleias (…) E eu tô passando tudo isso para o Ministério Público. E se vocês perguntarem, Felipe, por que você tá provocando o Ministério Público e não a Procuradoria do Estado? Pessoal, eu acho que nós estamos diante de uma organização criminosa. E são [escritórios] de três estados diferentes do Maranhão e estão agindo em várias prefeituras” (Felipe Camarão, Secretário de Educação e vice-governador do Maranhão)
Essa declaração, que o vice-governador do Maranhão deu no ato dos professores em São Luís nesta segunda-feira, 6 de maio, é muito grave e deve ser investigada. Antes, é preciso lembrar que este mesmo governo (PSB-PT) chegou a fazer uma reserva de 10% dos recursos do antigo FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), R$ 105 milhões, que deveriam ser destinados, exclusivamente, para pagamentos dos professores. Foi em razão da forte pressão realizada pela categoria nas redes sociais e no ato da segunda que o governo resolveu abrir mão desses recursos -reserva técnica- que de fato não lhes pertenciam.
Os outros R$ 386 milhões correspondem aos 15% que a direção do SINPROESEMMA (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica das Redes Públicas Estadual e Municipais do Estado do Maranhão- PT/PCdoB) reivindica para uma banca de advogados contratados com 5 escritórios, sendo 1 do Maranhão e 4 de outros estados. Somados, os valores da “reserva técnica” e o desta “banca” chega a R$ 491 milhões, quase meio bilhão de reais. Só para efeito de comparação: o valor dos precatórios para todos os professores no município de São Luís é de R$ 430 milhões, R$ 61 milhões a menos.
O Ministério Público Federal entrou com ação contra a União cobrando os recursos complementares do Fundef que foram repassados abaixo dos valores devidos a oito estados entre os anos 1997 a 2006. O estado do Maranhão recebeu R$ 1 bilhão e 700 milhões. 60% desse valor deve ser destinado aos profissionais do Magistério, em forma de abono. Os outros 40%, destinados para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).
Pois bem. Em 2015, essa ação foi julgada em favor dos estados. Apenas em 2022, a direção do SINPROESEMMA entrou com o pedido para que a tal banca de advogados fosse incorporada ao processo, ou seja, sete anos depois da ação ter sido transitada em julgado. O STF deferiu o pedido e incorporou a banca aos processos, mas apenas como “assistente simples” e não como parte do processo.
Mas, para tal “contratação” seria preciso o respaldo legal da categoria. Para isso, a direção do SINPROESEMMA realizou 19 assembleias nas regionais do sindicato para a aprovação da contratação dessa banca. Lembrando: a referida banca já estava atuando desde 2022, mas sua “aprovação” pela categoria só se deu em 2023. A direção do sindicato contratou a banca sem a categoria saber, a banca atuou sem ser parte do processo e, só depois disso, a categoria aprovaria sua contratação. É carro de boi correndo na frente dos bois em busca do suado dinheiro da categoria.
Pior ainda. Nas atas das dezenove assembleias, apenas em nove constam registros dos descontos de 15%, isso para os filiados, e 20%, para não filiados. Nas outras 10, que perfazem a maioria, não existe referência de percentual. Isso sem contar que os contratos foram assinados individualmente e não coletivamente. De acordo com o governo, o quadro de profissionais do Magistério do Maranhão é de mais 43 mil (achamos que é bem menos), mas menos de 700 assinaram os contratos. Isso corresponde a menos de 2% da categoria. E muitos desses estão denunciando que foram coagidos a assinar tais contratos, sob a ameaça de não receberem os seus precatórios. O próprio presidente do sindicato, Raimundo Oliveira (PT), gravou um vídeo chamando os professores a assinarem os contratos e procurações na sede do sindicato.
Tudo isso está no próprio documento que a direção do sindicato encaminhou ao STF no dia 8 de abril. Infelizmente, com todas essas irregularidades, ilegalidades e leviandades, o Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Nunes Marques, decidiu pelo bloqueio dos 15% do dinheiro dos professores.
Decisão política, não jurídica
No capitalismo, o jurídico, quase sempre, está subordinado ao político, isso em razão do caráter de classe dessa instituição burguesa. Isso fica evidente quando constatamos a natureza dos escritórios envolvidos neste caso. O Escritório Volk & Giffoni – sediado em São Paulo e com filial em Lisboa- ficaria com R$150 milhões. Em 2022, esse escritório foi um dos maiores doadores da campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, com mais de 700 mil reais. Tarcísio é um dos governadores que mais tem atacado a educação pública.
Vendo do ponto de vista jurídico, tudo isso parece uma aberração descomunal, mas juntando as peças políticas envolvidas no caso, temos a sensação de que estamos enxergando apenas a ponta do iceberg de algo muito mais profundo e imundo.
Diante disso, cabem algumas perguntas. Por que a direção do SINPROESEMMA não acionou apenas sua assessoria jurídica, já que os honorários advocatícios destes são pagos com os recursos dos filiados sem precisar meter a mão em nosso dinheiro? Por que o Ministro Nunes Marques bloqueou 15% dos nossos recursos a pedido de um documento leviano do começo ao fim? Por que, em seu próprio despacho, Nunes Marques cita que honorários advocatícios não podem ser descontados da verba principal destinada aos professores, os 60%, e foi justamente em cima destes recursos que ele autorizou o bloqueio? Por que o governo do Maranhão não moveu uma palha para barrar essa suposta “organização criminosa”?
Felizmente, a nossa categoria é uma das mais aguerridas do Brasil. Através do COTEMACS (Coletivo Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Maranhão no Campo Sindical), movimento que aglutina vários coletivos de oposição à atual direção do SINPROESEMMA, estamos denunciando esse escândalo e tentando reverter a situação. E é isso que tem levado a direção do sindicato a emitir notas e mais notas na imprensa para tentar fazer valer suas mentiras. Porém, a cada nota emitida seu nariz só espicha.
Raimundo Oliveira, presidente do sindicato, chegou a afirmar no Programa “Tribuna Sindical” que esses “advogados têm que receber para sobreviver”. E a categoria, seu Oliveira, vai sobreviver como? Entregando o que é lhe por direito para uma banca de advogados financiar seus inimigos de classe, a exemplo de Tarcísio de Freitas? Por acaso, o senhor virou um Robin Hood às avessas, que tira dos pobres para entregar aos ricos?
Por fim, achamos grave a denúncia que o vice-governador, Felipe Camarão, fez a respeito de uma suposta “organização criminosa” atuando nesses processos. O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, também fez esse tipo de alusão em sua conta no “X”, antigo twitter. Nós também não descartamos essa possibilidade. Por isso, exigimos que o Ministério Público e a Polícia Federal atuem para investigar todos esses casos com todos os seus envolvidos.
Quanto a nossa brava categoria, a saída é confiar em suas próprias forças, na sua organização e mobilização política, ainda que por fora do sindicato, e diretamente contra a sua direção. Os nossos advogados, que também são professores, estão fazendo um trabalho genial, mas é a indignação da categoria, transformada em mobilização política, que está fazendo os ratos pularem para fora da piscina. O caminho é este para alcançarmos a vitória.