Empresas de aplicativo controladas por bilionários impõem a escravidão moderna
Regulamentação do governo Lula piora a vida dos trabalhadores e abre a porteira para o fim definitivo da CLT e dos direitos trabalhistas
Há um discurso muito difundido de que os aplicativos de serviços de transporte e entregas, como a Uber e a iFood, dentre outros, geraram novas oportunidades de trabalho e transformaram o trabalhador em patrão de si mesmo. Mas, a realidade por trás desse conto de fadas é bem diferente.
Nas empresas tradicionais, você é contratado em função do tempo que fica disponível e, em troca disso, recebe um determinado salário. A diferença do trabalho por aplicativo é unicamente que o tempo durante o qual o trabalhador fica disponível para a empresa é variável e, até certo ponto, controlado pelo trabalhador.
Contudo, não há garantia de salário e, para fazê-lo crescer, o trabalhador tem que se submeter a jornadas extensas: 10, 12, 16 horas por dia. Em resumo, os motoristas e entregadores são trabalhadores assalariados remunerados de uma forma que aprofunda sua exploração, mas de uma maneira disfarçada.
O trabalho controlado por algoritmos controlados por empresas
A confusão se estabelece porque a remuneração dos motoristas também varia em função da quantidade de corridas realizadas, do tempo, da distância e do preço cobrado aos usuários.
Apesar disso, essas métricas não passam de critérios definidos pelas empresas para pagar o trabalhador pelo tempo em que ele ou ela trabalha. São as empresas que determinam, a seu bel prazer, o quanto deixam de pagar ao trabalhador a cada corrida. Pode variar de 20% a 25%, na média, como no Uber, por exemplo, mas pode ser muito mais, a depender das condições do dia, determinadas pelos algoritmos do aplicativo.
Para fugir disso, bastaria trabalhar em outro aplicativo? Não adianta. Porque as práticas são iguais e esses aplicativos são monopólios de um punhado de empresas. Ou seja, o trabalhador não tem alternativa.
Aqui se acaba o mito de que o trabalhador seria seu próprio patrão por, supostamente, possuir seu meio de produção. Seu meio de produção não é o carro, mas o próprio acesso ao sistema do aplicativo.
Terceirizados, sem direitos e superexplorados
O veículo só é um meio de produzir se for aceito na plataforma. O trabalhador, além de tudo, tem que garantir o carro ou a moto dentro dos padrões exigido pela empresa. Ou seja, a empresa terceiriza os custos deste meio de produção aos próprios trabalhadores. E ele, ainda, é obrigado a arcar com a manutenção e o combustível.
Essas empresas que utilizam trabalho por aplicativo, como Uber, iFood, Amazon, Mercado Livre e Loggi, são controladas por grandes fundos bilionários internacionais, que utilizam tecnologia para superexplorar os trabalhadores.
Empresas que desconsideram qualquer lei trabalhista conquistada ao longo de décadas, promovem a precarização e o rebaixamento dos salários, aproveitando-se do desemprego e das habituais relações capitalistas, como a humilhação e o assédio dos patrões. E com uma brutal campanha ideológica para que o trabalhador não mais se reconheça como tal.
UBER aplaude
Governo Lula faz uma regulamentação ao gosto das empresas
Por que os próprios trabalhadores e trabalhadoras são contra a lei de regulamentação do governo Lula?
Não é, fundamentalmente, que sejam “de direita” e se considerem “empreendedores”, embora possa haver essa confusão. O problema fundamental é que a lei proposta pelo governo não garante os interesses dos trabalhadores e, se não bastasse, conseguiu juntar o pior dos dois mundos. Nem têm os direitos do trabalho formal garantidos e, ainda, mexeu na suposta autonomia de tempo do trabalho informal. O problema central é que a lei manteve intactos os lucros exorbitantes desses monopólios capitalistas.
O governo não garantiu uma remuneração mínima decente para os trabalhadores e trabalhadoras. Estabeleceu um valor mínimo de R$ 32,10 para cada hora trabalhada. Parece muito, não? Mas, considerando que R$ 24 se referem a gastos, daria um “salário” de apenas R$ 8.
Além disso, o pagamento é por hora efetivamente rodada e não pelo tempo que o trabalhador estará disponível para a plataforma, seguindo a lógica do “trabalho intermitente”. Ao final, ele pode sair com menos de um salário mínimo. O governo também não tocou num dos principais temas cobrados pelos motoristas: a transparência e definição da repartição dos valores das viagens. Isto porque a Uber come parte cada vez maior dos valores das viagens.
Girando a roda da História pra trás
O limite de 12 horas de jornada, por sua vez, representa um retrocesso de um século nos direitos trabalhistas e, ainda assim, nada impede que o motorista atue 12 horas numa plataforma e 12 horas em outra. E, ainda assim, vendo sua remuneração diminuir.
O suposto direito à Previdência, que o governo alardeia, veio em base à definição de 20% de contribuição da empresa e 7,5% para o trabalhador, sobre o piso que a lei estabelece. Mas, hoje, muitos são Microempreendedores Individuais (MEIs), que já têm direito à aposentadoria, pagando o mínimo de R$ 70.
E, no fim, as empresas irão repassar os 20% para o preço das corridas e os trabalhadores terão, no término do mês, o salário menor com este desconto. Agora, vejamos: se a contribuição da empresa aumenta de acordo com a remuneração do motorista, é óbvio que as empresas irão, através de seus algoritmos, fazer de tudo para que ele não ganhe acima desse piso.
Não é à toa que os trabalhadores e trabalhadoras estejam protestando contra o projeto. Não foi à toa que a Uber e demais plataformas o aplaudiram. O governo Lula está institucionalizando o trabalho precário e abrindo a porteira para que todos os setores adotem esse mesmo sistema, enquadrando todos os trabalhadores na modalidade de “autônomos por plataforma”, sem direitos ou vínculo empregatício e totalmente à mercê das empresas.
Entenda o projeto do governo
- R$ 32 por hora trabalhada
- R$ 24 são gastos previstos (combustível, manutenção etc.)
- R$ 8 seriam o salário efetivo do trabalhador
- 44h/semanais garantiriam em tese um salário mínimo ao final do mês
- INSS: Desconto de 27,5% sobre os R$ 8 (20% pago pela plataforma e 7,5% pelo trabalhador)
Quem controla a Uber
Para onde vai o dinheiro que a Uber não paga aos trabalhadores?
A Uber atua no Brasil e outros 70 países. É uma grande multinacional, que conta com um quadro de funcionários com pouco mais de 30 mil trabalhadores reconhecidos. Mas o real número de trabalhadores e trabalhadoras da Uber são os 5,4 milhões motoristas ao redor do planeta, sendo 1 milhão só no Brasil, sem vínculo empregatício ou qualquer direito.
Esses trabalhadores precarizados ao redor do mundo garantem os lucros dos bancos e megafundos de investimentos que são os donos da Uber. Em 2023, ela lucrou 1,8 bilhão de dólares (cerca de R$ 9,2 bilhões). Pode parecer pouco para uma empresa desse porte, mas foram anos de “prejuízos”, apesar das receitas anuais bilionárias (só em 2016, foram 20 bilhões de dólares, ou R$ 102 bilhões), reinvestidos na expansão e na conquista do monopólio do setor. Uma expansão bancada pelos trabalhadores, à custa de uma remuneração rebaixada e jornadas de trabalho extenuantes.
Semi-escravidão
A exploração dos trabalhadores
Pesquisa realizada em 2022, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na região metropolitana de Belo Horizonte, em parceria com o Dieese e o Ministério Público do Trabalho, calculou o rendimento médio bruto do motorista em R$ 5.351. Um bom negócio, não?
O problema é que, após o trabalhador pagar gasolina, aluguel, prestação do automóvel, manutenção, internet, dentre outros gastos, essa remuneração caía para R$ 1.763. E isso para uma jornada média de 51 horas semanais.
iFood
Governo negocia com o iFood
A negociação do governo Lula para a “regulamentação” dos trabalhadores de aplicativos, como o iFood, é muito pior. Pelo que está sendo negociado entre a empresa, que monopoliza o serviço de entregas de comida no Brasil, e o governo, o valor mínimo ficaria por volta de R$ 17 a hora, a metade do projeto da Uber. E nada de melhoria nas condições de uma das categorias que se transformou em símbolo de precarização, da superexploração e do descaso.
O iFood teve um lucro de R$ 3,4 bilhões no ano passado, enquanto o entregador recebe R$ 6,50 (como mínimo) na entrega, e R$ 1,50 a cada quilômetro rodado (que teria sido reajustado para R$ 3). Segundo levantamento do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o rendimento do trabalhador varia entre R$ 807 a R$ 3000, dependendo da jornada, e sem qualquer direito ou garantia.
Mas, para onde vão esses bilhões produzidos por centenas de milhares de motoboys país? Apesar de ter sido fundado no Brasil, a empresa foi comprada, em 2013, pelo grupo Movile, que tem como acionista o bilionário Jorge Paulo Lemann. Em 2022, a Movile foi comprada pelo grupo holandês Prosus, cujo maior acionista é o fundo de investimento Nasper, da África do Sul.
Raio X do iFOOD
Lucro: R$ 3,4 bilhões
Proprietários: Prosus (grupo holandês controlado pelo fundo de investimento Nasper, da África do Sul)
Entregadores: 250 mil
Remuneração por jornada (sem contar custos do trabalhador):
– Média de 20h: de R$ 807 a R$ 1325
– Média de 40h: de R$ 1.980 a R$3.039
Contra a escravidão moderna
Expropriar as plataformas e os bilionários, colocando os “apps” sob controle dos trabalhadores
Ao contrário do que argumentam as empresas, é possível ter maiores salários para os trabalhadores, trabalhando menos e com preços mais baixos para os consumidores, comparados com o que se cobra hoje. Mas, para isso, seria preciso acabar com os bilhões de lucros que vão para os bolsos dos acionistas e donos desses negócios.
A contradição, aqui, não está entre “consumidor” e “trabalhador”; mas entre os trabalhadores e os bilionários proprietários dessas plataformas, que roubam o fruto do trabalho, não garantem qualquer direito e, ainda, batem no peito, na maior cara de pau, dizendo que estão gerando renda.
É preciso expropriar essas empresas, colocá-las sob o controle dos trabalhadores e trabalhadoras, garantindo carteira assinada e salário digno a todos, com plenos direitos, revogando as reformas Trabalhista, de Temer; e a Previdenciária, de Bolsonaro.
E isso é plenamente possível. Na verdade, é a única forma de garantir dignidade a esses trabalhadores e trabalhadoras. Mas, para isso, é preciso enfrentar os bilionários e não trabalhar para eles, como faz o governo Lula.