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Conflitos no campo e a falácia do ‘Programa Terra da Gente’

Relatório 'Conflitos no Campo – Brasil', da Comissão Pastoral da Terra, registrou 2.203 conflitos agrários no Brasil em 2023

Waldemir Soares, da CSP-Conlutas

2 de maio de 2024
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Segundo CPT, mais de 950 mil pessoas e cerca de 59,4 milhões de hectares de terra estiveram envolvidos em conflitos no ano passado | Foto: Mídia Ninja

Waldemir Soares Jr., de São Carlos (SP)

No dia 22 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a nova edição do relatório “Conflitos no Campo – Brasil”, com registro de 2.203 conflitos relacionados à localização agrária para o ano referência de 2023. É o maior número registrado desde 1985.  Os conflitos registrados resultaram em 31 assassinatos, sendo 45% deles contra indígenas.

Ainda, de acordo com a CPT, os ruralistas foram os principais causadores de violência, responsáveis por 31,8% das ocorrências; seguidos pelos empresários, com 19,15%; o governo federal, com 11,2%; os grileiros, com 9,25%; e os governos estaduais, com 8,9%.

Mais de 950 mil pessoas e cerca de 59,4 milhões de hectares de terra estiveram envolvidos em conflitos no ano passado. Do total de conflitos apontados pelo relatório, 1.724 estão relacionados a disputas por terras, 251 são relativos a trabalho escravo e 225 envolvem disputa por água.

Os números apresentados pela CPT chegam num momento delicado para o governo federal. Passados 16 meses de governo, Lula não conseguiu avançar com o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Apesar de existirem importantes pontos no “Programa Terra da Gente”, questões estruturais impedem a sua aplicabilidade, como, por exemplo, o Arcabouço Fiscal e a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Veto aos que lutam pela terra

Os problemas não são apenas esses. Não bastasse o não enfrentamento ao arrocho imposto para garantir o pagamento aos banqueiros, o governo Lula também não enfrentou o finado legado de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que, em 2021, aprovou a Medida Provisória nº 2183-56/2021 que diz o seguinte:

“O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.”

A vigência da MP 2183-56, que inclui o parágrafo 6º, no segundo artigo da Lei nº 8629/91, impede que os movimentos sociais busquem a reforma agrária. Em análise reversa, a partir do “Programa Terra da Gente”, no que se refere à participação no Programa Nacional de Reforma Agrária, estão excluídos todos os acampados que ocuparam fazendas ou áreas improdutivas.

Se um dos objetivos do “Programa Terra da Gente” é acabar com os conflitos fundiários, estamos diante de uma falácia. Não, o programa não acaba e, tampouco, reduz os conflitos fundiários, se os movimentos sociais continuam com os grilhões do governo tucano atados em seus tornozelos. Os conflitos continuarão, quiçá, com maior força, tendo a miséria ganhado mais espaço e esteja cada vez mais presente na casa dos camponeses e demais trabalhadores.

Se um dos objetivos do ‘Programa Terra da Gente’ é acabar com os conflitos fundiários, estamos diante de uma falácia

‘Freio de arrumação’

Mas o “Programa Terra da Gente” é ruim? Não, ele é insuficiente. E os camponeses precisam compreender a realidade. O governo Lula busca a governabilidade para manutenção do poder político. E, para isso, precisa acalmar as bases, dentre elas a camponesa.

O “Programa Terra da Gente” é o que chamamos de “freio de arrumação”. Digo que faço, eles fazem que acreditam… E a violência continua de outra forma. Mas, agora, com apoio dos oprimidos.

Enfrentar Arcabouço Fiscal e o agronegócio

Não há novidade alguma no “Programa Terra da Gente”. O ponto positivo é reunir, num mesmo decreto, ordenamentos jurídicos espalhados em tantos outros decretos e portarias. Do ponto de vista técnico é importante. Já sua aplicabilidade é duvidosa, pois depende do orçamento, da estrutura e das normas legais.

Assim, para os primeiros passos da reforma agrária no Brasil, será preciso enfrentar o orçamento, a estrutura e a legalidade. Esses são os pilares estruturantes da redução dos conflitos fundiários, sem que nos aprofundemos, aqui, na inoperância do Poder Judiciário quanto à investigação e punição das milícias rurais.

“Denunciar” e “exigir” continuam como palavras de ordem para os camponeses. A Reforma Agrária é mais necessária que em outros tempos. A crise do sistema capitalismo produz fome e exploração. No governo “da governabilidade burguesa”, sustentado pelo capital agrário (o chamado agronegócio), os camponeses estão na linha de frente e de mãos dadas com outros trabalhadores e os povos originários para superar o sistema econômico.

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