Vitória! Depois de muita luta, Zezoca, militante da ex-Convergência Socialista, foi anistiado!
Julgamento, realizado no último dia 20, reconheceu que José Welmovicki, o Zezoca, foi perseguido na condição de jornalista da revista “Versus” e como militante da Convergência Socialista (CS), corrente política que deu origem ao PSTU
Alberto Albiero Jr, advogado de anistiados políticos; Mané Bahia, ex-perseguido político e metalúrgico no ABC nos anos 1980
Em julgamento realizado no último dia 20, a Comissão de Anistia reconheceu a perseguição sofrida pelo companheiro José Welmovicki, o Zezoca, na condição de jornalista da revista “Versus” e como militante da corrente política Convergência Socialista (CS), durante o regime militar imposto pelo golpe de 1964.
Zezoca iniciou sua militância política em 1971 no movimento estudantil na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, quando cursava Engenharia, participando das mobilizações contra o regime militar, sendo eleito para o Diretório Acadêmico no ano seguinte. Em 1976, ingressa na Liga Operária, organização que antecedeu a CS e, em 1977, é preso pela primeira vez ao participar do III Encontro Nacional dos Estudantes, sendo considerado “elemento subversivo” pelo regime militar.
Em 1978, quando já trabalhava como jornalista, foi preso novamente e levado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), junto com o dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno e outros companheiros, ao participar do lançamento do Movimento Convergência Socialista, em São Paulo. Foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, permanecendo preso por três meses e meio.
O objetivo do regime militar era destruir a CS. Desde 1977 já se desenvolvia a chamada Operação Lotus, que monitorava e perseguia os militantes da Liga Operária, como retrata o Informe nº 1.194, do Serviço Nacional de Informações (SNI):
OPERAÇÃO “LOTUS”
A 28 abr 77, em virtude da detenção, pelos Órgãos de Segurança de São Paulo, de alguns elementos que realizavam panfletagem, alusiva ao dia “1° de Maio”, tomou-se conhecimento da existência da organização subversiva, de linha trotskysta, auto-denominada LIGA OPERÁRIA (LO).
A partir de 19 Set 77, procedeu-se ao início de uma OPERAÇÃO DE INFORMAÇÕES (OPERAÇÃO “LOTUS”) que visava levantar toda a estrutura orgânica, bem como as diversas frentes de atuação da LO.
(…)
Em 22 Ago 78, mediante autorização superior, o DOI/II Ex, em conjunto com o DOPS/SP, iniciou o desmantelamento daquela organização subversiva, …
Intenção esta que fica nítida, também, na justificativa do delegado Edsel Magnotti para a prisão de Zezoca e dos demais companheiros em 1978:
Dos indiciados deste inquérito encontram-se presos nos termos do artigo 59 de seu §1º, os indiciados … JOSÉ WELMOVICKI …., para os quais venho requerer a decretação da prisão preventiva , nos termos do §2º do artigo 59 da L.S.N., já que, embora tenham residência fixa, a liberação dos mesmos para aguardar soltos o processo será o mesmo que liberar o comando da organização subversiva ora descoberta, uma vez que são eles os Coordenadores e delineadores de todo o trabalho político-subversivo desenvolvido pelas bases dessa organização…
A libertação dos presos foi fruto de uma grande campanha nacional e internacional, que incluiu uma greve de fome, como retratam os arquivos da ditadura.
A repressão se estendia ao jornal da organização, com invasão das sedes e instauração de inquéritos policiais e interrogatórios, conforme a determinação do Conselho Permanente de Justiça do Exército:
A diligência é necessária ao esclarecimento dos fatos narrados na denúncia, que atribui ao jornal VERSUS ser órgão divulgador de uma organização subversiva clandestina auto- denominada Partido Socialista dos Trabalhadores.
Isto posto, decide o Conselho, por unanimidade de votos: … decretar a interdição da sede do jornal VERSUS para o fim de nela se realizar busca e apreensão de todo o material necessário ao fiel cumprimento da ordem judicial … Expeça-se o mandado respectivo, a ser cumprido pelo DOPS de São Paulo … 14/05/1979.
Vale lembrar que o final dos anos 1970 foram marcados por grandes mobilizações operárias, em especial no ABC paulista, duramente reprimidas pelo regime militar com prisões, torturas, assassinatos, intervenção em sindicatos.
A CS teve uma atuação muito ativa nessas greves, sendo suas ações alvo de preocupação e monitoramento por parte do regime, conforme documentos oficiais da época retratam.
E, ao mesmo tempo, desencadeiam uma forte repressão à atuação da CS e de seus militantes, como retratam os jornais da época:
DOPS investiga Convergência
A divisão de ordem social, o DOPS, instaurou sindicância sobre a infiltração da Convergência Socialista nas greves do ABC. Ontem, vários dos 24 operários detidos, quando formavam piquetes em Santo André revelaram que as fábricas e sindicatos veem sendo visitados por elementos da Convergência Socialista, que eles reconheceram em álbuns do DOPS. (O Estado de São Paulo, 20 de março de 1979)
A participação dos militantes da CS era tão intensa que levou o secretário de segurança pública do Estado de São Paulo a declarar: “é essa Convergência Socialista que está insuflando o operário à greve. Eu não acredito em uma infiltração da Convergência Socialista, tenho certeza” e, defendendo a repressão, afirmou que “os espancamentos, às vezes – declarou ainda – são atitudes enérgicas, mas não exageradas”. (Capa do Estado de São Paulo, 18 de março de 1979)
General admite ação do Exército
A intervenção do Exército contra a disseminação de greves e no controle de possíveis tumultos provocados por elas foi admitida ontem por Oficial General do Estado Maior do Exército … Para o general, foi clara a presença da Convergência Socialista nas paralisações do ABC e “sem dúvida devem existir mais casos”. O general afirmou que o Centro de Informações do Exército (CIE) está acompanhando a evolução das greves e de todos os movimentos reivindicatórios do país. (Estado de São Paulo, 26/04/79) (grifo nosso)
A repressão tem continuidade nos anos seguinte. Em 1980, diversos atentados a bombas atingiram sedes de jornais de diversas organizações de esquerda, não sendo diferente com a Convergência Socialista, tendo a sede novamente invadida pela polícia.
Perseguições a Zezoca
Enfrentando dificuldades de sustentar-se como jornalista, Zezoca procura emprego na sua área de formação acadêmica: engenheiro. Consegue emprego na empresa Dismac Industrial S.A., de São Paulo, em setembro de 1981, mas logo é descoberto e demitido em dezembro do mesmo ano.
As demissões eram uma das formas de perseguição, não só para impedir o trabalho político nas empresas, mas também para estrangular financeiramente os militantes de esquerda, obrigando-os muitas vezes a mudar de cidade para buscar emprego, ou para pararem de militar, além de servir como intimidação aos demais trabalhadores.
Mesmo com todas as dificuldades, Zezoca dá continuidade a sua militância política, participando ativamente das mobilizações pela derrubada do regime militar e na construção de ferramentas políticas para a libertação da classe operária da opressão e exploração capitalista, tanto em nível nacional como internacional, sendo constantemente monitorado pelos órgãos de repressão, como demonstra a vasta documentação localizada nos arquivos da ditadura.
Como integrante da CS, Zezoca participou da fundação do PT e da CUT nos anos 1980. Em 1992, é expulso do PT, junto com os demais integrantes da CS, por não se render ao projeto de conciliação de classes e vem a ser um dos fundadores do PSTU em 1994, além de integrar e construir a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI).
A importância da reparação
Passados 60 anos do golpe de 1964, ao contrário do que diz Lula, não podemos esquecer as atrocidades do regime militar, muito menos deixar de condená-las. Não só para evitar novos golpes militares, mas também porque parte do aparato repressivo se mantém, como vemos nas mortes promovidas pela Polícia Militar (estrutura criada durante o regime militar) nas periferias e na perseguição a manifestantes.
Ainda hoje nas fábricas, um ativista que não tenha estabilidade no emprego é imediatamente demitido quando descoberto, sem falar nas demissões arbitrárias de dirigentes sindicais, até mesmo no serviço público e nos assassinatos de lideranças indígenas, quilombolas e de sem-terra.
Além disso, até agora a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Bolsonaro, não foi reinstalada pelo governo Lula, apesar do Ministério Público Federal (MPF) ter recomendado ao governo federal a sua reabertura, o que contribui para o esquecimento dos milhares assassinatos promovidos pela ditadura.
A investigação dos crimes da ditadura e a condenação a seus atos, a punição dos torturadores e das empresas privadas e públicas que financiaram o golpe de 1964 e o 8J (2023), fazem parte da luta e das reivindicações dos trabalhadores, pois tanto a ditatura do passado como os atos repressivos da atualidade estão a serviço da manutenção da opressão e exploração capitalista.
É parte, também, do combate à propaganda da direita e extrema-direita de que na época do regime militar vivia-se melhor e não havia corrupção. Uma mentira, pois durante o regime militar uma série de direitos foram atacados (como a estabilidade no emprego para todos os trabalhadores) e a corrupção era ainda mais escondida (como nas construções superfaturadas da Usina de Itaipu, da ponte Rio-Niterói, dentre outras tantas).
Por isso, nesse próximo dia 31 de março “não temos nada a esquecer” e o reconhecimento da perseguição e da condição de anistiado político ao camarada Zezoca, assim como a tantos outros militantes que combateram a ditadura, insere-se nessa luta por memória, reparação e, para nós do PSTU, deve estar combinada com a luta por um sistema sem explorados e exploradores: o socialismo!