59 anos da morte de Malcolm X: “Não é possível haver capitalismo sem racismo”
Com uma trajetória marcada por uma oratória espetacular, posições sempre polêmicas e uma inegável disposição militante, Malcolm X é um símbolo da luta contra o racismo e da necessidade de compreendê-la integrada à luta anticapitalista. Uma compreensão, lamentavelmente, cada vez mais rara no movimento negro que, majoritariamente, acredita na possibilidade de “reformas” no capitalismo para beneficiar a população negra.
Nascido em 19 de maio de 1925, com o nome de Malcolm Little, o futuro líder teve uma infância e juventude comum entre os jovens negros da época. Em 1929, o garoto viu sua casa ser incendiada por racistas; dois anos depois, seu pai, Earl Little, pastor e ativista negro, foi encontrado morto, atropelado por um bonde, em um episódio provocado pelos grupos supremacistas brancos.
Poucos anos depois, em 1939, o jovem Little assistiu sua mãe ser levada para um sanatório depois de um colapso nervoso. Nos anos seguintes, ele passou por várias instituições e famílias adotivas, trabalhando nos mais diversos empregos. Foi engraxate, lavador de pratos, garçom e trabalhador braçal na rede ferroviária.
Daí para a marginalidade não foi um longo passo. Vivendo em Nova York, onde assumiu o apelido de Big Red, Malcolm envolveu-se com tráfico de drogas, prostituição, contrabando de bebidas e todo o tipo de trambiques. Um currículo que acabou levando-o para a prisão, em 1946, onde permaneceu por mais de seis anos, até meados de 1952.
Foi dentro da prisão que ele se converteu para o grupo Nação do Islã, adotando, em 1953, o nome Malcolm X (o “X” significando a perda de seu nome africano e a imposição de um sobrenome dado pelos escravocratas do passado) e tornando-se rapidamente um dos principais oradores da organização. Sua importância para a Nação do Islã pode ser medida pelo crescimento da entidade. De sua entrada até 1963, o grupo saltou de 500 para 30 mil membros.
Em 1959, um ano depois de ter ser casado com Betty Shabazz, Malcolm visitou o Oriente Médio e a África, em uma viagem que marcou profundamente seu futuro e suas posições políticas. Em 1964, a descoberta das falcatruas e problemas morais do principal dirigente da Nação do Islã, Elijah Muhammad (que usava de seu prestígio para assediar sexualmente várias mulheres do grupo) fez com que Malcolm rompesse com a Nação e fundasse uma nova organização, a Muslim Mosque (Mesquita Muçulmana).
Pouco depois, Malcolm X fundou a Organização da Unidade Afro-Americana (OAAU, na sigla inglesa), um grupo político laico, que refletia sua crescente aproximação com setores não-religiosos da luta anti-racista, entre eles, muitos estudantes, sindicalistas, militantes comunistas e socialistas. Uma tendência que havia ficado particularmente evidente em abril de 1964, em uma carta sobre sua viagem à Europa, à África e à cidade de Meca. Depois de entrar em contato, pela primeira vez, com ativistas e militantes de diversas culturas e etnias, Malcolm escreveu que, durante sua peregrinação, havia encontrado brancos que lhe deram uma nova e positiva perspectiva sobre as relações raciais. O impacto dessas viagens foi tamanho que Malcolm até mesmo passou a assinar sob um novo nome, El-Hajj Malik El-Shabazz.
Nos meses seguintes, a perseguição por parte dos conservadores e da direita, e as divergências com a Nação do Islã, aumentam na mesma proporção de suas atividades e palestras. Sua posição pública sobre o direito dos negros praticarem a autodefesa armada servia de argumento para violentos ataques da imprensa, da burguesia branca e, inclusive, de outros grupos anti-racistas. O clima de tensão ficou evidente em 14 de fevereiro de 1965, quando sua casa foi bombardeada.
Uma semana depois, no dia 21, Malcolm foi morto, aos 39 anos, com vários tiros, quando iniciava um discurso na sede nova-iorquina da OAAU. Logo após, três membros da Nação do Islã foram presos, acusados pelo assassinato. Nos anos que se seguiram, as evidências sobre a participação de órgãos federais, como a CIA e o FBI, não pararam de surgir.
Próximo de sua morte, em uma de suas palestras, Malcolm fez uma afirmação que em muito sintetiza sua luta e serve de legado: “Eu acredito que haverá um confronto final entre os oprimidos e aqueles que os oprimem. Eu acredito que haverá um confronto entre os que querem liberdade, justiça e igualdade para todos e aqueles que querem dar continuidade ao sistema de exploração“.
Do racialismo ao anticapitalismo
Em boa parte da vida, Malcolm, apesar de ver o “sistema” como principal inimigo, não compreendeu a necessidade da unidade classista também na luta anti-racista, vendo praticamente todos os brancos como inimigos em potencial. Apesar disso, diferentemente de muitos líderes da época, jamais acreditou na possibilidade de reformar o sistema e muito menos de derrotá-lo por vias pacíficas, como acreditava Marther Luther King, por exemplo.
Defendendo que a luta contra o racismo deveria se dar “de qualquer forma que fosse necessária“, Malcolm foi, aos poucos, adquirindo uma consciência mais internacionalista e classista. Não só saudou a luta pela independência na África, como apontou a Revolução Cubana como parte da “rebelião dos oprimidos contra os opressores”.
Esta compreensão fez com que, ao final, Malcolm identificasse o principal responsável pelo racismo: “O capitalismo costumava ser como uma águia, mas agora se parece mais com um urubu, sugando o sangue dos povos. Não é possível haver capitalismo sem racismo”.
A Nação do Islã, mantendo sua visão “racialista”, bandeou-se para uma espécie de conservadorismo negro e hoje é dirigida por Louis Farrakan, defensor do “empoderamento” dos negros nos marcos do capitalismo. Uma trajetória que pode se repetir com qualquer entidade do movimento negro que não adote um perspectiva radicalmente anticapitalista ou que seja conivente com o sistema.
Artigo originalmente publicado em 2005