Em Pernambuco, Lula afaga militares e culpa as favelas por devastação ambiental
O petista autorizou a construção de uma escola de sargentos numa uma área de preservação ambiental, contrariando ambientalistas e povos indígenas
Caio Marx, do Coletivo Rebeldia
Na última sexta-feira, dia 19, em visita a Pernambuco, o presidente Lula (PT) participou de evento junto com a governadora Raquel Lyra (PSDB) onde foi assinado um termo de compromisso com os militares para apoiar a construção de uma escola de sargentos numa uma área de preservação ambiental (APA) de Aldeia, numa região de Mata Atlântica.
O projeto foi aprovado, ainda em 2021, com investimento de 1,8 bilhão, pelo então presidente Jair Bolsonaro (PE), que na época veio a Pernambuco anunciar a obra junto ao comando militar do Nordeste. Agora foi a vez de Lula rasgar elogios ao projeto e defender a construção da escola de sargentos na área, contrariando os ambientalistas e povos indígenas que afirmam ser esta obra um desastre de impacto ambiental irreversível.
A política ambiental do governo Lula é contraditória, pois o governo fala em combater a devastação ambiental, mas na prática aplica uma política antiambiental. Por exemplo, o novo governo Lula resiste em mudar a matriz energética com a ação do governo brasileiro para fazer parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e, assim, forçar a exploração de petróleo na margem equatorial, ou seja, privilegiando a produção e emissão de carbono que é um dos principais fatores da elevação da temperatura do planeta.
Além disso, servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) estão em greve, devido às péssimas condições de trabalho. Sem os serviços públicos de proteção ambiental e combate ao desmatamento, a situação da Amazônia e de outros biomas brasileiros tendem a piorar.
A política antiambiental do governo se reflete também na situação do povo Yanomami, seu território segue sendo invadido pelo garimpo que além de devastar o meio ambiente, também, mata os povos indígenas. Os Yanomamis continuam sofrendo um processo de genocídio com um número de mortos de 2023 maior do que em 2022, isto demonstra que nem sequer o garimpo ilegal o governo Lula conseguiu enfrentar, e nem poderia, pois, o novo governo é um governo de unidade nacional com a burguesia brasileira e de defesa das instituições burguesas, como o exército brasileiro.
O governo Lula, além de se contradizer na sua política ambiental, também se contradiz no que diz respeito ao combate ao bolsonarismo. O atual presidente rasga o verbo contra Bolsonaro, mas sua política de aliança com a alta cúpula militar demonstra que este governo não vai enfrentar o bolsonarismo até às últimas consequências. Enquanto que as políticas ambientais do governo Lula atacam o meio ambiente, as políticas do governo com relação aos militares é bem diferente, em busca de aproximar a alta cúpula do exército o governo segue mandando vultosos recursos públicos para os militares e fez uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo. E, até agora, não puniu nenhum militar da alta cúpula golpista, o que mostra a política do governo Lula de respeito à hierarquia reacionária das Forças Armadas.
Lula defende o legado ambiental dos militares
Lula, na presença da governadora Raquel Lyra e do comando militar do Nordeste desferiu um golpe na luta dos ambientalistas e povos indígenas que são contra a construção da escola de sargentos na APA Aldeia/Beberibe. Além de defender a construção da escola, Lula teve a cara de pau de afirmar que graças aos militares é que a APA ainda está de pé e não se transformou em favela:
“Eu sei da vocação e da capacidade de luta dos nossos ambientalistas, sei de tudo isso, mas o que a gente precisa fazer, a gente precisa agradecer alguma coisa. Se não fosse o Exército nessa área, ainda teria alguma árvore aqui ou tudo teria se transformado em favela, em ocupação desordenada?”
Nesta declaração, o presidente defendeu abertamente a conduta dos militares diante da questão ambiental e, pior ainda, pareceu culpabilizar as áreas de favelas como devastadoras do meio ambiente. Dessa forma, Lula não parece se importar nem um pouco com a destruição de uma área de cerca de 10 mil campos de futebol com 7 hectares de Mata Atlântica de regeneração natural, nem com as nascentes dos rios que estão concentrados na floresta e que abastecem o Reservatório Botafogo, o qual fornece água há vários municípios do Grande Recife. Não se preocupa com a Mata Atlântica, que atualmente só possui cerca de 7% de área florestal ainda de pé no Brasil e está bem perto da extinção.
Para afagar os militares, Lula e Raquel Lyra defenderam o legado ambiental do exército brasileiro. A alta cúpula do exército sentiu-se lisonjeada com o apoio e esta não foi a primeira demonstração de apoio de Lula aos militares. O atual presidente nomeou o bolsonarista José Múcio para Ministério da Defesa, para apaziguar a alta cúpula militar. Assim como, seu governo não responsabilizou ou prendeu nenhum militar pelos crimes cometidos durante a gestão de Jair Bolsonaro, as mortes na pandemia de covid-19, que inclusive tinha um militar da ativa à frente do Ministério da Saúde, e no genocídio praticado contra o povo indígena Yanomami, que teve participação e envolvimento da alta cúpula militar que apoiou o governo de Jair Bolsonaro. Todos seguem impunes.
Além disso, a mesma alta cúpula militar esteve à frente na organização dos atos golpistas do dia de 8 de janeiro do ano passado, mas parece que todos esses acontecimentos da nossa história recente não são suficientes para o governo Lula, que em nome da tal “governabilidade” e “reconstrução do país” segue apoiando as políticas dos militares e, portanto, não combatendo até às últimas consequências um dos principais sustentáculos do governo Bolsonaro. E, nem poderia, pois, a natureza do atual governo Lula é a colaboração de classes e a sustentação do seu governo está na grande burguesia brasileira, nos bilionários e no agronegócio, inclusive por antigos aliados de Bolsonaro como o latifundiário Arthur Lira.
Sendo assim, este governo não vai enfrentar a alta cúpula do exército e muito menos irá até às últimas consequências contra o bolsonarismo, pelo contrário, o atual governo Lula governa para os ricos e ataca os trabalhadores, ambientalistas, indígenas e quilombolas.
Lula mente ao dizer que o exército protege o meio ambiente
A agenda ambiental do exército durante os 21 anos de ditadura empresarial-militar foi de massacre dos povos indígenas, devastação e destruição ambiental, principalmente, da Amazônia, pela construção de rodovias e barragens que desapropriaram centenas de trabalhadores no Brasil.
A partir de empréstimos externos, os militares iniciaram o projeto de integração amazônica, desmatando a floresta e expulsando povos indígenas da região. O slogan do regime militar era “integrar para não entregar”, desconsiderando os povos e comunidades que ali já viviam e resistiam.
Em 1972, foi inaugurado a rodovia Transamazônica (BR-230) onde foram despendidos mais de um bilhão de dólares e o próprio Ministro do Interior do regime militar afirmou que a rodovia cortaria 29 etnias indígenas gerando remoções, disputas na região e genocídio indígena. Além desta, foram construídas outras rodovias na região amazônica como a BR-163 e a BR-319.
A construção de barragens e hidrelétricas fizeram parte também do projeto de destruição ambiental e genocídio do regime militar. Além da construção de Itaipu, a Companhia Vale do Rio Doce criou o programa Grande Carajás para explorar minerais, como ouro e níquel, atravessando os rios Xingu, Araguaia e Tocantins numa área de quase um milhão de Km².
Os militares, para incentivar a mineração no país, criaram o Projeto Radar da Amazônia (Radam), que realizava prospecção de minérios no território nacional e utilizava recursos públicos do Plano de Integração Nacional (PIN). Na região do Grande Carajás, no Estado do Pará, ainda foram construídas a hidrelétrica do Tucuruí, a estrada de ferro Carajás e o porto de Ponta da Madeira para escoar a produção de minérios. Estas obras desapropriaram vários trabalhadores de suas terras e interferiram na cultura e modo de vida de vários povos indígenas, dentre eles, segundo a Comissão Nacional da Verdade, o povo indígena Parakanã, que já havia sido expulso de suas terras pela Transamazônica, e mais uma vez, foram expropriados.
Apesar da criação de todo um arcabouço fiscal ambiental como o Código Florestal e o Estatuto da Terra, em 1965, o regime militar só o fez para garantir o controle sobre as áreas públicas, com o objetivo de transformá-las em ativos ambientais e minerais.
O legado dos militares é de devastação da natureza e entrega dos recursos naturais para os estrangeiros, assim como de massacres e expropriações dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores do campo. Com o apoio dos latifundiários do agronegócio e de empresas multinacionais, os militares aprofundaram o processo de recolonização do país e de entrega das nossas riquezas.
Para enfrentar os militares e defender o meio ambiente é preciso ser oposição de esquerda ao governo Lula
Diante disso, o legado ambiental dos militares foi de devastação, destruição e genocídio indígena. Bem diferente do que disse Lula. Estender a mão aos militares, como fez o petista, significa negar a responsabilização dos crimes ambientais e sociais durante o regime militar e durante o governo Bolsonaro.
Por isso, apoiar e garantir mais esse desastre ambiental só demonstra como o governo Lula está atrelado aos interesses da alta cúpula militar. Pior ainda, na sua fala Lula culpabiliza o processo de favelização dos espaços urbanos pelas devastações ambientais. Sendo assim, Lula absolve a alta cúpula militar, as grandes empresas de mineração como a Vale e a Braskem, o agronegócio e todos os bilionários deste país dos seus crimes ambientais e sociais para responsabilizar os trabalhadores negros e pobres das periferias e favelas, demonstrando de que lado está o seu governo. E, aprofunda ainda mais o racismo ambiental no nosso país, pois a verdade é que são os trabalhadores e trabalhadoras negros e negras, quilombolas e indígenas quem mais sofrem com os desastres ambientais como enchentes, queimadas, elevação da temperatura do planeta e outros.
Dessa maneira, é necessário que os movimento ambientalista, indígena e quilombola rompam com o governo de colaboração de classes do Lula para construirmos um campo de luta da classe trabalhadora, indígena e quilombola, pois a forma capitalista de produção está destruindo a natureza, empobrecendo os trabalhadores e destruindo o modo de vida das comunidades indígenas, quilombola e ribeirinhas.
Por isso, precisamos denunciar esta fala racista e antiambiental de Lula e exigir que a APA Aldeia/Beberibe continue de pé. Para isso, é necessário organizar a luta da classe trabalhadora e lutar junto aos movimentos ambientalistas e dos povos indígenas do Estado de Pernambuco para defender a Mata Atlântica e construir uma oposição de esquerda, socialista e revolucionária para enfrentar o governo de colaboração de classes Lula-Alckmin, a alta cúpula militar e os bilionários.
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