Internacional

Agressão imperialista ao Iêmen pode levar à guerra na região

Américo Gomes, do Instituto José Luís e Rosa Sundermann

17 de janeiro de 2024
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Manifestantes protestam no Iemen contra ataques aos Houthis Foto Mohammed Mohammed/Xinhua

Nas últimas semanas foram várias as agressões imperialistas contra os povos árabes e da região do SWANA (sudoeste da Ásia e norte da África”). [1]

Israel continuou realizando uma série de ataques contra o Hezbollah no sul do Líbano, que causaram várias baixas. No dia 8 de janeiro chegou até os subúrbios do sul de Beirute para matar Wissam Tawil, comandante sênior das forças Radwan do Hezbollah; na Cisjordânia atacou campo de refugiados e mesquitas. O caso mais cruel foi o assassinato de três jovens, de 22 a 24 anos, atropelados por um tanque no norte do território ocupado.

Após Israel matar um líder do Hamas no Líbano, e o Irã sofrer um atentado que deixou ao menos 84 mortos no dia 4 janeiro, os Estados Unidos promoveram um ataque com drone para matar, em Bagdá, o chefe de um grupo pró-Irã, Harakat Hezbolla al-Nujaba[2], baseado no Iraque.

Agora, uma coalizão liderada pelos Estados Unidos lançou ataques aéreos contra o Iêmen e os rebeldes Houthis por atacar navios em rotas de navegação comercial no Mar Vermelho em apoio aos palestinos de Gaza. Os bombardeios atingiram a capital iemenita, Sanaa, matando e ferindo combatentes e civis.

Isso demonstra, por um lado, a impossibilidade completa da existência de dois Estados na Palestina, pela saga destruidora de Israel e do imperialismo norte-americano, e que a estratégia da resistência tem que ser a destruição do Estado de Israel.

Por outro lado, demonstra que a política de Israel e o imperialismo é a capitulação total e submissão dos governos dos países da região.

As burguesias governantes destes Estados, como Arábia Saudita, Irã e Líbano estão dispostas a aceitar. Porque mesmo com todos estes ataques, ainda se recusam a enfrentar militarmente Israel. Estes governos da região têm como estratégia pactuar com os sionistas, vide os Acordos de Abraão.

Uma guerra regional para derrotar Israel

Isso somente será conseguido com a formação de alternativas de direção aos governos da região. Se isso ocorrer, está colocada a possibilidade da mudança da correlação de força militar na região. Até este momento somente os Houthis e a resistência palestina estão indo ao combate militar.

A direção dos Houthis afirmou que os países imperialistas então entrando na “maior loucura de sua história”, e que, assim como o Hamas, estariam preparados para uma batalha de longo prazo.

Sob gritos de “Morte à América, morte a Israel”, centenas de milhares de pessoas, muitos armados, marcharam pelas ruas de Sanaa, com bandeiras do Iêmen e da Palestina.

No Bahrein, governo aliado dos EUA, milhares saíram às ruas para protestar contra o envolvimento do país na coalização militar[3]. Também ocorreram manifestações na Malásia e Indonésia.

No dia 13 de janeiro, milhares se reuniram em Bank Junction, no centro de Londres, assim como em Washington DC, em solidariedade com Gaza, apelando a um cessar-fogo e ao fim da escalada dos ataques dos EUA no Iêmen.

No dia 15 de janeiro, o navio porta-contêineres com bandeira das Ilhas Marshall, de propriedade e operado pelos EUA, foi atingido por um míssil balístico antinavio disparado por militantes Houthis. No mesmo dia, o Irã ataca a capital do Curdistão iraquiano com mísseis balísticos, matando quatro civis. De acordo com a Guarda Revolucionária o ataque teve como alvo um centro de espionagem israelense, uma reação indireta e totalmente insuficiente.

Repúdio ao ataque imperialista ao Iêmen

Os Houthis são insurgentes que controlam a maior parte do norte do Iêmen, incluindo a capital do país, Sanaa. O grupo surgiu na década de 1980 e são apoiados pelo Irã, mas não totalmente subordinados. Diferem dos representantes do Irã não apenas por fazerem parte da doutrina xiita Zaydi, são economicamente autônomos de Teerã  recebem receitas do Estado das regiões do Norte e controlam as redes de contrabando na área, principalmente de armas), tem sua própria agenda política e uma estrutura de poder distinta[4].

De uma maneira diferente também são fruto da Primavera Árabe, quando ganharam um impulso significativo e, em 2014, conseguiram derrubar o governo apoiado pelos sauditas e o imperialismo e tomar o poder em grande parte do Iêmen. Uma série de negociações levou à interrupção dos combates em 2022 com as tropas apoiadas pelo sauditas e Emirados Árabes.

O que mais reconhecem no Irã é que o consideram um Estado que representa um modelo de resistência ao Ocidente.

O grupo aprimorou suas capacidades militares durante anos de guerra civil. Na verdade, são mais bem-sucedidos como um grupo militar do que como governo.

O Iêmen é um país miserável, mas os ataques que realizou a navios no Estreito de Bab el Mandab, que separa o Mar Vermelho do Golfo de Aden e do Oceano Índico, afetaram economicamente as multinacionais imperialistas, principalmente dos setores de petróleo e gás natural.

Por isso o imperialismo norte-americano criou uma força multinacional para proteger as rotas. A Operação Prosperity Guardian, com a participação do Reino Unido, Bahrein, Canadá, França, Itália, Países Baixos, Noruega, Seicheles e Espanha, e atacou o Iêmen em uma reação completamente desproporcional. Que pode levar a uma regionalização do conflito.

Mas fica difícil justificar um ataque ao Iêmen quando suas forças atacaram alguns navios enquanto, ao mesmo tempo, Israel continua realizando um genocídio com seus bombardeios brutais e cerco a Gaza, sem sofrer consequências nenhuma por nenhum país.

A resistência palestina cria obstáculos a Israel

No dia 1 de janeiro, o ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou a retirada de duas brigadas da faixa de Gaza. Cada brigada tem cerca de 4 mil soldados. Anunciou também que mais 3 brigadas devem se retirar.

O governo de Israel começou a sentir os custos da guerra à resistência palestina tanto para economia como para a política israelense.

Se noticia que os custos da guerra para Israel rondam os 60 bilhões de dólares. Há que se admitir que os objetivos estabelecidos para a guerra não foram alcançados. Está evidente o fracasso no desmantelamento do Hamas e na libertação dos reféns, assim como permanece ilusório o assassinato dos comandantes mais graduados do Hamas[5].

Ainda que afirmem que suas forças estão se mostrando mais hábeis no reconhecimento e desmantelamento de armadilhas explosivas, bem como na capacidade de manobra para evitar emboscadas e evacuar os feridos, mas isso implica em reconhecer que o conflito ainda tem muito tempo pela frente. O comando do exército israelense admite que está travando uma “guerra complexa e complicada”.

Isso leva a crises políticas.

Ha crise na coligação de Netanyahu, a mais direitista da história do país. Milhares de manifestantes protestaram em Tel Aviv e em frente à residência privada de Benjamin Netanyahu, em Cesareia, no sábado, 6 de janeiro, apelando a novas eleições nacionais imediatas no meio da guerra em curso entre Israel e Hamas em Gaza[6].

Mas, se depender do governo sionista, a política de genocídio em Gaza continuará, como demonstra os números das instituições e órgãos internacionais. Quando escrevemos este artigo, eles admitem que,pelo menos, 25 mil palestinos foram mortos e 60 mil feridos. O Wall Street Jornal noticiou que quase 70% das 439 mil residências e metade de seus edifícios foram destruídos em Gaza, assim como grande parte da estrutura hídrica, elétrica, de comunicações, de assistência a saúde está “irrecuperável”. Dos 36 hospitais, somente 8 funcionam, e dois terços dos prédios escolares foram danificados, assim como igrejas e mais de 100 mesquitas.

De acordo com a Associated Press, em dois meses de guerra Israel causou mas destruição em Gaza que a batalha de Alepo na Síria ou o ataque a Mariupol na Ucrânia, fomentadas por dois ditadores assassinos sanguinários: Bashar al Assad e Wladimir Putin.

O direito internacional imperialista é impotente contra as agressões dos estados opressores

Estamos acompanhando a denúncia que a África do Sul fez contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça por genocídio. O julgamento começou dia 11 de janeiro.

Mas, infelizmente, este julgamento não deve ter nenhum efeito concreto para barrar os ataques de Israel ao povo palestino.

Já havíamos visto no caso da agressão da Rússia à Ucrânia, Putin violou as regras do direito internacional com este ataque. Afinal. a Ucrânia tem direito à integridade territorial e à independência política. Mesmo com a fraude russa de “reconhecer” a independência de Donetsk e Luhansk. A Rússia cometeu um ato de agressão contra a Ucrânia. Mas nada foi feito formalmente pelas instituições internacionais.

No primeiro de dois dias de audiências no Tribunal Internacional de Justiça (CIJ), a África do Sul afirmou que a ofensiva de Israel, que demoliu grande parte do enclave costeiro e matou mais de 23 mil pessoas, visava provocar “a destruição da população” de Gaza. Demonstrando que os líderes políticos e militares de Israel, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, estavam entre “os incitadores do genocídio”, evidente pela forma como este ataque militar está sendo conduzido.

Israel rejeitou as acusações de genocídio como falsas e infundadas e disse que a África do Sul falava em nome do Hamas, seu discurso é que há hipocrisia e mentiras na denúncia e que são eles que lutam contra o genocídio.

A defesa da África do Sul apresenta como prova a campanha de bombardeamentos sustentada de Israel e os comentários de ministros, como o da Defesa israelita, Yoav Gallant, que afirmou “estamos lutando contra animais-humanos e atuamos em consequência”.

A Convenção do Genocídio de 1948, promulgada na sequência do assassinato em massa de judeus no Holocausto nazista, define genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Está demonstrado que é o que faz o exército de Israel.

A lei internacional exige esforço máximo na distinção entre combatentes e civis, preservando só civis. Os números demonstram que o exército de Israel não distingue ninguém, matando os próprios reféns israelenses.

Além disso, Israel realiza um bloqueio total, privando toda a Faixa de Gaza de itens essenciais como combustíveis, eletricidade e água potável. Por exemplo no caso de hospitais. Bloqueando toda ajuda humanitária mesmo através de Rafah, que conecta o território palestino ao Egito.

Espera-se que o tribunal se pronuncie sobre possíveis medidas de emergência ainda este mês, mas o mais provável é que não se pronunciará sobre as alegações de genocídio, além disso, esses processos poderão levar anos. Ao fim, mesmo que se pronunciasse, o TIJ não tem forma de aplicar qualquer medida.

Serão as manifestações de trabalhadores e jovens em todo o mundo que poderão mudar o curso da guerra, o apoio político e militar à resistência palestina e às campanhas de rupturas e boicote a Israel e seus patrocinadores. A mobilização de nossa classe colocara a possibilidade da derrota militar do Estado de Israel e a constituição de um Estado Palestino laico, democrático e não racista.

Publicado no Portal da LIT-QI

 


[1]Sigla descolonial para a região do Sudoeste Asiático e Norte da África.

[2]‘Movimento do Partido dos Nobres de Deus’), oficialmente a 12ª Brigada, é um iraquiano radical. Grupo paramilitar xiita especialmente ativo na Síria e no Iraque.

[3]https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/01/12/bombardeios-de-eua-e-reino-unido-no-iemen-alimentam-meta-de-houthis-por-guerra-regional-expandida-dizem-especialistas.ghtml

[4]https://www.ispionline.it/en/publication/houthis-and-iran-a-war-time-alliance-121951

[5]https://www.aa.com.tr/en/middle-east/cost-of-israeli-war-on-gaza-reaches-60-billion-report/3102769

[6]https://www.timesofisrael.com/protesters-in-tel-aviv-outside-netanyahus-caesarea-home-call-for-elections-now/