Por que não devemos ir às manifestações do 8J neste ano se queremos derrotar os golpistas?
O governo Lula vem convocando manifestações no dia 8 de janeiro. Em Brasília, fará uma solenidade agrupando representantes dos três poderes e todos os setores políticos do país, do PSOL ao bolsonarismo. CUT, UNE e Frente Povo Sem Medo, dentre outras organizações dos movimentos estudantis, sociais e sindicais, atendendo a este chamado, estão convocando manifestações para o dia de aniversário da frustrada tentativa de golpe bolsonarista com o lema: “O Brasil se une em defesa da democracia”.
A manifestação de 8 de janeiro de 2023 foi uma tentativa frustrada de golpe reacionário. Os golpistas queriam a reversão do resultado eleitoral e exigiam uma intervenção militar no país. Foi orquestrada, alimentada e impulsionada pelos bolsonaristas. Contou com a conivência ativa ou omissão das Forças Armadas. Alguns setores da burguesia, mais ligados ao bolsonarismo, financiaram a empreitada. A tática delineada foi criar uma confusão em Brasília que causasse um alvoroço no país, e que pudesse ganhar simpatia na tropa, tentando arrancar um apoio mais decidido de parte do comando militar e, quem sabe, abrisse uma correlação de forças que colocasse a possibilidade de uma intervenção militar ou uma política do fato consumado.
O que explica o caráter aparentemente desastroso da ação era o fato de não haver correlação de forças no país para um golpe militar clássico vitorioso naquele momento. A maior parte da burguesia e do imperialismo não eram a favor de um golpe. Por isso era improvável a sua vitória. Mas Bolsonaro não deixou de tentar, buscando ganhar o apoio da maioria da cúpula e mobilizar um setor de massas à direita. E isso não diminui o grande perigo e a necessidade de uma ação enérgica da classe trabalhadora contra aquelas ações naquele momento.
A vitória dos golpistas seria um desastre para os direitos e as liberdades democráticas dos trabalhadores. Significaria a possibilidade de alteração e endurecimento do regime da democracia burguesa, caminhando para uma possível ditadura aberta dos ricos comandada por Bolsonaro e os militares. Na CPI do golpe ficou comprovado que este tema esteve em discussão, e foi baralhada pela cúpula bolsonarista com participação de setores dos militares de alta patente.
Não somos a favor desta democracia dos ricos que serve aos interesses da burguesia. Também não apoiamos o governo Lula, porque um governo de alianças com a burguesia, que impõe o arcabouço fiscal e dá isenções fiscais para as grandes empresas, não pode ser outra coisa que não capitalista. Mas não se tratava de apoio ao governo ou ao regime naquele momento em 2023, mas sim de repelir uma ação golpista concreta da ultradireita em curso. Somos contra qualquer golpe ou tentativa golpista dos setores burgueses e militares.
Sabemos que esta democracia dos ricos é controlada pelos banqueiros, grandes empresários e ruralistas. A existência do centrão é a prova da decadência e imundice do regime atual. Sem contar que, na prática, para os pobres, os trabalhadores e os que são excluídos da sociedade, mal existe democracia.
Basta vermos a juventude negra sofrendo o autoritarismo estatal permanentemente diante da violência policial que a massacra nas periferias, ou a violência no campo promovida contra os povos indígenas. Em uma ditadura reacionária, todos estes aspectos são agravados e piorados ainda mais. Inclusive, parte da violência policial hoje é herança da ditadura militar.
Tanto a democracia quanto uma ditadura dos ricos servem para perpetuar as desigualdades sociais e garantir os lucros da burguesia. Mas o fechamento do regime significa uma piora das condições dos trabalhadores lutarem contra o próprio capitalismo. Ou seja, a democracia dos ricos é ruim para os trabalhadores, mas uma ditadura dos ricos é pior ainda. Por isso lutamos sempre contra qualquer ação ou tentativa de piorar ainda mais o atual regime democrático burguês.
Estivemos na linha de frente contra qualquer tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Se houver outra tentativa golpista, estaremos novamente na primeira fileira em unidade de ação com todo mundo disposto a derrotá-lo. Mas não é isso que está ocorrendo hoje. E também, o enfrentamento consequente a qualquer possibilidade de golpismo no futuro se dá com uma política oposta ao que está fazendo Lula e o PT.
Neste sentido, o ato convocado em 2024 conta com um sentido oposto às manifestações que defendemos em unidade de ação no ano passado contra o golpismo bolsonarista. Ele significará o endosso da política que Lula e o PT vem adotando, de tentativa de governo de unidade nacional, inclusive com a ultradireita, assim como as alianças com setores burgueses e compactuação com as forças armadas golpistas.
Este ato de 2024 não é um ato de unidade de ação contra uma ação golpista. É um ato em defesa da política do governo Lula, e também deste regime e da democracia dos ricos que vivemos. O que chamam de “Brasil unido” é a defesa da aliança com setores da burguesia. O que chamam de “em defesa da democracia” não é a defesa das liberdades democráticas dos trabalhadores, que segue sofrendo no governo atual, mas sim a defesa do regime da democracia burguesa dos ricos. Por isso, o PSTU não apoia nem irá nos atos de 8 de janeiro de 2024.
Não se trata aqui de menosprezar o bolsonarismo, a ultradireita ou golpismo. Pelo contrário, é justamente por entendermos que eles seguem existindo, seguem com alguma força apesar dos reveses conjunturais, e por entendermos que se alimentam de problemas estruturais do capitalismo, é que não podemos passar pano para os golpistas, os militares e a burguesia como faz o governo Lula atual.
Ir neste ato em 2024 não ajuda na tarefa de enfrentar a ultradireita, pois é o governo Lula hoje o principal artífice da repactuação com os setores golpistas, promotor de um governo de aliança com a burguesia e o fiador das instituições podres do regime atual. Inclusive Lula convocou para este ato até mesmo bolsonaristas como vários governadores e o presidente do Banco Central, Campos Neto.
Apesar de toda a retórica e promessas, Lula está fazendo um governo que cumpre todos os interesses da burguesia brasileira e imperialista, garantindo os negócios capitalistas e promovendo as melhores condições para se manter a dominação da classe trabalhadora. As medidas como o arcabouço fiscal são uma prova disso, assim como a composição do governo que inclui nomes tradicionais da direita e ultradireita. Até os bolsonaristas União Brasil e os Progressistas têm ministérios nesse governo.
Também a docilidade diante do centrão e a incapacidade de enfrentar os golpistas são demonstrações de como este governo não vem servindo sequer para frear a ultradireita e os bolsonaristas. A política de Lula de compactuar com as Forças Armadas; de não impedir a revisão do Artigo 142 da Constituição; de não se enfrentar para mudar toda a estrutura das forças, reformar de fato e acabar com todo o entulho autoritário remanescente da ditadura; é alimentar a serpente do golpismo e do bolsonarismo. Lula está travando, inclusive, a reabertura da comissão de investigação dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura. Só a escolha de José Múcio, que chegou até mesmo a elogiar Bolsonaro poucos anos atrás, para Ministro da Defesa, já é uma demonstração de subalternidade à cúpula dos militares.
Os militares no Brasil se consideram um poder moderador. Acima de todos os poderes e que podem intervir quando acharem necessário. Lula não faz nada para enfrentar isso. Pelo contrário, aponta no sentido de aumentar o orçamento das forças supondo que comprar e acomodar os militares os tornariam menos golpista ou reacionários. Foi exatamente isso que nos trouxe até o 8 de janeiro de 2023: a incapacidade de enfrentar os setores mais reacionários da burguesia e do aparato de Estado burguês que hoje se expressa nos militares e nos setores bolsonaristas, mas que se espraiam em todos os setores burgueses.
Todo este cenário, de aprofundamento do capitalismo e confiança na democracia podre dos ricos, vem levando o país à decadência, com uma desindustrialização, subdesenvolvimento econômico e subordinação cada vez maior aos diferentes imperialismos. Isso cria o caldo de cultura que alimenta e faz brotar a ultradireita e o bolsonarismo.
Há vários setores na burguesia. Há aqueles mais abertamente autoritários como Trump e Bolsonaro. Mas, mesmo os setores imperialistas e burgueses que se dizem pró-democracia são hipócritas. Nenhum setor burguês, seja governo Biden ou estes que apoiam Lula, são casados com a democracia. São casados apenas com o lucro e estão todos unidos quando se trata de arrebentar com os trabalhadores. Enquanto Lula ou qualquer outro governo conseguir garantir a estabilidade necessária para seus negócios, muito bem. Enquanto conseguirem controlar a democracia a seu bel-prazer, garantindo os resultados que pretendem, bem. Se for o contrário, ou se sentirem compelidos a utilizar força bruta contra os trabalhadores e o povo, não terão nenhum problema em fazê-lo. Por isso é um crime que a esquerda, os ativistas e os trabalhadores confiem em qualquer setor burguês.
Isso é o que explica que o mesmo setor burguês que se diz democrático apoia um regime de apartheid, genocídio e autoritarismo brutal como o de Israel. Isso é o que explica, inclusive, que é justamente durante esses governos nas últimas décadas que várias medidas autoritárias ou bonapartistas se alastraram pelos países. Basta ver o mau uso da Lei antiterror nos EUA, ou sua atuação internacional dizimando povos. Ou, no caso do Brasil, o abuso da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) feita pelos governo do PT, a lei antiterrorismo e outras medidas que restringem ainda mais as liberdades democráticas, incluindo a própria lei das polícias militares que piora ainda mais os direitos democráticos.
Por fim, os motivos que nos levam a não ir, nem apoiar os atos do dia 8 de janeiro de 2024, são os mesmos que nos fizeram exigir que o PT colocasse o povo e os trabalhadores nas ruas contra o golpismo em 8 de janeiro de 2023: qual é o melhor caminho para fortalecer a consciência, a organização e a força dos trabalhadores para derrotar a ultradireita bolsonarista, e também construir um projeto de independência de classe sem ficar a reboque de algum setor burguês? Lula e o PT foram incapazes de mobilizar os trabalhadores, preferindo confiar no STF e nas instituições corruptas e burguesas em 2023. E, agora, repete este mesmo roteiro, mas, desta vez, misturando manifestações populares que servem apenas para endossar sua estratégia institucional que, nesta conjuntura política, até parece inofensiva ou correta, mas que, num futuro próximo, poderá nos levar a uma nova tragédia.