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10 pontos que você precisa saber para entender os ataques das milícias no Rio de Janeiro

Coluna de estreia de Maria Costa, que escreve ao Opinião Socialista sobre saúde e segurança pública

Maria Costa, médica do SUS

24 de outubro de 2023
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Sou trabalhadora da saúde, trabalho na atenção básica no SUS, no Rio de Janeiro. Essa localização profissional me levou a trabalhar em várias comunidades da periferia do Rio. Complexo do Alemão, Costa Barros, Rocinha, Bangu, Campo Grande são alguns dos bairros por onde passei.

Trabalho na cidade que não aparece nos cartões postais, na cidade da maioria da população carioca, que enfrenta o caos longe das maravilhas da Zona Sul. A cidade que enfrenta a falta de infraestrutura, o transporte lotado e sem ar condicionado, a Avenida Brasil parada, por acidente ou tiroteio, as guerras de facções, e a violência do Estado. Também vivo cotidianamente as consequências do sucateamento do SUS naquele que é considerada a pior rede de atenção básica do país segundo levantamento elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)[1]. A proposta desta coluna é conversarmos sobre esses dois temas que atravessam o meu cotidiano, saúde e segurança pública.

Os temas para a primeira coluna eram abundantes, desde os traficantes que montaram um centro de treinamento militar no complexo da Maré, aos três médicos executados na Barra da Tijuca, os fuzis do exército que apareceram numa comunidade da periferia do Rio, passando pelas duas operações da Polícia Federal que prenderam policiais civis por tráfico de droga, mas, sem dúvida, o conflito desencadeado na cidade do Rio após a morte de um miliciano, se tornou o principal acontecimento da atualidade. Deixo aqui os 10 pontos que você precisa saber para entender os ataques do dia 23 de outubro

1- Uma operação da Polícia Civil do Rio terminou com a morte de Faustão, sobrinho de Zinho, o principal chefe da maior milícia da Zona Oeste do Rio. Em resposta, essa milícia desencadeou uma série de ataques: 35 ônibus, um trem, uma estação do BRT e quatro caminhões foram incendiados. A Av Brasil, principal rodovia do município foi fechada. As aulas foram interrompidas em 57 escolas, afetando mais de 20 mil crianças, 23 unidades de saúde também foram fechadas. No total, sete bairros, mais de 1 milhão de pessoas foram afetadas por esses ataques e a cidade entrou em estágio de atenção.

2- A milícia de Zinho domina completamente pelo menos 4 bairros do Rio, Santa Cruz, Campo Grande, Paciência e Inhoaíba, onde vivem cerca de 850 mil pessoas, para além disso disputa territórios de Jacarepaguá e Recreio dos Bandeirantes. Esta milícia tem origem na Liga da Justiça fundada pelos policiais civis Jerominho e Natalino no início dos anos 2000. Após a CPI das Milícias em 2008 acabaram sendo presos e a chefia da sua facção passou por um período turbulento até que um ex-traficante, Carlinhos Três Pontes a assumiu em 2014, e passou a chamá-la de A Firma. Ele e o seu sucessor, Ecko garantiram a expansão de controle da milícia para o bairro de Santa Cruz em 2018 e para grande parte da Baixada até 2021, ano em que Ecko foi executado também numa operação da Polícia Civil.

3- Depois da morte de Ecko, a milícia se dividiu, Zinho assumiu o controle da Zona Oeste e Tandera, outro miliciano, assumiu o controle da região da Baixada Fluminense, e desde então se atacam mutuamente. O grupo de Tandera, por sua vez, também sofreu vários rachas posteriormente.

4- O que são milícias? São grupos de crime organizado que têm em sua composição funcionários do Estado, particularmente ligados à segurança (policiais militares, civis, bombeiros aposentados ou da ativa, funcionários da justiça, do ministério público, do legislativo e do executivo). A sua presença na milícia é fundamental, mesmo que não sejam os “chefes”, pois garantem a paz e uma maior liberdade para estabelecer os seus negócios. Carlinhos Três Pontes, Zinho e Tandera, por exemplo, não são funcionários do aparelho de estado.

5- O objetivo central dos grupos milicianos é o lucro, e tudo o que possa dar lucro pode ser seu alvo, inclusive o tráfico de drogas. No entanto, elas surgem por via da ilegalização de serviços que são, na sua origem legais, e /ou pelo estabelecimento de monopólios territoriais de vários serviços, nomeadamente “taxas de segurança”, venda de gás, distribuição de internet, construção imobiliária, extração e comercialização de areia, coleta e descarte irregular de lixo. O monopólio destes negócios estabelece-se, de forma semelhante às facções de narcotraficantes, pelo domínio territorial armado. Para saber mais sobre milícias leia aqui.

6- A fragilização das milícias causada pela morte de Ecko foi aproveitada pelo Comando Vermelho (CV) para expandir os seus territórios na Zona Oeste, em regiões antes controladas por milícias. O bairro Gardênia Azul, onde foram encontrados os suspeitos de matar os três médicos na Barra da Tijuca, é um dos territórios que saiu do controle das milícias para o CV. Para garantir esta expansão suspeita-se que o CV tenha firmado uma aliança com a milícia de Zinho.

7- O Rio vive, desde o final do ano passado, um acirramento da guerra entre facções criminosas pela disputa de territórios, para garantir o domínio dos seus negócios ilegais, em especial o tráfico de drogas, levando a um aumento brutal das mortes violentas no Estado. A escalada de operações policiais contribui para este aumento, sendo responsável pela maioria das mortes por arma de fogo no Grande Rio, no primeiro semestre de 2023.

8- Esta não é a primeira vez que o Rio sofre com ataques deste tipo, em 2005 e 2010 também houve ataques semelhantes, nessa altura promovidos por facções de narcotraficantes. Em 2005, traficantes praticaram diversos ataques e atentados contra delegacias, ônibus e postos policiais, matando dezoito pessoas e deixando trinta feridos. Na época, um dos motivos do ataque foi o avanço das milícias na Zona Oeste. Em 2010, ao longo de uma semana, mais de 40 ônibus e oitenta carros foram queimados nas ruas da cidade.

9- Ao longo de mais de 3 décadas de Guerra às Drogas no Rio de Janeiro, toda a vez que há um recrudescimento dos conflitos armados a solução dos governos foi, via de regra, a mesma, apelar à intervenção das Forças Armadas. O Exército ocupou as ruas do Rio de Janeiro mais de 20 vezes nos últimos 30 anos e o único saldo categórico foi a truculência a violação dos direitos humanos nos territórios que ocuparam. A guerra de facções não foi nem um pouco abalada.

10- Como um louco que repete inúmeras vezes as mesmas ações esperando resultados diferentes, a solução que já se ventila para esta última crise é a mesma de sempre: pedir o apoio de tropas do Exército na segurança do estado… Lula, Flávio Dino e o ministro da Defesa, José Múcio, já se prontificaram a reforçar a atuação das Forças Armadas no estado, mas não deram ainda detalhes desse reforço.

Acompanharemos os desdobramentos desta crise aqui.

 

[1]https://diariodorio.com/quase-metade-da-populacao-do-rj-nao-tem-acesso-aos-servicos-basicos-do-sus-indice-e-o-pior-do-pais/

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