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O modelo colonial exportador avança em Minas Gerais

Geraldo Batata, de Contagem (MG)

27 de outubro de 2023
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Manifestação em MG contra as privatizações

O governador Romeu Zema (Novo) vem implementando uma política ultraliberal no estado de Minas Gerais. Uma ofensiva com alguns pilares fundamentais, que correm simultaneamente e estão interrelacionados: 1) adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF); 2) privatização das estatais, como a Cemig (energia), a Copasa (saneamento) e a Codemig (desenvolvimento econômico); 3) entrega das riquezas ao capital internacional; e 4) desmonte dos serviços públicos.

As consequências daquilo que podemos chamar de uma gambiarra econômica arrastam o estado para a decadência, transformando-o numa roça, esburacado, desértico e de calor insuportável. Para levar este “modelo Zema” adiante, seu partido, o Novo, vem promovendo mudanças e manobras na legislação e órgãos do estado, além de também mexer na cobrança de tributos e impostos.

Ataques ao funcionalismo e serviços públicos e bilhões para o capital nacional e estrangeiro

A adesão do estado ao RRF, acrescida dos efeitos do Arcabouço Fiscal aprovado na Câmara, colocará Minas Gerais na rota definitiva para redução dos investimentos em áreas sociais, com o congelamento dos salários dos servidores; pois prevê apenas duas “revisões salariais”, em um prazo de nove a 12 anos, e, também, a suspensão dos concursos públicos, a partir de 2024, com a realização somente daqueles que já foram autorizados.

O governador tenta justificar seu projeto através da existência de um déficit orçamentário de R$ 8 bilhões, de uma dívida com a União (estimada em R$ 150 bi) e da incapacidade do estado em cumprir seus compromissos.
Na verdade, não faltam dinheiro e recursos para o desenvolvimento do estado. Muitos menos são necessárias as privatizações da Cemig, da Copasa e da Codemig para arrecadar dinheiro e abater a dívida pública do estado. O que está em discussão é que está em marcha um modelo de recolonização e que Zema é um administrador colonial, a serviço da metrópole imperialista.

Por isso, o destino do povo mineiro não é decidido entre nós, trabalhadores e a população em geral, mas dentro dos gabinetes controlados pelo capital financeiro, nacional e internacional. Na verdade, esse controle nunca deixou de existir, mas tem se aprofundado através da entrega das riquezas, por conta das disputas interimperialistas e da posição subalterna da burguesia nacional nesse processo.

No caso da Cemig, por exemplo, o controle da estatal é do governo estadual e do BNDES Participações, que detém, respectivamente, 50,97% e 11,14% das ações ordinárias que garantem o direito ao voto. O setor privado detém 37,88% dessas ações.  Por outro lado, as ações preferenciais estão quase totalmente nas mãos do setor privado, sendo que o capital nacional tem 31,91% delas e o estrangeiro, 45,78%. A Fia Dinâmica Energia (do banqueiro João Abdala Filho), com 15,74% das ações, é a maior acionista individual nacional e a BlackRock, com 15,043%, está à frente no grupo de estrangeiros, que também inclui acionistas nas bolsas de valores de Nova York e Madri.
Como resultado disto, o setor privado abocanha 77,68% de uma bolada que chega a bilhões de reais, em dividendos pagos pelos resultados econômicos. Em 2021, o valor foi de R$ 1,48 bi. Em 2022, chegou a R$ 2,2 bilhões.

Recentemente, o governo de Minas anunciou a intenção de privatizar a estatal do sistema energético, a Cemig, seguindo o modelo “corporation” (“corporação”, em inglês, e que implica na “pulverização” das ações entre vários investidores), como foi feito na Eletrobrás, através do qual um acionista minoritário deteria o poder sobre os demais, a partir de acordos políticos.

No caso da Eletrobrás, o trio da 3G (Leman, Telles e Sicupira) controla a empresa com apenas 0,05% do total de ações. O objetivo central do mercado financeiro é controlar os R$ 42 bilhões, em investimentos anunciados pela Cemig, cujas decisões estão nas mãos do estado.

Outra estatal na mira de Zema e seus parceiros do “mercado” é a Copasa, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais, que se apresenta como “tendo 640 concessões para a prestação dos serviços de abastecimento de água, atendendo a 11,9 milhões de pessoas, por meio de 5,6 milhões de economias (unidades consumidoras)”.

Em 2022, a Copasa teve um lucro líquido de R$ 843 milhões. A cada ano, a empresa transfere pelo menos 50% do lucro líquido aos acionistas. Isto é mais do que investe em saneamento básico, enquanto milhares de pessoas nas periferias da região metropolitana de Belo Horizonte sofrem com a falta d’água.

Também neste caso, apesar do controle acionário estar nas mãos do governo do estado, é possível sentir o peso do “mercado”: quase a metade das ações estão nas mãos do capital financeiro. Evidentemente, o controle sobre o montante total da Copasa, através da privatização, levará a mais problemas de abastecimento e saneamento básico.

Nióbio e lítio: Minas Gerais entra pela porta dos fundos na cadeia da alta tecnologia

Chegamos, agora, no ponto crucial desses pilares. O governador Romeu Zema pretende vender a Codemig, dona da maior jazida de nióbio do mundo, em Araxá, no Sudoeste de Minas Gerais, com 400 anos de reservas de um metal usado para uma infinidade de indústrias, como a do aço, e, mais recentemente, nas baterias de carros elétricos.

Em 2021, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior exploradora do minério, anunciou um lucro líquido de R$ 4,5 bilhões, 78% acima do ano anterior. Vale dizer, ainda, que seu faturamento foi de R$ 11,4 bilhões. Desse montante, R$ 1,5 bilhão foi destinado à Codemig. E é essa fatia do lucro na produção do nióbio que Zema quer entregar para o “mercado”. A privatização da empresa tem como objetivo colocar esses R$ 1,5 bilhão anuais nas mãos do capital privado, fazendo com que o estado perca em controle e recursos.

Para além de debater os repasses financeiros, o caso da CBMM demonstra, nitidamente, a política de desmonte da economia do estado e sua destinação ao setor primário exportador.

Foi isso que, recentemente, aconteceu em relação ao lítio descoberto em cidades do Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas. Em maio desse ano, o governador fez uma apresentação em Nova York, onde anunciou que o governo de Minas teria toda disposição em apoiar projetos de mineração na região.

O lítio é um mineral raro, utilizado pelas indústrias farmacêutica, nuclear e de celulares, e, mais recentemente, também na fabricação de carros elétricos, já que é fundamental para a produção de iodos de baterias. Hoje, as maiores produtoras mundiais de carros elétricos e de baterias são empresas baseadas na China. Mesmo a norte-americana Tesla tem metade de sua produção na sua subsidiária chinesa.

A extração de lítio no país está apenas começando, mas, com as medidas de Zema, o que se pode esperar, desde o início, é que siga o mesmo caminho do minério de ferro, do nióbio, da bauxita, do fosfato e outros recursos minerais, cuja maior parte da produção é exportada.

No dia 27 de julho, saiu do Porto de Vitória (ES) o primeiro carregamento de lítio (30 mil toneladas), destinado à produção de baterias chinesas, onde será beneficiado e terá valor agregado. Estamos vendo se repetir a sangria promovida na extração de minério de ferro pela Vale, que escoa o minério para a China e os dividendos para os acionistas, deixando aqui, em Minas Gerais, somente as barragens, os desastres ambientais, os buracos e a pobreza.

Submissão e recolonização

As relações comerciais da economia mineira com o mercado externo indicam precisamente o grau de dependência em que o país se encontra na divisão mundial do trabalho. A maior parte do comércio exterior está voltado para os produtos primários, de baixo valor agregado.

À medida em que aumentam o comércio de “commodities” (matérias-primas de origem agrícola, pecuária, mineral e ambiental, destinadas à exportação) e a fácil lucratividade nessas atividades, elas se tornam mais atrativas para novos investimentos no país, ampliando suas áreas e transformando o Brasil em um fornecedor de matérias-primas para o mercado mundial.

A Lei Kandir (aprovada em 1996) foi criada para aprimorar esse modelo, ao estabelecer que produtos primários exportados pelos estados estão isentos da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O argumento apresentado para sua criação foi que isto deixaria o produto nacional mais competitivo no mercado mundial.

Algo completamente irracional, já que os preços não são estipulados pelos produtores, a partir dos custos, mas pelos compradores, que nas bolsas de valores de Nova York, Londres, Shangai etc., determinam diretamente o custo desses produtos a partir da demanda mundial dos grandes oligopólios dos países mais industrializados.
O resultado? Temos um duplo saque contra o estado, já que, posteriormente, o país importa produtos industrializados, com alta tecnologia e com preços muito superiores.

Mais recentemente, o próprio Zema deu declarações dizendo que a entrada dos carros elétricos no mercado “ameaça empregos” no país. E, diante disso, defendeu a continuidade da produção de carros à combustão a álcool, a produção de autopeças etc.

Contudo, na verdade, o que tira empregos é justamente o modelo primário-exportador adotado no país. Algo que em Minas é ainda mais profundo. Ao invés de abrir plantas de indústrias farmacêuticas, fábricas de baterias de celular ou promover a produção de chips ou carros elétricos, entramos na cadeia global como meros fornecedores de matérias-primas e, depois, como importadores de produtos manufaturados.

São essas as raízes do desemprego e do subemprego estruturais que atingem o país. São estas as raízes da desindustrialização e desnacionalização de nossas empresas.

Voltando ao tema da RRF e apontando para uma saída

Segundo o que tem sido noticiado pela imprensa, em 2020, o governo Zema negociou (no Supremo Tribunal Federal), os débitos referentes à cobrança do estado pela compensação financeira referente aos prejuízos da Lei Kandir, que estavam em torno de R$ 135 bilhões, chegando a um acordo no valor de R$ 8,7 bilhões, a ser pago em 30 anos.

É bom lembrar que a dívida com a União não foi perdoada e continua crescendo através dos juros e taxas diárias. Além disso, no ano passado a renúncia fiscal promovida pelo governo estadual (somada a cortes no ICMS dos combustíveis) foi de R$ 13 bilhão, e os dividendos distribuídos a acionistas privados da Cemig e da Copasa foram na ordem de R$ 2,5 bilhões anuais. E é para compensar essas renúncias fiscais que Zema quer cortar os investimentos, os concursos públicos e os salários dos servidores.

O estado de Minas Gerais é muito rico, com uma economia muito diversificada. Porém, esse modelo está levando à franca decadência. O RRF, combinado com todas as privatizações e o Arcabouço Fiscal, vai justamente aprofundar esse declínio.

Na verdade, o que deveria ser feito é justamente o contrário do que Zema está fazendo e governos anteriores já fizeram. Longe de terminar a privatização da Cemig e da Copasa, o estado deveria estatizar completamente as ações dessas empresas.

Também seria necessário acabar com a Lei Kandir, o que equivaleria a outros bilhões em ICMS. Esses valores, concedidos gratuitamente a acionistas, fundos de investimentos (como BlackRock, a Dinâmica, a Previ etc.), poderiam ser usados tanto para resolver os problemas sociais, barateando as contas de energia, como para promover o saneamento básico e o fornecimento de água de forma universal.

E, para além disso, poderiam resultar em investimentos em escolas técnicas, universidades e centros de pesquisas sobre a utilização do nióbio, do lítio, das terras raras e semicondutores, além de plantas industriais para, no futuro, avançar na cadeia da alta tecnologia.

Aqui, não estamos falando apenas de um problema de “gestão do Estado”. A falência deste estado e da burguesia a quem serve é visível para todos. Por aqui, em Minas, já passaram governos do MDB, do PSDB, do PT, do Novo – só para citar os últimos 20 anos – e a tônica foi a mesma.

Todos eles estão comprometidos com a gestão capitalista do estado e é em função disto que determinam a localização do estado na divisão nacional e internacional do trabalho. Ou seja, exportar commodities, enquanto rebaixam a produção na cadeia industrial.

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