Onda de calor, privatização, sede e tragédias!
Em meio à maior onda de calor da história do país, com temperaturas de 39 graus e sensação térmica de “fritar o cérebro”, vários bairros da periferia das cidades da grande Belo Horizonte, onde vivem 6,5 milhões de pessoas, ficam sem água por semanas. Os municípios mais atingidos são: Esmeraldas, Igarapé, Lagoa Santa, Mateus Leme, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano. Mas também bairros de Contagem, Betim, Ibirité, sofrem com cortes constantes no fornecimento de água. Mas isso não é de hoje. Todos esses municípios são atendidos pela COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), empresa estatal de capital misto controlada pelo governo de Minas.
Existem razões para crer no possível sucateamento deliberado pela gestão da empresa e pelo governador Romeu Zema (Novo), para ganhar a opinião pública para a privatização completa da cia., como vem tentando o governador e seus aliados do “mercado”.
Talvez essa seja uma visão facilista da situação, pois, esta é bem mais grave do que aparenta. Mas não por falta de chuvas, mas pela ação anárquica do “mercado”, a promoção do saque da água, dos dividendos, que coloca em xeque a vida de milhões de pessoas.
Sabemos muito bem que a crise hídrica no estado vem sendo alertada por especialistas por décadas. Uma combinação de fatores levam ao cenário que nos encontramos hoje:
1) A ação das mineradoras, principalmente da Vale, mas também da CSN, Gerdau, etc…
– O aumento vertiginoso da exploração mineral tem impactado no lençol freático, destruído nascentes, diminuído o abastecimento do Rio das Velhas e Paraopebas. Isso se dá com o avanço dessa atividade nas serras do Curral, da Gandarela e da Moeda, onde se encontram a maior parte das nascentes que abastecem os rios e reservatórios.
– A Samarco (Vale e BHP Billiton) destruíram o Rio Doce, em 2015, matando uma das maiores bacias hidrográficas do estado. Sua recuperação levará décadas.
– Já em 2019, a Vale destruiu o Rio Paraopebas, com o colapso das barragens na mina Córrego-feijão, em Brumadinho, matando 272 pessoas ao longo do mar de lama que desaguou no Rio São Francisco. O reservatório de águas inaugurado pela COPASA, em 2015, também foi destruído retrocedendo o abastecimento de água aos níveis anteriores, que se encontrava em plena crise hídrica.
– A utilização de bilhões de litros de água no escoamento de minério através de centenas de quilômetros em minerodutos até os portos no Espírito Santo, com destino à China e outros países.
2) Os desertos verdes de eucalipto usados para abastecer de carvão vegetal as siderúrgicas no estado. O que aparenta uma cobertura verde esconde a utilização do lençol freático, sua contaminação e destruição de biomas.
3) O saque dos recursos da COPASA feito pelo governo Zema e favorecendo os principais acionistas contra o reduzido volume de investimentos na ampliação da captação de água e rede de distribuição.
COPASA distribui 50% do lucro líquido para os acionistas.
Veja a tabela abaixo
Entre 2015 ao 3º trimestre de 2023, a empresa distribuiu R$ 3.276,4 milhões, para os acionistas, pouco mais de 50% nas mãos do Estado, e o restante para bancos, fundos de investimentos nacionais (20,57%) e estrangeiros (29,11%), entre esses últimos o fundo norte-americano BlackRock. Como se vê, os investimentos para o fornecimento de água para 11,9 milhões de pessoas é muito inferior ao valor distribuído para essa ínfima minoria. Esse ano, por exemplo, a empresa vai distribuir 50% do lucro líquido como dividendos para acionistas.
Como parte desse projeto ocorre, ao mesmo tempo, uma diminuição no número de funcionários, precarização através das terceirizações de funções, e consequente piora nas condições de trabalho dos trabalhadores e serviços prestados a população. Em 2014, a empresa tinha 12.540 funcionários, ao final de 2022, 10.186 . Até o final de 2023 esse número deve reduzir para 9.540, por conta de mais um Programa de Demissões Voluntárias, ou seja, o 3.090 funcionários a menos nesse período.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores de funções terceirizadas reclamam das condições de trabalho, como falta de EPI’s, excesso de trabalho, falta de segurança no trabalho. Essa semana mesmo os trabalhadores da FIMM, empresa terceirizada de leituras nos relógios, fizeram paralisação e protesto contra as péssimas condições de trabalho. Sequer são fornecidos bonés e protetores solares para os trabalhadores.
Reestatização da água, sob controle dos trabalhadores!
Vejam bem, estamos falando de uma coisa básica para a sobrevivência da vida humana e toda as demais espécies do planeta. Fica cada vez mais evidente que não existe nenhuma racionalidade na forma capitalista de utilizar a água e demais recursos extraídos da natureza.
No caso da água, de fundo, a privatização da COPASA, como quer Zema, é a entrega total da água para o controle do capital financeiro, composto por bancos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros. Esse mesmo capital financeiro que quer o controle da água é o que promove o desmonte e retrocesso no seu fornecimento para a população. É também o que controla e toma as decisões na ampliação das atividades minerárias e agronegócio, que leva a destruição das nascentes, contaminação dos rios e lençol freático, ao rompimento das barragens e todo o terror ambiental em nossas cidades. Ou seja, a situação da falta de água só vai piorar.
A política de Zema não é de resolver o problema de abastecimento de água que afeta a população. É aumentar o lucro dos rentistas do capital financeiro.
Mas vejam também. Nesse momento, o governo Lula entra na negociação da dívida de Minas com a União, discutindo a “federalização” das estatais mineiras em troca do pagamento de parcelas dessa dívida. Essa proposta veio do Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e conta com o apoio do Presidente Lula. Agora, o próprio Zema diz estar disposto a aceitar essa proposta. Em nenhum momento foi discutido uma mudança no caráter da empresa: usar os recursos para ampliar o atendimento a população mudando seu caráter social. Digo, estatizando completamente a empresa e usando o caixa e dividendos para investimento em água, tratamento, esgoto e saneamento. Qualquer proposta é absurda se não for a partir dessa premissa.
A própria origem da dívida com a União é questionada por entidades representativas dos servidores. É preciso uma auditoria popular sobre essas contas. Não podemos aceitar qualquer manobra em nome de uma dívida que a população trabalhadora sabe sequer sua origem. Qualquer recurso retirado da COPASA, e outras estatais, como dividendos, é água faltando na torneira da população trabalhadora nas periferias.
A água, o saneamento básico, devem ser entendidos como serviço essencial que envolve a manutenção da vida e da saúde. Portanto, não pode estar à mercê dos “mercado”, a serviço da sede por lucros do capital financeiro e sua rapina capitalista. A solução que vimos é justamente o oposto a do capital financeiro. É expropriar as ações ainda em posse desses “sanguessugas”. E, ao contrário de colocar sob a gestão do governador Romeu Zema, ou do governo federal, seria colocar o controle da COPASA nas mãos da população através de Conselhos Populares de trabalhadores e usuários.