MG: Caso de violência sexual expõe negligência e cultura do estupro
Firminia Rodrigues e Érika Andreassy, integrantes da Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU
Nos últimos dias, mais um caso bizarro de violência sexual tomou conta dos noticiários. Em Belo Horizonte (MG), uma jovem de 22 anos foi sequestrada por um desconhecido, transportada por 3 km, estuprada e abandonada num campo de futebol; depois de ter sido deixada na rua, inconsciente, em frente ao prédio onde mora, por um motorista de aplicativo.
Os detalhes do caso levantam uma série de questões. Primeiro, a naturalização da violência e a existência de uma cultura do estupro, fundada na objetificação da mulher. Não por acaso, no Brasil, um estupro é registrado a cada dois minutos. E, em Minas Gerais, uma mulher é violentada a cada duas horas.
Objetificação e negligência
A maioria das vítimas são meninas até 13 anos e os agressores, geralmente, são familiares ou conhecidos que se acham no direito de “usufruir” de seus corpos. No lamentável episódio da semana passada, em que pese o estupro tenha sido cometido fora de casa e por um desconhecido, é possível verificar a mesma “lógica”: o corpo da mulher é tido como mero objeto de prazer masculino, de forma que um homem, ao ver uma mulher vulnerável na rua, ao invés de ajudá-la, se vê no direito de abusá-la.
Segundo, é preciso discutir a sucessão de negligências que resultou no crime. A começar pela dos(s) amigos(s) da moça, que decidiram colocá-la desacompanhada num carro de aplicativo, apesar de seu estado de embriaguez; e, também, do irmão, que avisado, foi conivente com tal displicência.
Mas, sobretudo do motorista de aplicativo que, diante uma passageira embriagada e inconsciente, ao não ser atendido no interfone e pelo número de contato, não a socorreu (levando-a a uma unidade de saúde ou à polícia) e simplesmente a abandonou na rua. E, ainda, com o apoio de um terceiro individuo, que ajudou a retirá-la do carro e deixá-la ali, sozinha.
É impressionante que não tenha ocorrido a nenhum desses homens que algo de muito ruim poderia acontecer com essa jovem. Lamentavelmente, na nossa sociedade para que as mulheres estejam seguras não basta enfrentar ou escapar dos eventuais agentes da violência, é preciso ter um mínimo de empatia e solidariedade por partes dos demais homens.
Dica de livro
‘Marxismo e Opressões’ da Editora Sundermman
A culpa não é da mulher
A cultura do estupro tende a responsabilizar as mulheres pela violência sofrida, por ficarem embriagadas, vestirem determinadas roupas ou estarem em local errado e/ou “fora de hora”. Absurdos que não vão a fundo na discussão das verdadeiras causas da violência: a opressão e o machismo.
Apesar da opressão feminina não ter sido inventada pelo capitalismo, este sistema se apoia nessa e demais formas de opressão para aumentar a exploração e seus lucros e, ao mesmo tempo, garantir a reprodução da força de trabalho, através do controle dos corpos das mulheres e do trabalho não pago, realizado por elas no âmbito doméstico.
E faz isto reproduzindo ideologias que naturalizam essa condição de desigualdade e dividem a classe trabalhadora, como o machismo (com os homens oprimindo de um lado e as mulheres sendo oprimidas, de outro) ou o racismo, a LGBTIfobia, a xenofobia etc. Ideologias que naturalizam as opressões e são altamente funcionais para a manutenção do sistema de exploração capitalista.
Que tudo isso aconteça sob as formas mais degradantes de violência, como a sexual, é só um detalhe. Por isso, apesar de todos os discursos burgueses e de seus representantes contra a desigualdade de gênero e as promessas de pôr fim ao machismo e à violência, o que vemos é uma sociedade onde as mulheres são cada vez mais oprimidas e violentadas.
cultura do estupro Basta de violência contra as mulheres
Em primeiro lugar, estendemos nossa total solidariedade à vítima desse brutal crime, exigindo que o caso seja devidamente apurado e o(s) responsável(eis) punido(s).
Contudo, também é necessário exigir medidas concretas de combate à violência, como equipamentos públicos para a assistência às vítimas (Delegacias da Mulher 24h, Centros de Referência, varas especializadas, dentre outros), punição aos agressores, campanhas educativas massivas nos meios de comunicação contra o machismo e a desigualdade e condições para que as mulheres exerçam sua autonomia (emprego e direitos, salário digno, moradia; direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o direito ao aborto, seguro e gratuito).
Mas alertamos que não devemos esperar isso dos governos burgueses, basta lembrar a lei sancionada por Lula, em abril, que determina o funcionamento 24h das Delegacias da Mulher, incluindo feriados e finais de semana. Já se passaram quatro meses e não avançou um milímetro.
Mesmo esse programa mínimo só pode se concretizado se a classe trabalhadora tomar o controle econômico e o poder político do Estado em suas mãos. Por isso, é necessário que a classe e suas organizações (sindicatos, movimentos etc.) assumam essa bandeira como prioridade e organizem a luta contra a cultura do estupro, o machismo e pelo fim da violência, colocando-a serviço do combate pela destruição do capitalismo e construção de uma sociedade socialista.