Internet: Projeto de Lei não ajuda a combater fake news
Nas redes sociais e na internet são criadas e popularizadas as fake news. Há promoção de ódio e violência contra mulheres, negros, imigrantes e LGBTs. Grupos nazistas e fascistas se desenvolvem. A ultradireita cresceu nessa onda das redes, também fundamentais no impulsionamento de tentativas de golpes de estados reacionários, vide o dia 8 de janeiro. Há ainda crimes de “lobos solitários”, pessoas que partem para ações violentas, como mostra a onda de ataques nas escolas, escancarando um triste submundo da internet, com crimes envolvendo crianças, mutilações, suicídio e todo tipo de barbaridades.
Combater as fake news e a promoção da barbárie é fundamental. É parte da luta contra a ultradireita e o capitalismo. Os responsáveis por produzir, postar, divulgar, financiar e impulsionar isso devem ser investigados e punidos. Mas é preciso ir além, enfrentando o poder das Big Techs e dessa verdadeira indústria de fake news que se criou, assim como garantir mais liberdade de expressão ao povo, e não menos.
Desmascarando as Big Techs
A promessa de que a internet propiciaria à humanidade um meio de comunicação democrático e acessível para todos, no capitalismo, transformou-se no surgimento das Big Techs que são um punhado de monopólios capitalistas controlando todos os serviços relacionados à internet. Ganham bilhões dominando os servidores, data centers, nuvens, serviço de busca, redes sociais, e-mail, mensagens privadas e comércio online. De tal modo que todos os dados da sua vida passam por elas.
As fake news, os discursos criminosos e violentos, são impulsionados pelas Big Techs ao ponto que elas são parte da indústria das fake news. Esses conteúdos recebem mais atenção do algoritmo, têm o alcance ampliado, aumentam o engajamento, geram mais cliques e têm mais poder de viciar as pessoas a passarem mais tempo online.
Para os capitalistas que controlam essas empresas, pouco importa se há mais ou menos fake news, ou se o discurso é de ódio às mulheres e oprimidos. Para eles, o que importa é a quantidade de cliques, engajamento, publicidade vendida e controlando os dados. Esse funcionamento das redes sociais tem tudo a ver com o fato das Big Techs serem um negócio capitalista. Por mais que digam querer um espaço plural de debate saudável, na verdade, como empresas capitalistas, servem aos seus próprios lucros.
As Big Techs ganham dinheiro através da manipulação do algoritmo, controlando, vigiando e manipulando um volume gigantesco de dados de todos. O grande diferencial da publicidade na internet não é apenas seu enorme alcance, mas a possibilidade de utilizar um volume monstruoso de dados para criar o conteúdo publicitário, verificar se a pessoa acessou, o efeito que causou, microssegmentar o que aquela pessoa quer ouvir ou comprar e ter retorno disso imediatamente. Tal controle da informação nunca existiu na história humana, afinal, grande parte da comunicação hoje é online.
Isso, por si só, é um enorme cerceamento à liberdade de expressão. Coloca a possibilidade de censura num nível nunca antes visto. Comparando com os jornais, seria como se alguns monopólios mundiais dominassem toda a infraestrutura da comunicação, a produção de papel, tinta, bancas de jornais e jornalistas, de tal modo que controlassem e determinassem o que poderia ser escrito, a produção, distribuição, alcance e remuneração de toda a imprensa.
Não combate nem conteúdos criminosos
Por que o PL Não enfrenta as Big Techs de verdade?
Ao contrário do que diz a ultra direita, liberdade de expressão não tem nada a ver com liberdade de opressão ou liberdade para a ultradireita promover golpe de Estado, nem para promover assassinatos de negros, mulheres e LGBTs. Esses discursos e ações nas redes devem ser combatidos.
O PL, apesar de todas as suas intenções, é muito limitado no combate à desinformação e aos diversos crimes que ocorrem nas redes. Desconsidera que há todo um negócio por trás dos conteúdos bizarros que precisa ser enfrentado e desmontado. É preciso atacar a indústria capitalista da desinformação e barbárie que tem relação com o próprio poder da Big Techs.
O PL, ao invés de atacar o poder das Big Techs, coloca mais poder nas mãos delas, ao colocar como seu papel a moderação do conteúdo mais ativa, sob o risco de serem supostamente “responsabilizadas”. Ou seja, teriam que, ao seu critério, definir o que se publica ou não. Assim, ficaríamos todos reféns da possibilidade de exclusão ou banimento de conteúdos que não sejam do agrado das próprias Big Techs. Reforçar esse poder não garante a remoção de conteúdos criminosos e nem a liberdade de expressão.
Efeito bumerangue
Como esta lei pode ser usada contra os trabalhadores?
A maioria dos temas especificados pelo PL como passíveis de serem removidos das redes é correta: o combate aos crimes contra crianças, disseminação de preconceito e violência e instigação ao suicídio, automutilação, ou mesmo quem contrariar medidas sanitárias.
Mas há temas menos objetivos e genéricos que podem ser utilizados para restringir ainda mais a liberdade de expressão. Tipificar a possibilidade de moderação de conteúdo sobre temas como ameaça ao Estado democrático de direito ou mesmo terrorismo dá margens para que a direita e a burguesia criminalizem os movimentos sociais e os trabalhadores.
Uma manifestação de rua dos trabalhadores hoje não é considerada um crime contra o Estado democrático de direito. Mas o que garante que amanhã um juiz ou governo não justifiquem a censura sob essa alegação? Com a volta da ultradireita ao poder, esta utilizará essa lei para silenciar os protestos dos trabalhadores. Basta lembrar como o Artigo 142 ou o uso extensivo da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) alimentou a sanha do golpismo bolsonarista. Ou ainda, como Bolsonaro tentou proibir que o chamassem de “genocida”, enquadrando alguns na Lei de Segurança Nacional.
Outro exemplo, Assange e Snowden vazaram documentos secretos dos EUA mostrando os crimes de guerra e espionagem. Segundo o governo dos EUA, essas publicações são terrorismo, e alguns devem considerar inclusive que atentam contra o Estado democrático de direito. Caso ocorra algo parecido no Brasil, com a Lei das fake news, essas mensagens não seriam permitidas na internet? Inclusive, em nome do combate ao terrorismo é que os EUA mantêm um monitoramento e espionagem de seus cidadãos e do mundo todo.
PL e a liberdade de expressão
Quem regula as redes?
O PL, para minimizar os riscos do poder das Big Techs, se aventura a propor coisas muito perigosas. Estas terem o poder de coibir postagens e banir pessoas a seu bel-prazer é um absurdo, mas seria então papel do Estado regular as redes?
Usar uma agência reguladora própria, ou a Anatel, para supervisionar ou ser responsável pelas determinações de moderação de conteúdo não é uma boa solução, haja visto que ficaríamos reféns de um órgão governamental ou do Estado. Mesmo uma agência “autônoma” não teria autonomia, posto que sua composição seria feita pelos governos. Então, estaríamos sempre nas mãos do governo de turno.
É ilusão acreditar que qualquer tipo de ação do Estado de monitoramento, supervisão e censura seria eficaz no combate às fake news. Muito menos desconsiderar o risco de cerceamento à liberdade de expressão. A inspiração do PL vem de uma lei alemã de 2017. Até hoje, a eficácia não foi comprovada e seguem questionamentos sobre o cerceamento à liberdade de expressão. Na França, parte da lei caiu na Justiça.
O modelo também não pode ser a China, tal como defendeu o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), onde não há liberdade de expressão e ainda conta com uma fortíssima censura da internet promovida pelo Estado e empresas.
É absurda a posição do governo do PT, junto com a grande imprensa e um setor da burguesia, de apoiar esse projeto. Não podemos arriscar que nossa liberdade de expressão fique refém do controle estatal, nem empresarial.
“Status especial”
Políticos burgueses e grande imprensa protegidos pelo PL
O PL coloca um “status especial” para políticos e a imprensa, que não ficariam sujeitos à moderação de conteúdo. Teríamos pessoas que podem emitir sua opinião com plena liberdade, outras não. Alguns tentam refutar isso dizendo que, caso os políticos cometam crimes nas redes, também estariam sujeitos à lei. Mas, então, para que a menção especial a eles?
A grande imprensa e os políticos também podem produzir fake news e desinformação. A imprensa faz isso tentando se passar como neutra, mas defende propostas e programas políticos. Basta lembrar a campanha da Globo em prol das reformas trabalhista e da Previdência.
A imprensa também não é livre ou democrática no capitalismo. Algumas famílias capitalistas controlam a imprensa no país, transmitindo informações segundo seus interesses.
O tema da monetização do jornalismo profissional nada tem a ver com o objetivo do PL. Abre brecha para a monetização de qualquer coisa que se defina como jornalismo. Quem vai definir qual o “jornalismo profissional” merecedor da monetização? Falsos portais da ultradireita, promotores de fake news, poderiam ser financiados ainda mais.
Outra regulação das redes
Enfrentar as Big Techs para garantir liberdade de expressão e combater fake news
É preciso se colocar contra o PL. Mas diferente das Big Tech que estão contra hipocritamente para não aumentar seus “custos” e proteger seus lucros, defendemos uma regulação que combata os crimes nas redes, a desinformação e também enfrente o poder das Big Techs garantindo mais liberdade de expressão ao povo.
É preciso garantir que os movimentos sociais e populares nunca poderão ter sua liberdade de expressão tolhida. Garantir que o movimento estudantil, de negros, indígenas, mulheres, LGBTs, de moradia, sem terras e sindicatos jamais serão enquadrados nessa lei.
O processo de moderação de conteúdo deve ser aberto, transparente, democrático e sobre conteúdos criminosos objetivos e bem especificados. É preciso enfrentar o negócio capitalista tanto da publicidade, mas também das próprias Big Techs. Para isso, defendemos a completa transparência do algoritmo, dos softwares e sistemas de informação usados pelas empresas. E mais, torná-lo de código aberto para que seja público, transparente, verificável e auditável por qualquer um, garantindo o direito à privacidade e acabando com o uso de dados pessoais.
Para isso é preciso acabar com esse segredo comercial. Transformaram a infraestrutura de comunicação, que deveria ser pública e acessível para todos, em um negócio capitalista lucrativo controlado por um punhado de bilionários que ninguém sabe como funciona.
Redes sociais mais democráticas e saudáveis são possíveis, mas para isso é preciso tirá-las das mãos dos capitalistas e seus governos, que se movem pelo interesse do lucro.
Por isso é necessário estatizar essas plataformas, mas não para que fiquem sob controle do Estado capitalista. Defendemos que sejam controladas democraticamente pelos trabalhadores e o povo, com código aberto e sem maracutaias da captação e uso de dados ou algoritmos obscuros. Só assim é possível regulá-las, combater as fake news e, ao mesmo tempo, garantir a liberdade de expressão. Assim, as redes se transformariam em uma tribuna digital e virtual de debate público mais democrática e segura de verdade.