Lula volta da China com mais capitalismo na bagagem
A viagem de Lula à China gerou grande repercussão. O próprio governo tratou de alardear o resultado da visita como uma grande vitória não só da sua política externa, mas também dos seus planos de impulsionar um novo ciclo de crescimento econômico no país.
Vários ativistas veem com simpatia essa movimentação. Haja vista que, no governo anterior, Bolsonaro se moveu com uma pauta de alinhamento automático aos EUA no geral e do trumpismo ou das pautas da ultradireita em particular.
O fato de Bolsonaro ter sido um pária e ter se isolado em nível internacional, principalmente após a derrota de Trump, não pode nos fazer perder de vista que a política externa de Lula é se apoiar em outras alas também burguesas e imperialistas dos países centrais do capitalismo mundial, buscando certa localização para o Brasil, respeitando a lógica exploradora e opressora do funcionamento do sistema mundial de estados hoje.
O complexo cenário mundial
A situação internacional é complexa pela profundidade da crise econômica e social do capitalismo, marcada pela disputa entre os EUA como potência imperialista decadente e a China como potência capitalista ascendente. Existe uma crise no sistema de estados, que se expressa na “guerra comercial EUA x China” e na guerra da Ucrânia. Além disso, ainda há divisões nos setores burgueses imperialistas dos EUA entre a ala da ultradireita trumpista e a ala da direita tradicional de Biden. Enquanto isso, setores da União Europeia historicamente mais alinhados com os EUA tentam aparecer como um terceiro polo, o que mostra certas fissuras. Por isso, Macron foi à China e disse defender uma autonomia estratégica da UE em relação aos EUA e China.
O bloco burguês dominado por China não tem nada de anticapitalista ou socialista, como parte da esquerda afirma. China é um assunto cercado de certo ar de mistério. A explicação é que houve uma revolução vitoriosa em 1949 que expropriou a burguesia, e a própria burocracia restaurou o capitalismo nos anos 1970, convertendo-se e criando uma nova burguesia. Isso gerou um país curioso, onde o partido se denomina comunista, o modelo que diz defender se chama “socialismo de mercado”, mas na verdade se trata tão simplesmente de um capitalismo com uma ditadura feroz, com muitos bilionários e grandes monopólios capitalistas.
O equilibrismo de Lula perante EUA e China
Lula, longe de ter uma postura anti-imperialista, busca na verdade se aproveitar desta realidade de disputa entre as grandes nações capitalistas para ganhar espaço econômico (com os acordos com a burguesia chinesa e norte-americana) e político (com a defesa reacionária da paz com anexações na Ucrânia). Trafega entre todos os setores burgueses, buscando garantir os interesses dos monopólios capitalistas de qualquer país dispostos a investir no Brasil. Por isso, depois de visitar a China, trata logo de jogar panos quentes na relação com os EUA e dizer que não interessa qualquer tipo de ruptura com os Estados Unidos.
O ex-secretário do tesouro Lawrence Summer revela que “alguém de um país em desenvolvimento uma vez me disse: ‘o que ganhamos da China é um aeroporto. O que recebemos dos Estados Unidos é uma palestra”. Isso não é bem verdade, porque os EUA dominaram o mundo todo exportando capital, guerra, explorando países inteiros e oprimindo pelo poder militar, quando necessário. Mas hoje o argumento serve perfeitamente bem para explicar a estratégia de Lula e o porquê dessa movimentação entre EUA e China: ele quer disputar quem pode “abrir mais a carteira”.
O Brasil é um país reprimarizado, em reversão colonial, subordinado a todas as potências capitalistas, mas, antes de mais nada, é dominado pelos EUA. Lula sabe e aceita isso; não à toa voou para os EUA assim que pôde. Lula não quer acabar com a submissão do país aos EUA, e sim se subordinar mais à China também, pressionando ambos a “oferecerem mais”.
Nada de anti-imperialista
Os objetivos da viagem de Lula à China
A pretensão de Lula é que a China, além de maior parceira comercial do Brasil, aumente seus investimentos associados com as empresas brasileiras.Foram assinados 20 acordos que podem somar R$ 50 bilhões. Um dos objetivos centrais foi fortalecer a exportação de produtos primários. Por isso, sua caravana foi lotada de representantes do agronegócio e demais setores dos grandes empresários brasileiros.
Foram tratados também temas como investimentos em energia verde, carros elétricos e tecnologia. Lula se reuniu na China com a State Grid, que já domina parte do setor elétrico brasileiro, mas também estiveram em pauta os interesses das montadoras locais, como Cherry, GWM e BYD, além da Huawei, que tem interesses maiores no 5G brasileiro.
Várias declarações de Lula e Xi Jinping foram endereçadas aos EUA. Principalmente quando falaram contra o dólar e anunciaram que não usarão mais moeda dos EUA para intermediar as relações comerciais entre ambos os países. Isso faz parte de uma política de diminuir a dependência do dólar.
Esse é um tema caro e importante aos EUA, na sua luta para seguir dominando e hegemonizando o capitalismo mundial. Manter o dólar como moeda referência lhes dá um poder muito grande de controlar e sugar a riqueza mundial. Além, é claro, do controle político de, por exemplo, sancionar economicamente qualquer país do mundo através do acesso ou não à moeda e ao sistema de pagamentos.
A medida declarada na visita ao país asiático é uma vitória do setor burguês liderado pela China contra os EUA. Não tem nada de anti-imperialista no sentido de fortalecer a soberania geral dos povos. Muito menos de anticapitalista. Na verdade se trata da luta da China pela proeminência de sua moeda nacional, o Yuan, e também de fortalecer o seu bloco capitalista.
O que não foi dito
O significado dos investimentos capitalistas chineses no Brasil
Fica claro que a política de crescimento econômico de Lula significa garantir as condições para que as multinacionais chinesas arranquem cada vez mais lucros em território nacional. Usam como desculpa que esses investimentos podem trazer emprego e salários, claro, esta é a forma capitalista de explorar e sugar as riquezas nacionais. O que não se fala é que terá um aprofundamento da exploração, opressão e submissão aos interesses de capitalistas estrangeiros.
Há muito tempo investimentos estrangeiros, sejam dos EUA ou da Europa, são apresentados como salvação para o país. Com China, mudou a nacionalidade e até o continente, mas a natureza capitalista desses investimentos segue idêntica. Esse país hoje já é um dos principais investidores no Brasil. Entre 2007 e 2021 o estoque de investimento chegou a US$ 70,3 bilhões, colocando o país como quarto destino de capitais chineses no mundo e o maior na América do Sul.
Foi justamente nesse período que cresceu a reprimarização da economia brasileira, a desindustrialização relativa e o rebaixamento do nosso nível de desenvolvimento econômico. Virarmos especialistas em exportação de matéria-prima e commodities de baixo valor agregado foi a outra cara da industrialização chinesa, produto da subordinação do Brasil à divisão mundial do trabalho.
Debate
Relação Brasil e China: independência ou subordinação?
Das duas uma: ou o capitalismo chinês é benevolente e entrega rios de dinheiro e investimentos sem nenhuma contrapartida econômica (de aumento da exploração, dominação e lucros), ou reproduz a mesma lógica do capital quando chega a um nível grande de acúmulo, como em qualquer país capitalista no mundo.
O que move a China é a necessidade de valorização do seu capital para além de suas fronteiras como forma de manter o patamar de lucratividade do seu capital. Os capitalistas investem para obter lucros. Não estão preocupados com os interesses do povo de sua nação, muito menos de outra. Abrir as portas para mais exploração e dominação das maiores economias do mundo, mesmo diversificando a quantidade de países, não é algo que ajude um projeto de desenvolvimento; pelo contrário, é um projeto de sufocamento.
As próprias declarações de Lula explicam a verdadeira natureza dessa relação que, às vezes, é vendida como entre iguais, relação sul-sul, multipolar, anticapitalista ou anti-imperialista.
Perguntado sobre um suposto colonialismo chinês, apesar de argumentar negativamente, afirma que “a China tem se comportado no Brasil da maneira que os empresários brasileiros aceitam”. Em rápida entrevista após a visita, expressou o desejo de que “nossos empresários sejam sócios dos empresários chineses”.
Ou seja, para Lula não seria uma relação “colonialista”, usando a burguesia brasileira como escudo. Como se a burguesia brasileira fosse enfrentar a burguesia chinesa. Mas o que se desenha é justamente a associação da burguesia brasileira como sócia menor dos grandes monopólios capitalistas chineses, como ocorre há muito tempo em larga escala com a relação desta com os EUA e Europa.
Tal como ocorreu com os demais países ricos, se tiver e o que tiver de industrialização no Brasil através da China será sempre subordinado e dependente. A relação que Lula tenta estabelecer com a China, em nome de uma suposta reindustrialização do país, mesmo podendo ocorrer algum tipo de investimento industrial, não será em tecnologia de ponta, mas pontual e no marco dos interesses dos capitais, empréstimos e das multinacionais chinesas.
Alguns usam como argumento que a relação da China com o Brasil não seria de desigualdade ou aprofundamento da dependência porque as economias seriam complementares ou pelo fato de a China supostamente não intervir em assuntos internos dos países.
Esquecem que, de certa perspectiva, toda economia dominada complementa a economia dominadora, de outro modo, sequer seria dominada. Mas isso não retira o caráter de dominação. A China não intervir hoje nos assuntos internos dos países que domina é relativo ao peso da sua dominação. Também houve um período de consolidação do poderio EUA que estes interferiram pouco nos assuntos internos, lá antes das guerras mundiais (não que a China necessariamente seja os próximos EUA, mas apenas para mostrar a insustentabilidade do argumento).
Se ainda tivermos dúvidas, devemos olhar para o papel das multinacionais chinesas na África e no Sul da Ásia. No Djibuti, a China já instalou inclusive uma base militar. No Sri Lanka completamente endividado, tomou o controle do porto do país como forma de pagamento.
Saída dos trabalhadores
Lutar contra a dominação dos diferentes blocos capitalistas
Eis que vivemos a curiosa situação onde parte dos setores dominantes da esquerda brasileira acusa o PSTU de estar junto com o imperialismo na guerra da Ucrânia. Quando na verdade estamos apoiando a resistência do povo ucraniano, que teve seu país invadido por Putin. Essa mesma esquerda comemora o encontro de Lula com Biden, porque este seria da ala imperialista supostamente “democrática” contra Trump e Bolsonaro. Mas quando denunciamos o papel nefasto dos acordos de Lula com a China, acusam-nos de fazer o papel do imperialismo norte-americano, que é dirigido por Biden, com quem Lula se encontrou um mês antes e que, até ontem, essa esquerda defendia.
Para esses setores da esquerda, Lula, quando está com Biden, é justificado por ser antiTrump. Quando está com Xi Jinping, por ser supostamente anti-imperialista. E assim a esquerda brasileira capitula ora a um bloco burguês, ora a outro, perdendo completamente o senso e o crivo das classes sociais para analisar a realidade.
Enquanto isso, sofrem os trabalhadores brasileiros, os da Europa fazem greve, os dos EUA estão em pé de guerra há algum tempo, e os da China podem despertar. Como sempre, o destino das nações será selado pela luta de classes.
Sob o capitalismo não há como todos os países serem como EUA, UE ou China; na verdade, só existem esses países ricos em base à dominação e à exploração de todo o mundo que exercem. Para o Brasil se desenvolver de fato, dar um salto, é preciso enfrentar a dominação das nações ricas e de seus monopólios. Esse é o caminho para garantir que os trabalhadores tenham mais emprego, melhores salários e a vida do povo melhore.