Cultura

Fernanda Torres vence o Globo de Ouro e faz história

Prêmio é conquista inédita e quebra um jejum de 25 anos das produções brasileiras

Jorge H. Mendoza

6 de janeiro de 2025
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Fernanda Torres em seu discurso de premiação durante o Globo de Ouro 2025 (Reprodução / Twiiter)

O cinema brasileiro iniciou um novo capítulo na noite de ontem (5), com uma conquista histórica. Ao levar o prêmio de Melhor Atriz de Drama, Fernanda Torres se torna a primeira brasileira a vencer o Globo de Ouro.

Fernanda Torres interpretou Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, vítima da ditadura militar, no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles.

Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, Fernanda Montenegro, que em 1999 foi indicada na mesma categoria por sua atuação em Central do Brasil, também de Walter Salles, mas não conquistou a estatueta.

“Claro, eu quero agradecer ao Walter Salles, meu parceiro e amigo. Que história, Walter! E, claro, quero dedicar [o prêmio] à minha mãe. Vocês não fazem ideia, ela esteve aqui há 25 anos, e isso é uma prova de que a arte pode durar ao longo da vida, mesmo em tempos difíceis, como os que essa maravilhosa Eunice Paiva enfrentou — e os mesmos que estamos vivendo agora, com tanto medo. Este filme nos ajuda a refletir sobre como sobreviver a tempos difíceis como esses.”

Na coletiva de imprensa após a premiação, Fernanda relembrou que a não vitória de sua mãe (especialmente no Oscar) foi algo que muitos brasileiros levaram para o lado pessoal, e que estava muito feliz em fazer parte dessa celebração coletiva.

Selton Mello nos representa com sua reação.

 

O Clima de Copa

Durante a sua campanha pelo troféu, Fernanda tentou manter uma postura humilde e cética, reconhecendo que a vitória contra produções europeias era improvável e que a simples nomeação já representava uma grande vitória. “Não é para entrar no clima de ‘Copa do Mundo’”, dizia.

No entanto, não foi possível evitar a empolgação. Já passava da madrugada no Brasil quando Viola Davis anunciou o nome de Fernanda Torres, e logo se ouviram gritos de comemoração nas ruas. Uma rápida olhada nas redes sociais confirmou o que já se sabia: o clima era, sim, de Copa — mas, desta vez, para os cinéfilos.

E não era apenas uma torcida pelo prêmio de uma brasileira. Não era só o grito entalado desde 1999. Era, também, o reconhecimento de que a premiação contrariou as estatísticas: Fernanda não era a favorita da noite. Ela competiu com nomes de peso como Pamela Anderson (The Last Showgirl), Angelina Jolie (Maria Callas), Nicole Kidman (Babygirl), Tilda Swinton (O Quarto ao Lado) e Kate Winslet (Lee). O Los Angeles Times descreveu a vitória de Torres como “a única verdadeira surpresa da noite”. Uma vitória com “V” maiúsculo, no melhor estilo.

E o Oscar?

Embora o Globo de Ouro seja uma premiação distinta do Oscar, ele não perde em importância. Enquanto o Oscar é um prêmio concedido pela própria indústria cinematográfica, o Globo de Ouro é organizado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, o que lhe confere um caráter único. Mais de 300 críticos de mais de 80 países participam da votação, o que torna a premiação um reflexo internacional da crítica cinematográfica.

No entanto, como a corrida ao Oscar envolve uma boa dose de marketing e lobby, a vitória de Fernanda Torres alimenta as expectativas para a possível indicação ao Oscar. O anúncio da lista oficial de indicados ocorrerá no dia 17 de janeiro, mas, por enquanto, Ainda Estou Aqui figura na pré-lista.

Os críticos e membros da Academia que ainda não viram o filme têm agora um motivo a mais para considerá-lo: Fernanda Torres é oficialmente a vencedora do Globo de Ouro.

O Cinema Brasileiro no Globo de Ouro

Essa não é a primeira vez que o cinema brasileiro marca presença no Globo de Ouro. Além das participações da família Torres (1999 e 2025), outros nomes já estiveram nas listas da premiação. Sônia Braga (1985, 1986, 1995), Daniel Benzali (1996) e Wagner Moura (2016) também receberam indicações a prêmios por suas atuações.

Em termos de filmes, o Brasil já esteve indicado em quatro ocasiões: Pixote (1982), Central do Brasil (1999), Cidade de Deus (2004) e Ainda Estou Aqui (2025).

A Camada Simbólica da Vitória

Uma cerimônia de premiação tem sempre um efeito simbólico poderoso. A vitória de Fernanda Torres carrega diversas camadas de significado. Primeiro, trata-se de um filme que aborda a ditadura militar brasileira em um momento político em que vemos os fantasmas dessa época voltarem aos noticiários. Segundo, há a sensação de justiça tardia pela premiação que não foi concedida a Fernanda Montenegro em 1999. Por fim, há o apelo popular da figura de Fernanda Torres, amplamente reconhecida por seus papéis em séries de comédia na TV aberta.

Involuntariamente (ou voluntariamente), Fernanda Torres se coloca como porta-voz de duas grandes discussões que espero que se desdobrem a partir do filme e da premiação. Primeiro, a impossibilidade de convivência com facínoras e ditadores. Segundo, a necessidade de celebrarmos e valorizarmos nossa produção cinematográfica, que, embora rica, muitas vezes é subestimada. Que esse prêmio se reflita em uma onda de valorização do nosso Cinema.

Sem anistia para golpistas! Viva o cinema nacional!