Nacional

Governo Lula corre contra o tempo para aprovar pacotaço de ataques

Acordo com Lira e STF libera R$ 7,6 bilhões em emendas para destravar votação de pacote

Diego Cruz

18 de dezembro de 2024
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Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é paparicado por banqueiros em jantar com a Febraban Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

Enquanto fechávamos esta edição, um convalescente presidente Lula se reunia com o ministro Fernando Haddad para discutir o chamado “pacote fiscal” que o governo tenta aprovar no apagar das luzes de 2024. O apelo de Lula foi para que o Congresso Nacional não “desidratasse” o pacote.

O pacote é, na verdade, uma série de ataques e retrocessos aos salários e direitos, tendo como carro-chefe a redução da política de valorização do já minguado salário mínimo. Além disso, o presente de Natal do governo aos banqueiros contém o endurecimento das regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que prevê um salário mínimo a idosos carentes e “pessoas com deficiência” (PcDs), além de restringir o acesso ao abono salarial.

Trata-se de um duro ajuste, jogado nas costas da classe trabalhadora e dos setores mais empobrecidos, para garantir o Arcabouço Fiscal (um teto de gastos que o governo Lula aprovou para substituir o teto de Temer). É atacar velhinhos pobres e PcDs, que já sobrevivem no limiar da marginalidade, relegando-os à uma situação de fome. O objetivo é um só: economizar com salários e aposentadorias para garantir o pagamento da dívida aos banqueiros.

Quem diz isso não é o PSTU, mas os próprios números. O governo Lula espera economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e um valor que pode chegar a R$ 300 bilhões, até 2030. Desses, R$ 110 bi, mais de um 1/3, só de aposentadorias e pensões.

Compra de votos

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) Foto Vinicius Loure Camara dos Deputados

O governo tem pressa. Para aprovar o pacote, está correndo para liberar R$ 7,6 bilhões em emendas parlamentares, só no mês de dezembro. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ameaça travar os projetos do governo, inclusive a Reforma Tributária, que mantém os impostos regressivos e joga a carga tributária nas costas do povo e da classe média.

O entrevero causado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flavio Dino, o governo e o Congresso, em torno das chamadas “emendas secretas” ou “emendas pix”, entornaram o caldo das negociações. Mas, o governo Lula se mostra mais do que disposto a pagar o que for necessário para aprovar esse pacote até o término do ano, para que as medidas passem a valer já em 2025.

Entenda

Pacote de ataques do governo Lula confisca salários e aposentadorias

Salário mínimo – O pacote impõe um teto à atual fórmula de reajuste do salário mínimo (crescimento do PIB de dois anos anteriores + inflação). Pela proposta do governo Lula, o aumento real não pode exceder 2,5%.

Estima-se que, caso seja aprovado, isso tiraria R$ 9 por mês do salário mínimo em 2025. Isso inclui os trabalhadores que recebem o salário mínimo (quase 60 milhões, segundo o Dieese) e os 26,2 milhões de aposentados e pensionistas que também recebem o piso.
Além desse confisco nos salários e aposentadorias, o rebaixamento do salário mínimo vai causar um efeito cascata, pressionando todos os salários para baixo.

Projeção do salário mínimo com as regras atuais e com o teto do pacote fiscal

 Ataque ao BPC – O pacote endurece as regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada. Hoje, idosos com 65 anos ou mais, em situação de vulnerabilidade (com renda familiar de até 1/4 do salário mínimo), e pessoas com deficiência têm direito ao benefício.

Além de dificultar a concessão do benefício através de medidas burocráticas, o governo quer que as rendas de familiares (como irmãos, filhos, enteados etc.) contem como parte da renda do idoso. Até mesmo cônjuges que não morem sob o mesmo teto vão entrar nessa contabilidade.

Abono salarial – O abono do PIS/PASEP é pago a quem recebe até dois salários mínimos e equivale a um salário mínimo anual, funcionando como uma espécie de 14º salário.

O governo quer fixar um teto, para quem tem direito ao benefício, em R$ 2.640, congelando esse valor nos próximos anos (ou seja, desvinculando do salário mínimo e só dando o valor relativo à inflação), até chegar a um teto de 1,5 salário mínimo.

Um Milei no Brasil

Mercado e o Congresso querem mais sangue

Ataque especulativo como chantagem para mais ataques

Apesar de representar um duro ataque contra os trabalhadores, em prol dos capitalistas e do mercado, o anúncio do pacote foi mal recebido por esse mesmo mercado: os banqueiros, grandes fundos de investimentos estrangeiros e megaespeculadores. No dia 18, o dólar bateu o recorde e chegou a R$ 6,26. A justificativa foi o anúncio da proposta de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil e uma suposta falta de “consistência” nas medidas.

Os sanguessugas insaciáveis

Sobre a isenção do imposto, é preciso dizer que isto foi um artifício utilizado pelo governo para dourar a pílula do pacote, que não consta nas medidas enviadas ao Congresso (leia mais abaixo). Por enquanto, é só uma promessa para 2026, enquanto que os ataques valeriam já a partir do ano que vem.

Mas a segunda justificativa, sim, é real. A Faria Lima (avenida em São Paulo, símbolo do capital financeiro) e o mercado, ancorados pela imprensa, querem mais sangue. Fazem um ataque especulativo com o dólar, a fim de forçar medidas ainda mais duras contra os trabalhadores.

Exemplo disto foi o fato de um editorial do jornal “O Globo”, no dia 2 de dezembro, ter enaltecido o presidente de extrema direita da Argentina, Javier Milei, afirmando que sua política de ajuste e cortes, que jogou mais da metade dos argentinos abaixo da linha de pobreza, “faz falta no Brasil”.

Expressando esse setor sedento por sangue, um grupo de parlamentares, incluindo o deputado Kim Kataguiri (União-SP), ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), apresentou um “pacote alternativo”, que prevê o congelamento do salário mínimo e a completa desvinculação do mínimo e todos os benefícios, da aposentadoria ao BPC e o abono salarial.

A proposta deste setor também revoga os pisos constitucionais da Saúde e da Educação. Ao todo, seria uma “economia” de R$ 1,5 trilhão por ano, cifra que daria orgulho ao próprio Milei. Outros setores bolsonaristas também se alinham com essa perspectiva do mercado e exigem ainda mais ataques.

Contentes com Haddad

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira recebe o Ministro, Fernando Haddad Foto Lula Marques/ Agência Brasil

A realidade é que as escaramuças entre o governo, o mercado e o Congresso Nacional, para além de cada parlamentar garantir o seu com as “emendas pix”, não têm a ver com o sentido do pacote. O fato da direita e da ultradireita reclamarem que o pacote é insuficiente, e a blindagem praticamente unânime dos bancos em torno a Haddad, mostram que não há divergências entre eles sobre a manutenção dos interesses dos bilionários capitalistas. Todos estão juntos para atacar os trabalhadores, garantir o Arcabouço Fiscal e os interesses do mercado.

Isso é tão verdade que, uma vez aprovado o pacote, a equipe econômica do governo já afirmou que o próximo “desafio” seria justamente lidar com os pisos da Saúde e da Educação, hoje fixados em 15% e 18%, respectivamente. Esses pisos inviabilizam o Arcabouço Fiscal, que impõe um teto de 2,5% nos gastos totais do governo.

Armadilha do “menos pior”

É preciso, portanto, denunciar e lutar contra o pacote do governo Lula, assim como o pacote alternativo da direita e da ultradireita, que querem piorá-lo ainda mais. Sob o risco de cairmos na armadilha do “menos pior”, uma vez que o projeto comece a tramitar, para empurrar goela abaixo esse conjunto de medidas para a população.

R$ 50 bilhões

Aumento dos juros joga por terra a farsa da busca do equilíbrio fiscal

Elevação de um ponto na taxa de juros já consome toda a economia do pacote de ataques

Novo presidente do BC, indicado por Lula, Galípolo votou pelo aumento dos juros

A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) selou o mandato de Campos Neto, reafirmando a completa subserviência da instituição ao mercado financeiro.

O BC elevou a taxa de juros a 12,25%, colocando o Brasil no segundo lugar do pódio dos países que mais remuneram banqueiros via dívida pública, atrás somente da Turquia. O aumento de um ponto foi aprovado por unanimidade; ou seja, pelos membros indicados pelo governo Lula, incluindo o futuro presidente da instituição, Gabriel Galípolo. A medida foi tão drástica que até a comentarista neoliberal Miriam Leitão chamou de “exagerada”.

Lula passou dois anos atacando o atual presidente do BC. E Campos Neto, de fato, é um neoliberal safado bolsonarista. O problema é que a política econômica do governo Lula, de fundo, não difere tanto de seu antagonista.

Confiscar a renda do povo para oferecer um banquete aos banqueiros

O Banco Central não só aumentou a taxa de juros, como indicou a tendência de novas altas nos próximos meses. Esse aumento de um ponto equivale a um aumento de R$ 50 bilhões da dívida pública em um ano.

Ou seja, caso seja mantida (sendo que o mais provável é que aumente ainda mais, ano que vem), vai representar um aumento de mais de R$ 100 bilhões. Vai comer toda a “economia” do pacote de ajuste fiscal em cima dos salários, aposentadorias e benefícios sociais, e aumentar ainda mais a dívida.

Isso mostra não só que a briga com o bolsonarista Campos Neto não era para valer, como também expõe a farsa do próprio ajuste fiscal. Não se trata de falta de dinheiro, ou que o governo está gastando muito; mas, sim, de confiscar salários e aposentadorias para remunerar os grandes rentistas (os que vivem de rendimentos financeiros, investimentos, ações etc.).

Promessa para 2026

Pacote do governo anula promessa de isenção no Imposto de Renda

O anúncio do pacote realizado por Haddad em cadeia nacional de rádio e televisão veio com uma medida para esconder o real sentido do conjunto de ataques. Haddad prometeu concretizar uma promessa de campanha e isentar do Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil. Isso zeraria a defasagem da correção da tabela dos últimos anos. Para compensar essa isenção, o governo prometeu taxar quem ganha R$ 600 mil por ano, ou mais de R$ 50 mil por mês.

Sem mexer com os bilionários

A medida beneficiaria 32% dos trabalhadores, que recebem entre dois salários mínimos e R$ 5 mil. O problema é que, com a inflação e o rebaixamento da valorização do salário mínimo, cada vez menos trabalhadores e trabalhadoras se encaixarão nessa faixa e ficarão isentos. Ou seja, quem for se beneficiar da medida, lembrando que, por enquanto, ela só existe como uma promessa para 2026, vai acabar sendo novamente taxado ali na frente.

Outra coisa é que não mexe nos verdadeiros bilionários desse país. Os dividendos remetidos para fora continuarão intocados, ainda que os 1% de ricos sejam taxados. Os verdadeiros donos do dinheiro grosso, os que comandam a economia, os 0,001%, vão continuar sem pagar nada.

“Na volta a gente compra”

Mesmo assim, porém, seria uma medida progressiva, ainda que insuficiente. O problema é o que Haddad não disse na TV: que essa medida não consta no pacote de ataques enviado ao Congresso Nacional. Trata-se de uma promessa para 2026, sendo que os ataques contra os aposentados e os trabalhadores já valeriam a partir de 2025. É o velho “na volta a gente compra”. Uma cortina de fumaça para empurrar um conjunto de ataques brutais contra os mais pobres.

Mobilização

Lutar contra o pacote de cortes e o Arcabouço Fiscal

O governo e os setores governistas estão espalhando a “fake news” que o pacote é bom para os trabalhadores e combate privilégios. É necessário combater essa campanha de desinformação tão típica da ultradireita. A realidade é que é um duro ataque ao conjunto da classe trabalhadora e da população mais vulnerável, a fim de manter os lucros dos bilionários, grandes rentistas e especuladores internacionais.

É preciso mobilizar e combater, com independência de classe, para pôr abaixo esse pacote e o Arcabouço Fiscal que, se mantidos, vão significar ainda mais ataques ali na frente. É necessário, ainda, combater essa política econômica levada a cabo pelo governo, que agora tem o Banco Central nas mãos, mas continua com os juros na estratosfera para continuar enriquecendo banqueiros.

Uma política econômica que, para o governo e seus defensores, vem produzindo crescimento do PIB e redução do desemprego, enquanto que, na vida real, os preços dos supermercados só sobem e a precarização e superexploração se aprofundam cada vez.