Tom Jobim: 30 anos sem o maestro soberano
No dia 8 de dezembro de 1994, há exatos 30 anos, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim deixava de existir, aos 67 anos, vítima de uma parada cardíaca. Já Tom Jobim nascia para a eternidade ao se incorporar em definitivo à história da música popular brasileira e ao próprio imaginário coletivo, com inúmeras canções que ultrapassaram as fronteiras do país, embora traduzissem tão perfeitamente o Brasil.
Mas quem foi Tom Jobim? Antes de se dedicar integralmente à música, o jovem Tom pretendia se tornar arquiteto. Pretensão que não durou muito tempo, já que, aos vinte anos, largou a faculdade para viver de música, tocando piano nas boates do Rio. Embora já trabalhasse com gravação em grandes estúdios e com um sucesso no currículo, “Tereza da Praia”, só conheceria os holofotes mesmo quando Vinicius de Moraes o convidou a produzir as canções da peça Orfeu da Conceição, em 1956. A peça se transformaria no filme Orfeu Negro em 1958.
Vinicius contava que, ao chegar no bar Villarino, no centro do Rio, para convidar o jovem maestro a participar de sua peça, ouviu de Tom Jobim o seguinte questionamento: “Tem um dinheirinho nisso aí?”. Mal sabia ele, talvez, que aquela parceria mudaria para sempre a música no país. Embora fosse capaz de compor melodias incríveis, Vinicius era poeta, enquanto que Tom, ainda que também compusesse, era músico de formação, obcecado pela disciplina e perfeição. A parceria foi então uma espécie de união entre cérebro e coração (regada a litros de uísque) que, em seu primeiro trabalho, já produziria o clássico “Se Todos Fossem Iguais a Você”, trilha de Orfeu.
Dois anos depois, em 1958, Tom participa do disco que ficaria conhecido como marco zero do que viria a ser a Bossa Nova, o LP Canção do Amor Demais, junto com Vinicius e interpretação da cantora radiofônica Elizeth Cardoso. Esse disco teve ainda a contribuição de um jovem violonista, João Gilberto. Entre as músicas desse LP, além da faixa-título, havia “Chega de Saudade” e “Eu Não Existo sem Você”. Em 1959, João Gilberto gravaria seu próprio disco, “Chega de Saudade”, considerado, esse sim, o disco inaugural da Bossa Nova, com músicas de Tom e Vinicius.
Com o tempo e a relativa decadência de alguns de seus protagonistas, a Bossa Nova ganhou uma certa aura pejorativa, associada a um estilo de um seleto grupo da classe média alta da Zona Sul do Rio, de música alienada e pequeno-burguesa. No entanto, a Bossa Nova foi bem mais que isso. Foi uma apropriação do jazz norte-americano, sobretudo o cool jazz (impossível não comparar a forma de cantar, por exemplo, de Chet Baker e o que João Gilberto faria depois) e a sua fusão com o samba e o samba-canção. Enquanto o violonista baiano inventava uma nova forma de tocar violão, Tom imprimia no piano seu próprio estilo, fruto de uma formação clássica que tentava se aproximar do popular, unindo Stravinsky, Chopin e Pixinguinha. Como disse Hermeto Pascoal no livro “Tons Sobre Tom”, “ele usava arpejos, dava toques que abreviavam as coisas, aquelas duas notas que valiam por mil. A gente ouvia as notas que ele tocava e as que não queria tocar”.
A aproximação com jazzistas de certo renome, como Stan Getz e Charlie Byrd, que gravaram várias de suas músicas no disco “Jazz Samba” projetou o nome do maestro para o estrangeiro. Apresentou-se no lendário Carnegie Hall pela primeira vez em 1962. Pouco depois, em 67, recebeu o convite de Frank Sinatra para gravarem um disco juntos, “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”. Inúmeros músicos de jazz e outros estilos regravaram Jobim nos anos seguintes, como a própria Ella Fitzgerald que chegou a gravar um álbum inteiro de músicas do maestro, “Ella Abraça Jobim”, de 1981. O disco tem versões para “Insensatez” (How Insensitive), “Samba do Avião” (Song of the Jet), “Inútil Paisagem” (Useless Landscape), entre outras, em quase 80 minutos de puro deleite.
Seria injusto não citar outra parceria de Tom que acrescentou canções maravilhosas ao cancioneiro popular. Com Chico Buarque, o maestro compôs músicas como “Retrato em Branco e Preto” (que era originalmente uma música instrumental chamada “Zíngaro”), “Sabiá” (que ganhou o III Festival da Canção sob as vaias dos estudantes que torciam para Geraldo Vandré), “Anos Dourados” e, principalmente, “Imagina” (destacado aqui por absoluta arbitrariedade e gosto pessoal do autor deste texto). Quando Tom compôs, em 1947, o que viria a ser “Imagina”, ele não pensou em letrá-la. Anos depois, quando Chico propôs botar letra nela, o maestro foi contra, dizendo que era muito difícil e que não era adequada para letra. Mas, teimoso que é, Chico letrou a música, mandou num telegrama para Tom que estava em Nova York, e recebeu como resposta: “It’s very exquisite!” (“Isso é de muito bom gosto!”).
Como um Quixote das notas, Tom Jobim resumiu da seguinte forma sua vida e seu trabalho: “Tentei harmonizar o mundo, o que é evidentemente uma utopia”.
Trinta anos depois, esta data não deve servir para lamentar a sua morte, mas sim para celebrar uma vasta obra que, em tempos de Internet, estão a um clique de distância.
Confira
Instituto Antonio Carlos Jobim
Texto originalmente publicado em 2014, por ocasião dos 20 anos da morte de Tom Jobim